Correio da Cidadania

Para meditar no Advento

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Recebi, há dias, o texto: “As noites dos trabalhadores rurais escravizados. A estrela na noite da solidão”, escrito em Xinguara (PA), no dia 20 de outubro deste ano, por Frei Henri Burin des Roziers, dominicano, missionário, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e advogado dos trabalhadores rurais do Pará. Frei Henri é um homem de muita fé, defensor corajoso e intransigente dos injustiçados, e, por isso, como Jesus de Nazaré, marcado para morrer. Obrigado, Frei Henri, pelo seu testemunho de vida.

 

Frei Henri sugere que este texto seja meditado durante o Advento, em preparação ao Natal. Nada de mais apropriado para essa finalidade. Trata-se de um texto que comove, mexe profundamente com as nossas entranhas e fortalece-nos como seguidores/as de Jesus de Nazaré, o “sem-teto” de Belém. “Não havia lugar para eles dentro da casa” (Lc 2,7).

 

O texto é uma história de vida. Inicia apresentando uma situação concreta dos trabalhadores rurais. “Sentados em frente às suas casas, eles estavam sem trabalho na sua pequena cidade pobre do Piauí e suas crianças passavam fome. Passou uma caminhonete com alto-falante convidando o pessoal para trabalhar numa fazenda do estado do Pará. O ‘gato’ do fazendeiro prometia bons salários, comida, alojamentos. Iludidos, sem alternativa, embarcaram no caminhão. Foram dois dias de viagem cansativos, no calor, na poeira, quase sem comer”.

 

Infelizmente - como costuma acontecer - a promessa não foi cumprida. Os trabalhadores foram enganados. “Agora - relata a história - eles estão lá, junto com muitos trabalhadores migrantes, de todas as regiões do Brasil, procurando trabalho, perdidos na mata, debaixo da lona, sem receber salários, sem dinheiro, bebendo água suja do córrego onde pisa o gado, comendo carne de vaca doente, trabalhando o dia inteiro, do amanhecer ao anoitecer, no calor, derrubando árvores, roçando juquirá vigiados por homens armados”.

 

Conta, ainda, a triste e comovente história. “Há três meses que sobrevivem na escravidão. Nesta noite, deitados e cansados nas suas redes, eles olham, mais uma vez, através dos buracos da lona, o céu estrelado. Onde está sua estrela? Pois cada um tem uma estrela! Onde está a estrela do menino, seu companheiro de 17 anos que, sendo menos vigiado, conseguiu fugir para tentar alertar as autoridades? Saiu de noite com o dinheirinho e o frito que conseguiram arrumar para ele. Onde está? Será que está vivo? Conseguiu escapar dos pistoleiros que foram atrás dele no dia seguinte?”.

 

A história, que a todos/as nos questiona e nos faz refletir, continua relatando: “A noite se afastou, apareceu a aurora, amanheceu, o sol se levantou. Já no serviço, dentro da mata, desmatando, ouviram um ruído de motores. De repente apareceram, no fundo do trilho, três caminhonetes 4x4, solavancando. Chegaram. Policiais Federais pularam fora, armas em punho. Saíram também vários fiscais do Ministério do Trabalho, Procurador da República, Delegado da Polícia Federal. Estavam livres!”.

 

Que alegria, que festa! Foi o Menino Jesus que os libertou, por meio do menino Sebastião. “No banco traseiro da caminhonete, encapuzado, escondido, um rapaz, com medo. Era o menino Sebastião! Era ele que tinha alertado as autoridades e mostrado o caminho desconhecido, tão difícil para chegar até aqui!”.

 

Meditemos a outra parte da história: “Sebastião tinha caminhado a noite inteira na mata, no meio dos ruídos da floresta, com medo das cobras, das onças, dos jacarés, bebendo a água dos córregos, se orientando com essa estrela do Cruzeiro do Sul, como lhe tinham ensinado seus companheiros mais velhos. Seguindo sempre ela, não se perderia e cruzaria, com certeza, cedo ou tarde, uma estrada”.

 

A história pergunta: “Não foi uma estrela que levou os Reis Magos, de noite, até a manjedoura do Menino Jesus? O jovem Sebastião seguia também sua estrela com confiança. Às vezes, perdia-a na escuridão total da mata fechada, mas a encontrava de novo logo em uma clareira, todo alegre! Andou muito, muito. Tropeçava, vacilava, caía. Ficava um pouco deitado nas folhas do chão. Olhava para o céu. Se sentia tão pequeno na imensidão dessas miríades de estrelas do firmamento, tão perdido nessa mata sem fim, tão frágil”.

 

Pergunta, ainda, a história: “Mas o Menino Jesus não era uma coisinha muito pequenininha, muito frágil nessa noite de Natal, na manjedoura? Não é na fraqueza do ser humano, da nossa vida, que a força do Amor de Deus se manifesta?

 

A história continua relatando: “Sebastião comia um pouco do frito dos companheiros, os quais esperavam tanto dele. Retomava força. Buscava sua estrela no firmamento, levantava-se e caminhava de novo”.

 

E finalmente: “Amanheceu, o sol apareceu. Chegou a uma estrada de chão. Para onde ir? Para a esquerda, para a direita? Esperou, esperou! Chegou um velho caminhão. Parou, entrou na cabina perto do motorista. Andaram e, depois de um bom tempo de silêncio, o motorista parou, olhou para o menino e perguntou: ‘Você está fugindo de uma fazenda’? Tremendo de medo, respondeu: ‘Sim’. Então - disse o motorista -, vai atrás na carroceria e se esconde debaixo da lona e da mercadoria, bem escondido, porque na ida, um pouco mais pra frente, tinha um grupo de homens armados que paravam e vistoriavam os veículos. Sebastião se escondeu e o caminhão partiu”.

 

Relata, ainda, a história: “Alguns quilômetros depois, homens armados pararam o caminhão, olharam na cabina, falaram com o motorista e o deixaram ir embora. Mais tarde, o motorista chamou Sebastião para a cabina. Andaram a tarde inteira e chegaram à noite em uma cidade, Tucumã. O motorista deixou Sebastião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Lá, comunicaram-se com a CPT, que articulou com as autoridades a libertação dos 150 trabalhadores, escravizados na mata”.

 

A história conclui, dizendo: “Já era de noite, a estrela que tinha guiado Sebastião brilhava no céu. Era a mesma estrela que aquela que tinha levado os Reis Magos até o presépio do Menino Jesus, Aquele que veio para libertar os oprimidos e anunciar o Reino do Amor, da Justiça, da Solidariedade e da Paz”.

 

Depois de tanta angústia e de tanto sofrimento, o Natal aconteceu na vida do menino Sebastião e dos trabalhadores rurais escravizados. Que o Advento, tempo de espera alegre da vinda do Menino Jesus, leve-nos a uma profunda conversão, para que o Natal 2012 aconteça na nossa vida e na vida de tantos irmãos/ãs escravizados/as no Brasil, na América Latina e no mundo de hoje.

 

Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP).  E-mail: psassatelli(@)uol.com.br

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