Correio da Cidadania

Por um 2013 de luta e de classe

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O alívio que representou para o PT e para o governo Dilma a vitória eleitoral em São Paulo durou menos que o esperado. O resultado do PIB do ano passado derrubou todas as esperanças de Dilma e seus aliados de terminar o ano de 2012 com números minimamente apresentáveis. Isto, depois de um ano em que as concessões às empresas privadas alcançaram uma dimensão sem precedentes. A desaceleração do PIB se deveu à queda no setor de serviços, em particular da intermediação financeira, como consequência da redução das taxas de juros. Isto evidencia o caráter parasitário do boom precedente. Desde agosto de 2011, o Banco Central reduziu de 12,5 a 7,25% a taxa básica, com a pretensão de estimular o consumo e facilitar a renegociação das dívidas empresariais. O crescimento do PIB, ainda assim, passou de 4,5% a 1% anual.

 

O Tesouro Nacional injetou R$ 390,1 bilhões nos três bancos controlados pelo governo federal - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal - entre o fim de 2006 e outubro de 2012. A participação das instituições financeiras públicas no crédito total da economia saltou de 36,8% para 46,6%. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a liberação de R$ 100 bilhões para o BNDES em 2013. Desse valor, cerca de R$ 45 bilhões poderão ter como fonte o Tesouro Nacional. Afora alguns financiamentos populares, é tudo subsídio a grande capital, mas nada feito: a taxa de investimentos caiu nos últimos cinco trimestres (em 2012, 4%), acumulando uma queda da produção industrial de 2,9%. A produção de automóveis teve em 2012 sua primeira queda em dez anos.

 

Para os porta-vozes da grande indústria, “o modelo econômico brasileiro baseado no consumo está esgotado”; eles pretendem uma redução dos “custos do trabalho” por meio de uma desvalorização. The Economist, porta-voz do capital financeiro internacional, qualificou a economia brasileira de “moribunda” e reivindicou a montagem de uma nova equipe econômica. Mas os problemas do governo petista não acabam na frente econômica.

 

Os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam culpados e condenados os réus do mensalão, o esquema de compra de votos parlamentares que foi denunciado em 2005 por um deputado “aliado” do governo petista, deixado de fora de algum negócio sujo. O detalhe, como se sabe, é que entre os condenados às penas de prisão se encontram vários dos principais dirigentes do PT (no partido, no governo e no bloco parlamentar), em exercício de funções até a data em que o “aliado” Jefferson decidiu pôr seu capital de merda no ventilador. A oposição e a grande imprensa burguesa saíram, claro, a cantar loas à independência do Poder Judiciário. A maioria da esquerda gritou aos céus, denunciando o julgamento do mensalão como golpista e farsesco. O julgamento é uma farsa, por vários motivos, o primeiro dos quais é que os acusados foram somente os agentes do suborno, e não os subornados, que aceitaram o dinheiro para votar diversas leis reacionárias do PT (a reforma previdenciária, em primeiro lugar). Ensinado pela “traição” dos juízes (que servem ao Estado burguês) e os “aliados” (também burgueses), o PT reabilitou um fato anterior ao próprio mensalão, a saber, o esquema de financiamento ilegal da (derrotada) campanha eleitoral do PSDB ao governo de Minas Gerais em 1998. Sucede que o “financiador” em ambos mensalões é o mesmo, a raposa dos paraísos fiscais, Marcos Valério, cuja condição de vigarista já havia sido dada a conhecer em 1998, o que não lhe impediu de ser contratado pelo PT em 2002.

 

Este quadro ameaça transformar o início de uma crise política em uma explosão no PT e sua frente eleitoral. Sem haver ainda sedimentado o escândalo do mensalão, se produziu a queda da coordenadora do escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, amante pública de Lula, que tinha montado um esquema milionário de negócios, vendendo informes técnicos fraudulentos para favorecer empresas privadas (pagantes) em contratos públicos. Alojados em cargos estratégicos de agências reguladoras, os “amigos” da Rose formaram uma quadrilha para traficar influência e fraudar pareceres técnicos de órgãos federais. A consequência política principal, no entanto, é que pode sepultar as aspirações de Lula de voltar ao Planalto em 2014. Existem 23 implicados, vários presos, diretores de agências reguladoras nomeados por Lula. A presidente aproveitou para fazer-se de durona contra essa gente, demitindo-os. Como comentou Ricardo Noblat: “Se a Justiça pusesse amanhã um ponto final no caso do mensalão e se o Rosegate acabasse apagado, por milagre, dos anais da política brasileira e da memória coletiva, nem por isso aumentariam as chances de Lula engatar a marcha da volta triunfal à presidência daqui a dois anos”.

