Correio da Cidadania

2013: esperanças de mudança

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No discurso da vitória, Obama prometeu que o melhor ainda estaria por vir. Para os otimistas de plantão, esta frase sugeria que ele pretendia cumprir as promessas de mudança, esquecidas no primeiro mandato.

 

Aparentemente, haveria melhores condições agora. No segundo mandato, os presidentes não têm mais de se curvar a imposições de forças do “establishment”, já que, não podendo se recandidatar, não dependem do apoio financeiro, político e eleitoral dessas forças.

 

Além disso, nas bancadas das duas casas do Congresso, republicanos e democratas de direita perderam força, com a ascensão de figuras mais moderadas no Grand Old Party e de liberais e esquerdistas no partido do governo.

 

Soma-se a queda do Tea Party, caindo de 60 para 49 eleitos, e da ala “branca” do Partido Democrata, que se reduziu a 12 membros da Câmera dos Representantes, perdendo líderes do “Israel First” no Senado, como Joe Lieberman e Ben Nelson.

 

No entanto, a maioria dos analistas duvidava que Obama tivesse força ou coragem para mudar substancialmente setores como a política internacional.

 

Mas as esperanças positivas cresceram com a quase certa indicação do ex-senador Chuck Hagel para substituir Leon Panetta na Secretaria de Defesa. Seria uma mudança de 180 graus.

 

Apesar de republicano, Chuck Hagel tem posições que raros democratas igualam. Ele condenou a guerra do Iraque, pedindo seu encerramento.

 

Nas questões com o Irã, ele sempre combateu não só o bombardeio das instalações nucleares, como as próprias sanções, básicas nas políticas de Obama.

 

Coerente com sua pregação, votou sempre contra todas as sanções ao Irã discutidas no Congresso.

 

Em vários discursos, defendeu acordos diplomáticos com Estados considerados párias ou simplesmente hostis aos EUA, focando na diplomacia em vez de ações punitivas de qualquer ordem.

 

Por isso mesmo, os “falcões” de Washington vêm fazendo campanha contra sua indicação, taxando-o de “isolacionista” ou “não-intervencionista”.

 

É também alvo dos ataques da AIPAC, o mais poderoso lobby pró-Israel, que, desde seu período como senador, o acusa de “antissemitismo”.

 

De fato, Hagel, agora mais do que nunca, aparece como uma pedra no sapato da política estadunidense de incondicional apoio aos israelenses.

 

Sua trajetória política é marcada por posições nada agradáveis a Israel. Ele defendeu negociações diretas com o Hamas – renegadas por Tel-aviv e Washington – como representante legítimo do povo palestino (ganhou as eleições em Gaza).

 

Opôs-se à classificação do Hizbollah como terrorista, já que se trata de um movimento de resistência, apoiado por grande parte dos libaneses.

 

Numa reunião com um grupo pró-Israel, pressionando pelo ataque ao Irã, Hagel declarou: “eu sou um senador dos EUA, não de Israel”.

 

Deixou claro que apoiava Israel, mas só quando sua posição fosse justa e favorável à paz, buscada pelos EUA.

 

É claro que, para a maioria dos senadores republicanos, Hagel não é a escolha dos seus sonhos. Mas, por “esprit de corps”, vão apoiar sua nomeação à Secretário da Defesa.

 

Além de Hagel, Obama tem ainda outra carta mudancista a usar: a nomeação de John Kerry para substituir Hillary Clinton na Secretaria de Estado.

 

Tendo sido o concorrente de Bush na sua primeira eleição, Kerry também assumiu posições contra a invasão e ocupação do Iraque.

 

Declarou que o Irã tinha direito ao ciclo total da produção nuclear para fins pacíficos, posição repelida furiosamente por Netanyahu, o qual acabou ganhando o apoio de Obama e da comunidade europeia.

 

Fora isso, defendeu sempre a política externa de Obama; embora não sendo tão definida e firme quanto Hagel, não deixa de ser mais alentador do que Hillary Clinton, entusiasta aliada de Tel-aviv e inimiga ferrenha de Teerã.

