Correio da Cidadania

Duelo em Teerã

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Informa o Tehran Times que o aiatolá Rafsanjani, presidente do “Conselho dos Especialistas” do governo iraniano, fez um apelo às autoridades para que não revelassem em público suas divergências.

 

A briga está feia em Teerã.

 

De um lado, os setores mais conservadores, muito próximos do Supremo Líder, o aiatolá Kamenei.

 

Do outro, o presidente Ahmadinejad e seus aliados, ensaiando uma postura liberal e humanista.

 

Pela constituição da Revolução Islâmica, o Supremo Líder é a mais alta autoridade política e religiosa.

 

Ele é o comandante das forças armadas e do aparelho de segurança, tem sob sua alçada a política externa e as nomeações do Judiciário.

 

Já o presidente cuida das questões econômicas e sociais e da administração, de um modo geral.

 

Apesar desta divisão de poderes, Kamenei tem avançado na área de Ahmadinejad, tomando decisões que não lhe caberiam.

 

E quem teria coragem para corrigi-lo?

 

O presidente, por sua vez, saiu várias vezes dos limites do seu cargo ao se pronunciar a respeito de questões como o problema nuclear e as relações com os americanos.

 

Recentemente, ao responder a proposta de negociações bilaterais com os EUA, feita pelo vice-presidente Biden, Kamenei foi duro. Negou-se a aceitá-la, enquanto os americanos atacassem o Irã com sanções, exigindo que, antes de mais nada, eles fizessem gestos concretos de boa vontade.

 

Em discurso no Cairo, Ahmedinejad recebeu a iniciativa de Biden de modo diferente: considerou-a uma proposta nova e positiva.

 

Mas afrontar o Supremo Líder publicamente, no Irã, seria um verdadeiro sacrilégio.

 

Por isso, o presidente, poucos dias depois, concluiu com uma resposta concreta semelhante à de Kamenei: “Tirem suas armas de frente da face da nação iraniana e eu próprio negociarei com vocês”.

 

O duelo Ahmadinejad versus Kamenei não se resume a uma simples disputa pelo poder.

 

Querendo ampliar seu espaço eleitoral, Ahmadinejad tornou-se subitamente um defensor dos direitos humanos, da modernidade e dos direitos das mulheres, em suma, um liberal.

 

No sistema eleitoral do país, todos os candidatos aos cargos públicos têm de ser previamente aprovados por uma comissão, influenciada por Kamenei e seus seguidores mais fiéis.

 

É uma forma de o establishment assegurar seu controle sobre o governo.

 

E vejam o que Ahmadinejad acaba de declarar: “Nas próximas eleições, todas as opiniões e facções devem ser representadas. Nenhuma pessoa pode substituir a nação ou decidir pelo povo”.

 

Foi um ataque preventivo contra seus adversários que possivelmente tentarão bloquear a candidatura a presidente do aliado Esfandiar Mashae.

 

Claro, os reformistas ganharam novo alento.

 

Agora pensam em disputar a presidência, desde que alguns dos seus líderes, atualmente em prisão domiciliar, sejam libertados.

 

E os conservadores linha dura, que rodeiam Kamenei, não ficaram nada satisfeitos.

 

No ano passado, Ahmadinejad já os havia insultado ao declarar que desejava visitar as prisões, insinuando que os direitos humanos não estariam sendo respeitados nessas instituições, administradas pelos conservadores do poder judiciário.

 

Eles morderam a isca: Amoli Larijani, o chefe do judiciário, protestou, afirmando que o presidente só poderia visitar as prisões com permissão do judiciário, que ele não daria por não ser do “interesse do sistema”.

 

Na sua disputa com o “neo-liberal” Ahmadinejad, os conservadores ocupam posições-chaves.

 

Começando com a de Supremo Líder.

 

É verdade que Kamenei procura passar uma imagem de imparcialidade, embora, em várias ocasiões, não deixe de atuar contra Ahmadinejad.