 

Dilma Rousseff, que não havia participado de nenhuma eleição de qualquer espécie antes, foi eleita presidente em 2010 como “substituta constitucional” de Lula (no Brasil não existe segunda reeleição) até 2014. A mesma imprensa que celebra a decisão do STF sobre o mensalão também celebra suas qualidades reveladas de “estadista”, ou seja, a violência com que enfrentou as greves, avançou nas privatizações e fez passar leis antioperárias, e até sua dureza no “Rosegate”. O “marqueteiro” do PT, João Santana, ousou soltar um balão de ensaio: propôs a reeleição de Dilma, com Lula como candidato a governador de São Paulo em 2014, como último serviço antes de aposentar-se. O ex-metalúrgico nem comentou.

 

Quando faltam pouco menos de dois anos para as eleições gerais, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, reconheceu que a disputa eleitoral “já está na rua”. Do outro lado, Fernando Henrique Cardoso se apurou em lançar a candidatura de Aécio Neves, governador tucano de Minas Gerais. Outra manifestação significativa é a ruptura oficial com o governo da Força Sindical, o segundo aparato sindical do país. Até o momento ligada ao brizolista PDT, que conduz o Ministério do Trabalho, a FS estaria preparando o lançamento de um novo partido político para sustentar a candidatura presidencial de seu chefe, Paulinho Pereira.

 

A farra parlamentar continua. A LOA (orçamento federal) prevê um total de despesas próximo a R$ 2,14 trilhões para o exercício de 2013. Esse valor representa a soma dos três orçamentos integrantes do Orçamento Geral da União. Ao longo da tramitação, foram apresentadas 8.298 emendas envolvendo valores orçamentários, um total de R$ 79,3 bilhões relativos, 4% do total do orçamento, que significam muito do ponto de vista da lógica eleitoral de cada parlamentar individualmente. E mais de 50% do orçamento vai para pagar a usurária dívida pública (55% em mãos de bancos “nacionais e estrangeiros”, 16% em mãos dos fundos de pensão).

 

E a economia capitalista brasileira está em um impasse grave. O PIB cresceu menos de 1% anual por oito trimestres consecutivos. A “bolha financeira” está inchada por todos os lados: o recorde da dívida pública federal (interna e externa); a dívida dos estados, em primeiro lugar a da chamada “Grécia do Brasil”, o Rio Grande do Sul (governado histórica e atualmente pelo PT), que deve à União 215% de sua receita líquida, seguido por Minas, São Paulo e Rio (ou seja, os quatro maiores estados do Brasil); a dívida privada de bancos, empresas e famílias; a bolha da propriedade imobiliária (165% de valorização entre 2008 e 2012, contra 25% de inflação). O capital financeiro internacional reclama mais subsídios ao grande capital e a privatização de tudo.

 

Dilma vai, em grandes linhas, no sentido solicitado pelo grande capital (ainda preservando seu ministro econômico - Mantega -, herança de Lula, cuja demissão abriria uma guerra com este): já anunciou a privatização dos aeroportos, com fortes subsídios estatais, às vésperas da Copa 2014 e das Olimpíadas de 2016, ou seja, deu de bandeja ao grande capital a próxima galinha dos ovos de ouro. Transferiu-se à iniciativa privada a manutenção, construção e exploração de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias, sem contar com a incorporação de aeroportos e portos, em processo de efetivação. "Concessão", o termo usado, é um eufemismo para privatização. Os investimentos são da ordem de R$ 133 bilhões para um período de 25 anos, sendo que R$ 79,5 bilhões serão investidos nos primeiros cinco anos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiará 80% dos projetos. Para acompanhar a privatização foi criada uma agência reguladora: a Empresa de Planejamento e Logística (EPL).

