Correio da Cidadania

A síndrome do 470

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É compreensível a indignação dos militantes e dirigentes do PT condenados pelo STF na ação penal 470. Como já reiteramos em outros comentários, o STF atropelou normas e procedimentos jurídicos. Aceitou a tese do mensalão, sem qualquer consistência objetiva, pois, se houvesse, teria que ter julgado a maior parte da Câmara dos Deputados. Ignorou a confissão do uso de caixa 2. Transformou o cartão Visa numa propriedade do Banco do Brasil, o que deveria gerar uma ação de posse por parte do banco estatal, criando um caso internacional. E agiu como um tribunal de exceção, na tentativa de criminalizar judicialmente a política.

 

Nesse sentido, os militantes e dirigentes condenados têm todo o direito de protestar, apelar para a solidariedade pública, ingressar com apelações judiciais contra as decisões do STF, e desmascarar os desmandos praticados durante a ação penal. No entanto, eles cometem um erro crasso ao pretenderem estabelecer uma relação de tais ações de repúdio aos procedimentos e às decisões do STF com o apoio e sustentação do governo da presidente Dilma, e com a luta pelas reformas política e tributária. E praticam um erro maior ainda ao pretenderem fazer com que o PT assuma, neste momento, como sua tarefa mais importante, a luta pela anulação das condenações.

 

Esquecem que isto incluiria absolver também o escroque que praticou inúmeros delitos comprováveis e colocar o PT no banco dos réus. Parecem não perceber que isto é o mesmo que mobilizar o PT para uma armadilha que o próprio STF tentou armar durante o processo 470 e não conseguiu. É evidente que o julgamento, desde o início, foi político. Tinha por objetivo inviabilizar o governo e criminalizar as atividades do PT. E só não obteve sucesso porque o PT considerou, também desde o início, que aquela ação penal envolvia, e deveria envolver apenas indivíduos que eventualmente eram filiados do partido. Este, como um todo, não tinha e não tem responsabilidade pelas ações que alguns de seus membros e dirigentes praticaram à sua revelia.

 

Se o partido houvesse sido consultado a respeito de angariar finanças de campanha eleitoral através de um conhecido escroque, ligado ao governo tucano de Minas Gerais, certamente o partido teria rejeitado tal ação. Porém, mesmo tendo consciência desse repúdio coletivo, alguns dirigentes e militantes petistas decidiram, por sua conta e risco, realizar essa aliança espúria. Aliança que se tornou ainda mais arriscada à medida que envolveu conhecidos dirigentes corruptos e corruptores de outros partidos, abrindo flancos para o mais perigoso e danoso ataque da direita, não só ao PT, mas também ao governo Lula.

 

Pouco importa que tal ataque tenha sido hipócrita, já que a direita pratica o caixa 2 e a compra de votos desde sempre. O resultado concreto é que tal ataque quase transformou o caso numa crise constitucional e partidária. Apesar disso, os filiados que cometeram tal erro e levaram o PT e o governo Lula a passarem por uma crise que não haviam promovido sequer reconhecem a gravidade de seu erro. Foram alertados, de diferentes formas, inclusive através de artigos públicos, da necessidade de reconhecerem tais erros, inclusive como forma de defenderem o partido e a si próprios contra as ações da direita. No entanto, perseveraram no caminho do silêncio quanto aos erros cometidos.

 

O resultado dessa aliança com o escroque Marcos Valério e da recusa em tornar público o reconhecimento do erro foi bem aproveitado pela direita. Numa operação bem articulada, o STF assumiu uma ação penal que não lhe competia, a não ser em parte, e transformou o julgamento num circo midiático de criminalização judicial da política. Como um erro puxa outros, os réus entregaram sua defesa totalmente aos argumentos jurídicos, ao invés de transformarem o julgamento numa disputa política, como agora reconhecem que ele foi. Tinham a ilusão de que o STF ficaria amarrado às normas e aos procedimentos jurídicos comuns e que, sem provas materiais, seriam absolvidos. Ou seja, da mesma forma que erraram ao aceitar negócios escusos com um escroque ligado ao tucanato mineiro, erraram ao se subjugarem à defesa estritamente jurídica de um julgamento de natureza política, onde as provas são imateriais.

 

Agora, na mesma linha de sucessão de erros, querem que o PT transforme sua defesa na principal tarefa partidária, sem sequer se darem conta de que, com isso, empurram o partido para uma armadilha. A maioria do STF pretende condenar todo o PT como cúmplice das ações e erros cometidos pelos filiados condenados. Em vista disso, não deixará de aproveitar qualquer oportunidade que se apresente. Basta ver como foram céleres em aceitar o novo depoimento do escroque mineiro incriminando Lula. Assim, se o diretório nacional do PT aceitar a proposta de defesa pública desses filiados, ainda por cima incluindo a defesa do escroque contra o qual há provas contundentes, estará dando ao STF os motivos para colocar em andamento sua máquina de criminalização judicial da política.

 

Os filiados atingidos pela ação penal 470 não podem transformar sua situação numa síndrome partidária. Têm o direito de se defender e de mobilizar os que comungam de seu inconformismo. Mas precisam ter consciência de que tal mobilização tende a desviar o PT e o governo das questões políticas essenciais. Para escapar da armadilha que procuram lhe impor, tanto a direita, conscientemente, quanto os solidários aos condenados, inconscientemente, o PT precisará focar ainda com maior decisão a luta contra a desigualdade social, o domínio da economia pelo capital estrangeiro e os entraves que impedem maior participação democrática na política e no governo.

 

O PT, assim como toda a esquerda do país, precisa se concentrar nas lutas pela industrialização soberana, pela reforma política, neste caso especialmente para proibir o financiamento privado das campanhas eleitorais, pela reforma tributária e pelo fim do monopólio privado das comunicações. É no bojo desse processo, especialmente da reforma política, que o STF pode ser obrigado a rever o julgamento da ação penal 470, tendo como base a legislação que atropelou de forma tão descarada.

 

Os filiados enredados nas armadilhas da direita devem aprender com as lições que lhe foram impostas por seus próprios erros. Devem assumi-los modestamente, e evitar que a síndrome do 470 paralise o PT. Só isso pode criar as condições para salvá-los e esclarecer como a justiça burguesa é capaz de atropelar suas próprias leis para condenar seus inimigos. Se não se imbuírem dessa modéstia e da paciência que deve caracterizar os combatentes pela verdade, certamente criarão mais confusão do que esclarecimento, abrindo flancos para novos ataques da direita.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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