Correio da Cidadania

Mudanças em curso

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Duas tendências importantes, vindas à tona nos últimos meses, apontam para possíveis mudanças nas forças políticas e, portanto, na correlação de forças, que podem incidir nas disputas futuras em relação ao governo, às reformas democráticas e aos projetos de desenvolvimento econômico e social.

 

A primeira, como comentamos em textos anteriores, diz respeito à decisão de vários membros do STF de criminalizarem a política e a ação dos partidos. Seria ilusão supor que tal decisão se volta contra toda a política e contra todos os partidos. Se fosse assim, o STF teria julgado, com o mesmo rigor e o mesmo afã de deixar de lado o que se supunha serem procedimentos legais consolidados, o caso Azeredo e diversos outros que há muito se encontram nas gavetas do tribunal. O STF sinalizou, claramente, que seu alvo é o PT e alguns dos partidos que se atreveram a aliar-se a ele. As enormes penas a serem impostas aos réus se destinam somente a confirmar que há uma política estabelecida a ser rigorosamente perseguida daqui em diante.

 

A segunda são os indicadores das eleições municipais. É evidente que os resultados dessas eleições têm um forte componente local e que não se pode deduzir delas todas as relações com a situação nacional. No entanto, supor que elas não têm peso algum na conjuntura nacional seria o mesmo que tapar o sol com a peneira. Elas são uma representação muito aproximada das tendências de crescimento ou declínio das forças políticas nacionais. Nessas condições, desdenhá-las pode ter consequências danosas nas disputas estaduais e nacionais.

 

Nesse sentido, foram as forças de esquerda que demonstraram as maiores tendências de crescimento. Apesar de acossado pela propaganda diária e constante do partido da mídia sobre sua suposta relação com o julgamento do chamado mensalão, o PT continuou crescendo e aumentou sua participação à frente de prefeituras, apesar de algumas derrotas que lhe impuseram seus aliados em nível nacional. O PSB, valendo-se de sua condição de partido da base do governo, mas tendo como aliado o PSDB em inúmeros municípios, cresceu consideravelmente, o mesmo ocorrendo com o PCdoB. Mas o centro, representado principalmente pelo PMDB, mesmo aliado ao governo, teve reduzida sua participação em governos municipais.

 

Na oposição ao governo, o único partido que cresceu foi o PSOL, que se apresenta à esquerda. A oposição claramente direitista sofreu quedas consideráveis. O DEM, inapelavelmente batido no primeiro turno, conseguiu certo fôlego em Salvador, com ACM Neto, embora isso não o salve de repensar seu futuro como partido. E o PSDB, o partido que representa o oposicionismo reacionário do sistema financeiro, e que tem como meta retomar o governo federal e reimplantar a política neoliberal, teve queda generalizada. As vitórias de segundo turno, no norte do país, dificilmente compensarão sua derrota em São Paulo, cujo poder devastador talvez não seja possível avaliar a curto prazo. Por outro lado, o PSD emergiu como um partido ascendente, capaz de aglutinar descontentes das oposições de direita e do centro, e com disposição de aderir ao governo central.

 

Um cenário possível desses resultados talvez seja o esvaziamento da aliança do DEM com o PSDB, como polo de oposição externa ao governo. Por outro lado, pode haver uma clivagem mais clara na esquerda que participa no governo Dilma, constituindo-se um setor de centro-esquerda, comandada pelo PSB, enquanto a adesão do PSD pode dar maior visibilidade a um setor governista de centro-direita. Nessas condições, a constituição de um bloco de centro-esquerda, centro e centro-direita, dentro do governo Dilma e no Congresso, como oposição ao PT, não pode ser descartada.

 

Esse bloco fará todo o possível para não aparecer como polo oposicionista ao governo, mas na prática funcionará como tal. Coadjuvado pelo partido da mídia e pela criminalização judicial da política, que toma o PT como alvo principal, esse bloco pode criar obstáculos às políticas de desenvolvimento econômico e social do governo Dilma, que têm o PT como principal estimulador, além de criar crescente confusão nas grandes massas da população sobre quem é quem.

 

É evidente que isso depende de a direita PSDB-DEM se recompor ou não das derrotas sofridas, e de sua capacidade para continuar aglutinando não só a direita política, mas também e, principalmente, a direita social que vem representando. Isto é, o sistema financeiro e as grandes corporações empresariais. E também de o PT se reorganizar ou não para enfrentar essas novas tendências, revigorando o papel de sua militância, intensificando a formação política e ideológica dessa militância e de seus quadros, aprofundando suas relações com as novas camadas trabalhadoras, que alguns continuam chamando de nova classe média, tomando medidas duras para evitar possíveis atos de corrupção e empenhando-se para valer nas reformas políticas relacionadas com o financiando público das campanhas eleitorais, com a fidelidade partidária e com o papel dos partidos políticos na vida democrática do país.

 

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Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Comentários   

0 #2 RE: Mudanças em cursoMarcos 02-11-2012 19:22
Pomar continua sendo dos mais lúcidos articulistas desta página!
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0 #1 RE: Mudanças em cursoMardones 31-10-2012 11:09
"E o PSDB, o partido que representa o oposicionismo reacionário do sistema financeiro, e que tem como meta retomar o governo federal e reimplantar a política neoliberal,"

Como é reimplantar o que nunca foi extirpado do Brasil? Afinal, desde quando o neoliberalismo foi retirado da política econômica brasileira? De acordo com o autor do texto, desde a eleição do Lula.

Ainda bem que o Wladimir não é economista. Na dúvida, pode consultar o Paulo Kliass e saber que o neoliberalismo segue firme e forme no Brasil.

Política de metas inflacionárias, valorização artificial do real, superávit fiscal para pagar juros da dívida pública não auditada, exportação de comodities, financiamento de empresas multinacionais com dinheiro público e etc.

Se isso não é neoliberalismo, o que mais será?
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