 

Dilma já reduziu os salários dos servidores públicos e os gastos sociais ao seu percentual mais baixo (do PIB e da receita líquida do Estado) em duas décadas, abaixo inclusive do que o dos governos “neoliberais” anteriores ao PT. A redução das tarifas de energia elétrica não leva em conta que, desde 1995 até 2011, o custo da energia elétrica ao consumidor subiu nada menos que 455%, bem acima da inflação, que acumulou 234% no mesmo período. Portanto, ainda que haja a redução de 16,2%, o resultado será um grande aumento na energia nos últimos 16 anos. Sem falar nos preços subsidiados que já pagam os grandes consumidores; 30% da energia é consumida pelos seis setores “intensivos em energia”: o cimento, a produção de aço, a produção de ferro-ligas (ligas a base de ferro), a produção dos metais não-ferrosos (principalmente, o alumínio primário), a produção de química, e o setor de papel e celulose.

 

E continua a política de desoneração da folha de pagamentos das empresas. O fim da cobrança da contribuição previdenciária patronal compromete o equilíbrio futuro do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sob o argumento da necessidade de redução do “custo Brasil” - o governo federal abdicou “unilateral e espontaneamente” da receita previdenciária oriunda de 20% sobre a folha salarial e ficou com uma promessa de contribuição de alíquotas sobre o faturamento das empresas.

 

O problema é que, como resumiu o editorialista do Valor Econômico (5/12/2012), “o governo baixou as taxas de juros, desvalorizou o real, aumentou o gasto público (leia-se subsídios ao capital), adotou medidas para diminuir os custos de produção (desregulamentou a legislação trabalhista), reduziu impostos (ao grande capital), abriu a concessão de serviços públicos ao setor privado, interveio em alguns setores econômicos, e a economia brasileira não reage. Os investimentos são negativos há dois anos, e o PIB registra uma média inferior ao dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso”. Lembremos que o grande capital, inclusive internacional, fez sinal negativo à continuidade de FHC (através de José Serra) em 2002.

 

Os investimentos externos, que equilibram a conta capital (contra o monumental déficit comercial) e mantêm artificialmente valor do real, são para especulação financeira de curto prazo, ou para a compra de ativos, não para crescimento. A multinacional norte-americana da saúde United Health adquiriu a empresa líder do mercado brasileiro (Amil) pelo valor de R$ 10 bilhões. A negociação implicou a transferência de um conjunto de mais de 20 hospitais. Mas a grande aposta do novo controlador é mesmo o segmento de planos privados de saúde. Quem achou que pagando um plano privado estava coberto vai ter surpresas, na prestação e no atendimento.

 

Eduardo Campos, governador de Pernambuco e chefe do PSB, o partido que mais cresceu nas recentes eleições municipais, aliado parlamentar, de gabinete e eleitoral do PT, declarou que não pensa “eleitoralizar” (sic) a crise econômica, ou seja, lançar-se na disputa presidencial de 2014, mas que trocará de ideia se a economia não reagir rápido em 2013. A queda acelerada das compras chinesas, entre outros fatores, conspira contra a “reação” (já se prevê um déficit comercial de US$ 65 bilhões em 2013). A China não quer comprar mais mercadorias, mas sim ativos no país (excesso de capitais em casa). Se o PSB sair da frente eleitoral encabeçada pelo PT, arrastando a (todo ou parte) do PMDB, a coalizão governante desde 2003 (o PT não consegue governar sozinho, não tem maioria parlamentar própria) estaria definitivamente quebrada, em momentos em que a alternativa burguesa “de direita” (PSDB) vem em queda livre eleitoral (perdeu a cidade de São Paulo), abrindo um período de crise e deliberação políticas baseado na decomposição do bonapartismo lulista.

