Correio da Cidadania

‘O melhor está para vir’. Ou não?

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No discurso da vitória, Obama trocou o assertivo “Yes, we can” de 2008 pela promessa de que os melhores tempos virão no seu segundo mandato.

 

Quem ficou frustrado com as promessas desfeitas no primeiro governo Obama deveria acreditar agora?

 

Quanto aos rumos da política internacional americana, as previsões são incertas.

 

Para muitos analistas, nada indica que Obama faça nos próximos anos o que não fez nos anteriores.

 

Os grupos que o teriam impedido de realizar as mudanças anunciadas durante a campanha de 2008 continuam fortes.

 

Os republicanos mantêm o domínio da Câmara dos Representantes; os lobbies judaicos, financeiros e militares não perderam poder; a imprensa conservadora, os cristãos fundamentalistas e os pastores de rádio/TV prosseguem gritando alto.

 

Se as condições aparentemente não mudaram, por que Obama iria mudar de atitude no Oriente Médio, tornar-se conciliador com o Irã, justo com os  árabes, e enérgico com Israel?

 

Talvez porque as condições não serão mais exatamente iguais às que vigoraram até o presente.

 

Como legalmente não poderá mais se candidatar à presidência, Obama ficará livre das injunções eleitorais a que acabou por se submeter.

 

Não precisará assumir uma série de posturas com medo de perder votos, apoios e financiamentos.

 

Sua política em relação à Palestina poderá ser ditada pelos interesses dos EUA, que precisam portar-se como árbitros imparciais nessa questão para recuperar sua imagem junto aos países árabes. Hoje, na lama devido à política de apoiar Israel incondicionalmente.

 

Poderá rasgar sua lista de suspeitos a serem assassinados via drones no Paquistão, Iemen e Somália, que matam mais civis inocentes do que terroristas. Não precisará mais dessa desumana kill list para provar aos eleitores que, apesar de democrata, sabe também ser agressivo.

 

Não precisará mais nem de sanções, nem de ameaças para lidar com o Irã nuclear e buscar um acordo justo, o que deixaria Netanyahu louco da vida.

 

Mas, e daí? Quem precisa mais de quem?

 

Há outras condições que favorecem uma atitude política de independência.

 

No Congresso, embora tenha se mantido a correlação de forças entre democratas e republicanos, houve uma mudança significativa.

 

Na Câmara dos Representantes, foi eleito um grande número de deputados progressistas, enquanto a outrora poderosa ala moderada “branca’ de sulistas, refratários a mudanças radicais, elegeu apenas cerca de 12 membros.

 

Com isso, a bancada democrata é talvez a mais tendente a apoiar posições liberais e avançadas de todos os tempos.

 

Já no Partido Republicano, os setores mais à direita perderam força. O Tea Party caiu de 60 para 49 deputados.

 

No Senado, algo semelhante aconteceu na bancada democrata com a queda de importantes líderes conservadores, defensores do “Israel first”, como Joe Lieberman e Ben Nelson.

 

Enquanto isso, elegiam-se estrelas da esquerda democrata, como os liberais Elizabeth Warren, que ainda dará muito que falar, Sherrod Brown e Tammy Baldwin.

 

Esse crescimento da ala progressista a tornará muito influente no governo Obama, o que não aconteceu no primeiro mandato.

 

Em 2008/2009, Obama tinha maioria, mas, com os progressistas sub-representados no Congresso, democratas de direita e moderados davam o tom, somando seus votos aos dos republicanos em muitas questões, especialmente em política internacional.

 

Não quer dizer que o Partido Republicano, majoritário na Câmara dos Representantes, não continuará bloqueando ao máximo os projetos do governo.

 

Ora, para não ficar na História como uma administração medíocre, no máximo regular, Obama precisa realizar algo de realmente marcante.

 

Isso será difícil de conseguir no plano interno, devido à oposição dos parlamentares republicanos, que certamente será sem tréguas.

 

Sua grande chance está na área internacional, onde a presidência dispõe constitucionalmente de poderes bem mais amplos.

 

Uma mudança na política americana no Oriente Médio contaria com o apoio da maioria da população.

 

Segundo pesquisa Gallup, 51% é favorável à “solução dos 2 estados”, com independência da Palestina.

 

Na CBS, 42% defendem o reconhecimento do estado palestino pela ONU (contra 34%).

 

Essa tendência é mais forte no Partido Democrata. Foi muito significativa a rejeição da tese de “toda Jerusalém para Israel” pela maioria dos participantes da convenção que lançou Obama.

 

Mesmo quanto ao Irã, demonizado pela imprensa americana, a posição do povo favorece uma postura conciliadora do presidente. De acordo com as  pesquisas, 67% apoiam um acordo de paz, 70% opõem-se ao bombardeio das instalações nucleares do Irã e, para 59%, se Israel atacar, que os EUA fiquem fora.

 

Mesmo em Israel, onde a população preferia Romney numa proporção de 3 por 1, eventuais atitudes de protesto de Netanyahu não teriam apoios gerais.

 

As pesquisas mostram que, para o povo israelense, a amizade dos EUA é essencial. Inclusive pelos 3 bilhões de dólares de ajuda recebidos anualmente da Casa Branca. Não vão querer brigar com Obama.

 

Já se nota na opinião pública americana uma crescente reação contra o apoio indiscriminado dos EUA a Israel.

 

Na semana passada, 15 líderes de confissões religiosas cristãs enviaram uma carta ao Congresso, exigindo que os EUA tratem os israelenses como os outros países: de acordo com as leis internacionais e as leis americanas.

 

Como os direitos humanos são protegidos mundialmente e a lei dos EUA proíbe ajuda a países que os violem, os religiosos querem que os EUA investiguem as ações de Israel nessa área.

 

Como se sabe, são muitos os relatórios da ONU condenando o governo e o exército israelense pelas repetidas violações dos direitos humanos dos palestinos na Margem Oeste.

 

Diversas organizações judaico-americanas, como a Jewish Voice for Peace, apoiaram a carta dos líderes cristãos, pedindo também que cesse a defesa pelos EUA das causas israelenses injustas.

 

Mas a existência de novas e melhores condições para uma mudança na política externa americana, particularmente no Oriente Médio, não significa que isso deverá acontecer.

 

É preciso também que exista vontade política por parte de Obama e coragem para enfrentar a barragem de ataques do establishment.

 

Há indícios de que o presidente tenha intenções progressistas e equânimes, como demonstrou no famoso discurso do Cairo, em 2008, quando pregou uma nova política de amizade dos EUA com os povos árabes.

 

Os esforços feitos nesse ano para forçar Netanyahu a interromper os assentamentos e a proposta, em 2011, de negociações para a criação de um Estado palestino nos limites de 1967, também são sinais reveladores.

 

No entanto, apesar de tudo o que foi dito, Obama poderá continuar sempre ao lado de Israel, aceitando que a política externa dos EUA no Oriente Médio seja feita em conjunto com Telaviv.

 

No máximo, moderando os ardores guerreiros de Netanyahu e seu cercle intime.

 

Será, talvez, mais cômodo e menos arriscado.

 

Embora aos defensores desse status quo faltem agora as razões eleitorais e um Partido Democrata mais solidário, as vozes dos republicanos no Congresso, dos lobbies judaico-americanos, do Pentágono, dos fundamentalistas cristãos, da imprensa de direita e da indústria militar podem soar bem alto.

 

A ponto de calar a consciência do presidente.

 

Luiz Eça é jornalista.

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