Correio da Cidadania

Eleições, bloco hegemônico e crise econômica

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As eleições municipais desse ano permitem as mais variadas avaliações, de acordo com os interesses de quem as analisa. Isto se deve ao que vários analistas apontaram como a “fragmentação” dos resultados obtidos, conforme as vitórias alcançadas pelos diferentes partidos. Não se pode afirmar, de fato, pela ótica estrita desses resultados, a hegemonia ou vitória consagradora de nenhuma das siglas partidárias.

 

Levando-se em conta o número de municípios governados por cada legenda, o PMDB continua se mantendo como o principal partido, com mais de mil prefeituras sob o seu comando. Contudo, em termos de capitais, esse partido ficou apenas com as vitórias no Rio de Janeiro e em Boa Vista, Roraima. O PSDB, por sua vez, se mantém como o segundo partido em número de prefeituras, mas cada vez mais acossado pelo PT, terceiro partido com maior número de cidades sob o seu governo. E, em termos de capitais, os tucanos acabaram vitoriosos apenas nas regiões Norte e Nordeste, com os resultados positivos de Manaus, Belém, Teresina e João Pessoa, mas com a relevante derrota sofrida na cidade de São Paulo.

 

Ainda pelo critério do número de prefeituras conquistadas, o curioso e novato PSD, de Gilberto Kassab, ficou com o quarto lugar, seguido pelo PP, de Paulo Maluf. Se ponderarmos esses resultados pela população sob o comando desses partidos, há uma inversão de posições, com o PT à frente, seguido pelo PMDB e pelo PSDB. Por esse critério populacional, o PSB e o PDT aparecem na frente do PSD e do PP.

 

Houve resultados que chamaram atenção pelas disputas envolvidas entre aliados. O caso mais notório se relaciona com as disputas entre o PT e o PSB, em várias capitais e cidades importantes, como as ocorridas em Recife, Belo Horizonte, Fortaleza ou Campinas. Aliás, eleições que nessas cidades acabaram conferindo a vitória ao PSB, partido presidido pelo governador Eduardo Campos.

 

Essas vitórias do PSB, por exemplo, permitiram muita especulação, por parte em geral de articulistas vinculados à mídia dominante, sobre uma possível aproximação, tendo em vista as eleições presidenciais de 2014, entre os partidários de Eduardo Campos e o PSDB.

 

É evidente que em política tudo é possível, ainda mais em um quadro onde as questões mais relevantes parecem ser deixadas de lado ou condenadas ao esquecimento. Porém, levando-se em conta que o PSDB perde substância e influência, e assiste à derrocada espetacular do seu principal aliado (o DEM, apesar da vitória de ACM Neto, em Salvador), essa me parece uma hipótese muito mais afeita à vontade de analistas que se irritam com o comando do PT sobre o atual bloco hegemônico no país, no plano partidário.

 

Sim, pois se não podemos apontar um partido hegemônico no país, existe, por outro lado, uma clara hegemonia política que não podemos desconsiderar. Essa hegemonia, no universo partidário, é exercida por um bloco que denomino como neo-centrão, em referência à sua matriz, o Centrão, formado pela direita durante os trabalhos da Constituinte de 1988 para bloquear as conquistas exigidas pela cidadania. Este bloco se reciclou, se ampliou e tem hoje o PT como o seu principal articulador mor. Uma prova cabal de que em política tudo é possível, caso as fronteiras político-ideológicas sejam diluídas pela cooptação ou metamorfose dos agentes sociais.

 

Em recente artigo sobre o processo do julgamento do mensalão, Fábio Konder Comparato nos brindou com sua lúcida análise, apontando que “no Brasil, a esfera do poder sempre se apresentou dividida em dois níveis, um oficial e outro não-oficial, sendo o último encoberto pelo primeiro”. No nível oficial, aparecem os órgãos clássicos do Estado, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além dos partidos políticos e dos próprios políticos. O jurista lembra que “para a opinião pública e os observadores menos atentos, todo o poder político concentra-se aí”. E alerta: “é preciso uma boa acuidade visual para enxergar, por trás dessa fachada brilhante, um segundo nível de poder, que na realidade quase sempre suplanta o primeiro. É o grupo formado pelo grande empresariado: financeiro, industrial, comercial, de serviços e do agronegócio”.

 

Alguém poderia discordar, desse modo, que no plano da representação política partidária real há um bloco hegemônico, articulado e comandado pelo PT, e que se subordina às forças assinaladas por Comparato como integrantes desse “segundo nível de poder”?

 

São essas forças, por exemplo, que sustentam a pressão pela manutenção, por parte dos governos federais, do tripé da política econômica, em curso desde 1999, baseado no que denominam de câmbio flutuante/metas de superávit primário/metas de inflação. São essas mesmas forças, também, que no máximo apenas admitem pequenas e breves variações na ênfase com que cada um dos pilares desse tripé seja administrado. E dessa forma vamos assistindo apenas à administração de uma crise econômica que novamente já nos conduz à maldição do baixo crescimento econômico.

 

O governo atual, para enfrentar a crise, insiste em medidas que em passado recente obtiveram efeitos positivos, pelo fato de terem representado mudanças no nível de renda, emprego e crédito de uma população muito carente. Mas que somente foram possíveis, dadas as excepcionais condições do comércio internacional das commodities que exportamos. Prosseguir nesse caminho dependeria de ações estruturais mais incisivas – de inclusão, de investimentos em educação, de reversão do processo de desindustrialização/desnacionalização do parque produtivo do país, de realização de uma ampla e massiva reforma agrária, de mudança da estrutura tributária e fiscal que temos hoje.

 

Porém, a hegemonia política atual, pelo lado “oficial” e pelo seu lado mais oculto e decisivo, não permite a mudança. Por isso, ao se encerrarem as eleições, prefeitos eleitos pela situação – como é o caso de Haddad, de São Paulo –, pela oposição de direita – como é o caso de ACM Neto, de Salvador –, ou pela oposição de esquerda – como é o caso de Clécio Luis, de Macapá – já sinalizavam, cada um deles ao seu modo, a necessidade de arrancar recursos de Brasília, manter um bom relacionamento com o governo federal ou contar com apoios que facilitem negociações com o Palácio do Planalto.

 

A rigidez que a atual hegemonia impõe à condução da política econômica é o obstáculo principal às mudanças necessárias. Mas também poderá se constituir no caminho que irá apenas aprofundar a própria crise, abrindo espaços para uma nova conjuntura, mais favorável às lutas do mundo do trabalho, na busca de alternativas.

 

Paulo Passarinho é economista.

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