 

E a esquerda? A do PT aposta no PED-2013 (eleições internas) sem política diferenciada da direção, e propondo somente mais ativismo contra a direita (PSDB), ou seja, aposta na sua derrota. O PSOL é uma federação cada vez mais federada de tendências, carente de política comum, e cuja principal figura eleitoral, Heloísa Helena, aposta em uma coalizão (impossível) ou em uma ruptura com vistas a uma aliança eleitoral privilegiada com o PV da ex-ministra petista Marina Silva. Frente ao julgamento do mensalão, o PSTU se perguntou: está sendo feita justiça? Respondeu que não, porque continua impune o mensalão do PSDB. Ou seja, existe uma esquerda que, frente à crise econômica e política, faz a política do avestruz, ainda que tenha registrado algum progresso eleitoral nas eleições municipais de 2012.

 

O debate sobre a frente de esquerda, que está na agenda, não pode restringir-se à questão eleitoral, com dois anos de prazo para composições, mas sim propor a unificação da luta dos amplos setores classistas do movimento operário e juvenil. Por enquanto, esta é só uma unidade de cúpula, restrita em relação às potencialidades das lutas em curso. Na reunião do “Espaço de Unidade de Ação”, realizada em novembro em Brasília, estavam presentes CSP-Conlutas, CNTA; Fórum das Entidades dos Servidores federais (CONDSEF; ANDES/SN; ASFOC/SN); CPERS/Sindicato; “A CUT pode mais” (tendência da CUT). A marcha a Brasília de 17 de abril de 2013 deveria garantir a presença de dezenas de milhares de trabalhadores e jovens, e pode ser um importante passo na luta, mas está ainda longe. Está colocada a urgência de um plano de lutas contra as demissões em massa que estão ocorrendo, ou as anunciadas: fábricas de calçado na Bahia, GM, Gol/Webjet, Mercedes Benz, Banco Santander... E contra a farra com dinheiro público para as empreiteiras (R$ 22,5 bilhões em financiamento do BNDES), demissão e cárcere aos trabalhadores que lutam, em Belo Monte. Até um destacamento do Exército será fixado no canteiro da obra. O PLC 121/2012, aprovado pelo Senado, traz em seu corpo a consolidação da desestruturação da carreira dos docentes do ensino federal.

 

Mas há vitórias importantes (os docentes da UESPI, em greve, conseguiram a devolução dos salários cortados e retomaram a negociação salarial com o governo). O programa da unificação classista e de luta é claro: contra “Acordo Coletivo Especial” (parido pela burocracia cutista e o governo, que acaba com os direitos trabalhistas); contra a precarização do trabalho (terceirização e outras); defesa da aposentadoria e da previdência pública; fim do fator previdenciário; anulação da reforma da previdência de 2003 (contra a adoção de idade mínima e o fator 85-95, que mantém o sacrifício dos trabalhadores); recomposição do valor das aposentadorias ao patamar de quando foram concedidas; contra a redução da contribuição patronal para a previdência social; contra os fundos de aposentadoria complementar, fundos de pensão, que privatizam a previdência; aumento geral dos salários; congelamento dos preços dos alimentos e tarifas públicas; suspensão das demissões em massa; redução da jornada de trabalho sem redução salarial; em defesa dos servidores públicos (defesa do direito de negociação e contratação coletiva, contra as restrições ao direito de greve); em defesa da educação e da saúde pública; em defesa do direito à moradia digna; reforma agrária já (o governo assentou pouco mais de 4 mil famílias em 2012, número 24% inferior ao registrado no ano passado); respeito aos direitos de quilombolas e povos indígenas; contra as nova privatizações (contra a rodada de leilões do petróleo, contra a privatização dos aeroportos e das estradas do país); contra o novo código florestal / em defesa do meio ambiente; não pagamento da dívida externa e interna aos grandes especuladores; contra a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais (basta de assassinatos no campo, prisão de assassinos e mandantes, fim da violência contra a juventude negra e pobre da periferia dos grandes centros urbanos); contra toda forma de discriminação e opressão (negros, gays, mulheres, jovens).

 

As lutas em andamento por cada uma dessas reivindicações devem ser unificadas em um fórum de luta comum, que discuta uma alternativa política operária independente frente à crise nacional. Uma esquerda classista digna desse nome só pode existir para impulsionar esse caminho.

 

Osvaldo Coggiola, historiador e economista, é professor do departamento de História da USP.

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