 

Em abril de 2011, por exemplo, renomeou ministro da Inteligência um cidadão que fora demitido pelo presidente.

 

Mas o fogo mais pesado fica mesmo por conta dos irmãos Larijani, que presidem o parlamento e o judiciário.

 

Nos últimos dois anos, aliados-chave de Ahmadinejad foram presos ou demitidos de funções públicas pelos deputados da maioria conservadora.

 

Na semana passada, Ahmadinejad atacou pesado, exibindo no parlamento um filme que mostrava o irmão mais novo do presidente dessa casa, Ali Larijani, recebendo propinas. Para ele, era uma prova de que toda a família Larijani seria corrupta.

 

Como a maioria dos deputados segue a tendência dos Larijani, a acusação não pegou e ele teve de se retirar, recebendo até vaias.

 

Por sua vez, Ali Larijani foi mal tratado, quando discursava numa solenidade em comemoração do aniversário da revolução.

 

O público pró-Amadinejad não permitiu que ele continuasse a falar, chegando a atirar sapatos, grande insulto para os islâmicos.

 

Numa demonstração de que a defesa dos direitos humanos era uma arma para os dois lados, Sadeq LarijaniI, o chefe do Judiciário, ordenou a prisão de Saeed Mortazavi, aliado do presidente, responsabilizando-o por torturas praticadas em 2009.

 

Na ocasião, durante os protestos contra a eleição de Ahmadinejad, ele ocupava o cargo de procurador-chefe.

 

Não faltavam motivos: em 2010, inquérito parlamentar concluiu que ele era culpado de torturas e da morte de pelo menos 3 manifestantes.

 

Voltando do Egito, onde estava em missão oficial, Ahmadinejad ordenou a soltura de Mortazari, chamando a ordem de prisão “uma ação muito feia”.

 

Os choques no interior do sistema iraniano se intensificaram diante da proximidade das eleições presidenciais, de junho deste ano.

 

Delineia-se uma disputa entre 3 forças.

 

Os conservadores, que controlam o Legislativo, o Judiciário e a Guarda Revolucionária, além de contarem com as simpatias de Kamenei, devem ser os favoritos.

 

Com sua recente mudança de linha política, Ahmadinejad pretende conquistar muitos votos da classe média, que valoriza a defesa dos direitos humanos. Seu candidato também tem boas chances de levar.

 

Caso os reformistas lancem um candidato forte, como o ex-presidente Khatami, e ele não seja proibido de concorrer pela comissão eleitoral, poderão beneficiar-se da divisão no interior do sistema.

 

Seja qual for o vencedor, o Ocidente não deve esperar que o Irã desista de enriquecer o átomo, como Israel exige.

 

Pela recente pesquisa Gallup, 2/3 do povo iraniano culpa as sanções pelo seu sofrimento e quer a continuidade do programa nuclear.

 

No entanto, se o candidato reformista vencer, ele certamente vai, além de reafirmar o caráter civil do programa nuclear iraniano, garantir que não atacará Israel.

 

Encontrar um modus vivendi com o Ocidente será também muito possível.

 

Mesmo que eleito seja o aliado do neo-liberal Ahmadinejad, é capaz que tudo isso aconteça.

 

Aí, seria difícil para Bibi inventar novos pretextos para manter o Irã na lista negra.

 

Luiz Eça é jornalista. Blog do autor: http://www.olharomundo.com.br

Comentários   

0 #1 Um pouco de ironiaNelson 26-02-2013 20:43
Como assim, Eça?
As telas e as páginas dos órgãos da mídia hegemônica brasileira e as bocas e penas de seus comentaristas sempre me deixaram a impressão de que no Iran existem eleições só de mentirinha. Que a oposição é sufocada e coisa e tal.
Como é que você me vem com essa agora, de que há disputa e debates entre os candidatos à sucessão de Ahmadinejad?
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