 

Com Hagel e Kerry, Obama parece indicar que pretende mesmo mudar. Continuar apoiando Israel, sim, mas não incondicionalmente. Chegando mesmo a concordar com sanções da ONU contra Israel, nos casos de reincidência na violação dos direitos dos palestinos e das leis internacionais.

 

E também aceitar o corte gradual das sanções, enquanto o Irã interrompe sua produção de urânio enriquecido a 20% e vai trocando seus estoques com o exterior por volumes de acordo com suas necessidades pacíficas.

 

Além de acabar com os voos dos drones sobre o Paquistão, Iêmen e Somália, usados para eliminar nomes de suspeitos de terrorismo, constantes da “kill list” da CIA.

 

Este cenário róseo sofre contestações ponderáveis. A nomeação de Hagel seria para conquistar votos republicanos aos planos de Obama de saída do inferno fiscal.

 

Entronizado na Secretaria da Defesa, Hagel, apesar de alguns resmungos, acabaria se conformando com escassas mudanças.

 

Inimigo jurado das aventuras militares no exterior, no máximo atuaria como freio limitador de excessos e obstáculo a novos empreendimentos similares.

 

E Kerry talvez nem resmungasse, pois é um velho político que pretende continuar na crista da onda por muito tempo.

 

O máximo que se poderia esperar dele seria menos entusiasmo na defesa de Israel e mais moderação nos ataques ao Irã e outros regimes mal comportados.

 

No duro mesmo, Obama pretenderia focar seu interesse ainda mais no Extremo Oriente, para deter a expansão chinesa.

 

Impedir que a China tome conta do seu quintal, quer política, quer economicamente. Para isso, a tática, já esboçada, será basicamente militar, instalando bases americanas nos países da região e fortalecendo as já existentes.

 

Em segundo plano, Obama oferecerá ajuda econômica comedida, pois os EUA não estão em condições de serem generosos, correspondida por condições vantajosas para o capital estadunidense investir.

 

Seria unir o útil ao agradável. A China deverá responder da maneira clássica: reforçando suas forças armadas, para mostrar que não irá ficar de braços cruzados, vendo os EUA avançarem na sua zona de influência.

 

Poderá também recorrer a ajudas econômicas. E nisso podem dar muito mais do que os EUA. É claro que o panorama da política internacional em 2013 não se centrará num duelo EUA x China, com o resto do mundo assistindo.

 

É preciso levar conta a atuação de outras forças, como a Europa, os países islâmicos e a Rússia. Combalida pela crise, a Europa tem seguido fielmente seus líderes estadunidenses na maioria das questões internacionais.

 

No entanto, haverá eleições em dois países importantes do continente: Itália, em abril, e Alemanha, em outubro, que poderão causar modificações.

 

Berlusconi deverá tentar recuperar a liderança política do país, mas suas chances, por enquanto, aparecem pequenas. Seu partido está 20% atrás do bloco de centro-esquerda, segundo as pesquisas.

 

A plataforma centro-esquerdista baseia-se num apelo fortemente sedutor: nosso governo já fez todos os sacrifícios necessários, 2013 será o ano da recuperação do emprego e dos programas de bem-estar social.

 

Uma vitória eleitoral lhes dará força para adotar uma posição independente diante de Israel, agradando aos árabes com quem sua grande empresa estatal de petróleo tem agora relações importantes.

 

Na Alemanha, Angela Merkel provavelmente vencerá as eleições de outubro, mas não é certo. Admite-se que o bloco da oposição, formado por socialistas, verdes e talvez liberais, possa somar mais votos e assim fazer o novo primeiro-ministro.

 

Se eleita, Merkel deve tomar posições mais firmes e independentes, num país que hoje lidera a recuperação da Europa e não depende dos EUA.

 

Embora continue aliada de Israel, ela já deixou de ser por sempre a seu favor. Cansou-se da falta de colaboração de Netanyahu para o processo de paz. Ela deve ter lido a última pesquisa que mostrava o povo alemão livre de complexo de culpa pelas atrocidades do nazismo para com os judeus.

 

Coerente com as posições desta pesquisa, Merkel se recusou a votar contra o ingresso da Palestina na ONU como Estado observador não-membro, escandalizando Israel.

 

Com a proximidade das eleições, ela deve ser estimulada a levar a Alemanha a posições cada vez mais independentes dos interesses israelenses.

 

Quanto aos países islâmicos, a Primavera Árabe favoreceu inicialmente sua união numa luta antiimperialista pela independência da Palestina e o respeito ao direito do Irã a um programa nuclear pacífico.

 

Esboçava-se uma aliança do Irã, Egito e Turquia para defender esses e outros interesses dos países da região.

 

No entanto, dois fatos sabotaram esse objetivo. No Egito, a voracidade da Irmandade Muçulmana ao conduzir o processo constitucional e o exagerado purismo da oposição, que exigia uma democracia ideal antes de ela existir, estão conduzindo o país a uma crise.

 

A nova Constituição será aprovada no referendo, mas as maciças manifestações de rua promovidas pela oposição vão continuar.

 

O grande perigo é que essa radicalização favoreça a volta dos militares ao controle do país, o que manteria o bloqueio de Gaza e a rivalidade com o Irã.

 

A revolta da Síria já operou uma profunda brecha na frente islâmica, tendo o Egito, a Turquia e o Hamas formado com os rebeldes, além dos EUA, a Europa e os países do Golfo, enquanto o Irã e o Hizbollah ficaram com Assad, ao lado da Rússia e China.

 

Em 2013, a vitória deverá acabar pendendo para os rebeldes. Com isso, o Irã e o Hizbollah serão muito prejudicados.

 

Mas as vantagens para o outro lado são incertas. As perspectivas de uma nova guerra civil, desta vez entre islâmicos e secularistas, parecem bastante reais.

 

Se não acontecer, o governo será muito fragmentado entre os dois grupos. E o Ocidente receberá pouca coisa em troca do importante apoio político e militar que deu à revolução.

 

Israel continuará sendo considerado inimigo da Síria, que, de outro lado, não terá meios para fazer qualquer coisa pela independência da Palestina.

 

O Egito, com Morsi fragilizado pela oposição, ou com a volta dos militares ao poder, não poderá ser a potência forte, capaz de intervir até decisivamente na defesa dos interesses dos países da região.

 

O desbloqueio de Gaza ficará mais difícil de ser concretizado. Com Hagel, na Secretaria da Defesa, e Kerry, na Secretaria de Estado, o Cairo terá mais chance de firmar uma aliança com os EUA.

 

Os papéis interpretados pela Rússia e pela China no Oriente Médio serão os de defensores das leis internacionais, quando violadas por Israel e seus protetores, EUA e Europa. Pelo menos, é o que tem acontecido.

 

O que pode mudar são os EUA e a Europa, muito em decorrência das eventuais mudanças dos primeiros.

 

As nomeações de Hagel e Kerry, se de fato forem feitas, sinalizarão uma substituição da estratégia da força pela diplomática.

 

De qualquer maneira, a Europa não deve ser um parceiro tão submisso como foi até agora. Na votação da Palestina, a França posicionou-se a favor, contrariando os apelos de Obama.

 

O Reino Unido não a seguiu, mas recebeu profundas críticas, não só de toda a oposição trabalhista, como também dos aliados liberais e de boa parte dos próprios conservadores.

 

Em toda a Europa, só a República Tcheca fechou com Israel. E as reações de Netanyahu, retendo os impostos que cabem aos palestinos, autorizando a construção de 3.000 novos assentamentos e, logo a seguir, de mais 1.500, atos ilegais condenados pela OLNU, só agravaram as restrições a Israel.

 

A próxima discussão desse assunto no Conselho de Segurança da ONU deverá levar a nova condenação de Israel, por todos os países-membros, à exceção dos EUA.

 

Caso, desta vez, se concretize a paz entre Hamas e Fatah, a causa da independência da Palestina ficará mais forte, com ou sem o nihil obstat americano.

 

As entradas de Kerry e de Hagel (especialmente) no governo poderão representar as mudanças tão prometidas e esperadas na política internacional dos EUA. Que influenciará positivamente o progresso na solução dos grandes assuntos do Oriente Médio.

 

Por enquanto, uma esperança que, no cenário sombrio do Oriente Médio, já quer dizer muito.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: http://www.olharomundo.com.br

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