Correio da Cidadania

Eldorado Parque: memória permanente da barbárie

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“Ai daquele que constrói uma cidade com sangue, e funda uma capital na injustiça!” (Hab 2,12)

 

“Novas ‘cidades’ na Grande Goiânia”. No dia 5 de fevereiro deste ano foi noticiado: “A Grande Goiânia vai receber, ainda este ano, seis grandes empreendimentos imobiliários, a maioria voltada para classe média com preços a partir de R$ 150 mil, que vão movimentar a economia com mais de R$ 3 bilhões”. A reportagem continua dizendo: “Serão mais de 20 mil novas unidades habitacionais, entre apartamentos e casas, que abrigarão cerca de 80 mil moradores. Os empreendimentos vão ocupar os vazios urbanos do Parque Oeste Industrial, Goiânia 2, antiga Fazenda Gameleira, Goiânia Golf Clube, Jardim Cerrado e também bairro Monserrat, em Aparecida de Goiânia” (O Popular, 05/02/12, p. 3).

 

Infelizmente, na “estrutura econômica atual que está exclusivamente a serviço do mercado total, apátrida, homicida de pessoas e genocida de povos” (Pedro Casaldáliga. A outra economia. Livro-Agenda Latino-americana Mundial 2013, p. 10), os critérios que norteiam esses empreendimentos (na sua aprovação pelo poder público e na sua execução pelos empresários do setor) não são certamente os do Bem Viver, do Bem Conviver e do respeito ao direito de moradia dos pobres, mas os da ganância, da especulação imobiliária e do maior lucro possível, custe o que custar. Nessa lógica capitalista neoliberal, estruturalmente iníqua, de exploração dos trabalhadores, imaginemos qual não será o lucro dos empresários do mercado imobiliário.

 

Nos empreendimentos imobiliários, não há nenhuma preocupação com os impactos negativos que eles geram na cidade – como, por exemplo, no trânsito – em função do adensamento populacional em poucas áreas. Segundo especialistas, “a expansão acelerada de condomínios residenciais em Goiânia e Aparecida de Goiânia deve sufocar ainda mais a mobilidade nas duas cidades, sobretudo por serem construídos sem um prévio estudo de impacto de trânsito”. No início de fevereiro deste ano, Miguel Tiago, então presidente da Agência Municipal de Trânsito (AMT), afirmou: “A AMT precisa ser ouvida, principalmente antes da construção de grandes empreendimentos, mas isso não está sendo feito” (O Popular, Ib.).

 

Além dessas considerações e reflexões – de caráter humano e ético – que valem para todo empreendimento imobiliário, no caso do Eldorado Parque tornam-se necessárias outras considerações e reflexões. Em primeiro lugar, afirmo: o Eldorado Parque, se for realmente concretizado, será a memória permanente da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, em fevereiro de 2005, pelo poder público estadual, com a anuência do poder público municipal e do judiciário, e com o consentimento, declarado ou silencioso, das “pessoas de bem”, que são os fariseus de hoje.

 

A barbárie da operação de despejo de quase 14 mil pessoas, em menos de duas horas, cinicamente chamada “Operação Triunfo” (depois da “Operação Inquietação”, que durou 10 dias), foi de um requinte de crueldade tal que pode ser considerada uma verdadeira operação nazista de guerra. Mesmo que os detentores do poder econômico e do poder político (covardemente submisso aos interesses do poder econômico) queiram esconder essa barbárie debaixo do tapete, ela nunca será esquecida. A área da Ocupação “Sonho Real”, no Parque Oeste Industrial, tornou-se uma “terra santa” encharcada de sangue inocente. Para reparar – ao menos parcialmente – a injustiça cometida, essa “terra santa” deveria ser declarada de utilidade pública, desapropriada por interesse social e transformada numa área verde bem cuidada, denominada Parque dos Trabalhadores, com a construção do Memorial da Luta pela Moradia, como advertência permanente a todos os gananciosos e opressores do povo.

 

Na ótica dos “coronéis urbanos” de Goiânia (os donos das grandes imobiliárias), aquela área era “subutilizada”. Que descaramento! Para esses coronéis do capitalismo neoliberal, os pobres não contam, são material descartável e devem ser encurralados nas beiradas mais distantes da cidade, para não torná-la feia. À época da “Operação Triunfo”, num documento da Agência Goiana de Habitação S/A (AGEHAB), estava escrito, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que aquela área era “imprópria” para habitação popular. Que desrespeito para com o povo!

 

Segundo a imprensa noticiou, “o empreendimento será construído pelo consórcio de empresas composto pela Brasil Brokers Tropical Imóveis, Construtora Moreira Ortence, Engel Engenharia e Dinâmica Engenharia”. Na área da Ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, serão erguidas, dizem, 50 torres de edifícios residenciais, com 17 pavimentos cada. “Os empresários – afirma a imprensa, adquiriram o terreno da antiga proprietária, a dona de casa Anália Severina Ferreira e seus três filhos, Antônio Severino de Aguiar, Dalva Severina de Aguiar e Neuza Severina de Aguiar. O valor do negócio não foi divulgado, mas a avaliação de mercado feita nas vésperas do conflito era de R$ 38 milhões” (Ib.).

 

Tenho certeza que esse dinheiro e esse empreendimento imobiliário (com lançamento previsto para outubro deste ano) serão amaldiçoados por Deus. Pergunto: alguém gostaria de morar num empreendimento imobiliário amaldiçoado por Deus? A justiça dos homens pode falhar, mas a justiça de Deus, mesmo que tarde, nunca falha. Os responsáveis, diretos ou indiretos, da barbárie do Parque Oeste Industrial, praticada há mais de sete anos e que ainda continua impune, aguardem!

 

Aos que defendem e promovem a justiça e os direitos humanos, principalmente o direito à moradia digna para todos, faço um apelo: protestem e boicotem a compra dos apartamentos do Eldorado Parque. Ninguém poderá ser feliz, sabendo que o empreendimento imobiliário é fruto de um passado iníquo.

 

“Ai daquele que constrói a sua casa sem justiça e seus aposentos sem direito” (Jr 22,13). “Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo a campo, até que não sobre mais espaços e sejam os únicos a habitarem no meio do país” (Is 5,8).

 

E ainda: “Parem de trazer ofertas inúteis. O incenso é coisa nojenta para mim. (...) Não suporto injustiça e solenidade. (...) Eu detesto suas festas. Para mim se tornaram um peso que eu não suporto mais. Quando vocês erguem para mim as mãos, eu desvio o meu olhar; ainda que multipliquem as orações, eu não escutarei. As mãos de vocês estão cheias de sangue” (Is 1,13-15). Como podemos ver, Deus toma o partido dos injustiçados, se faz solidário com eles e diz que tem nojo de atos religiosos que visam legitimar um comportamento injusto e hipócrita.

 

Jesus de Nazaré, nas maldições, retoma o ensinamento dos Profetas e denuncia: “Ai de vocês, os ricos, porque já têm a sua consolação! Ai de vocês, que agora têm fartura, porque vão passar fome! Ai de vocês, que agora riem, porque vão ficar aflitos e irão chorar! Ai de vocês, se todos os elogiam, porque era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas” (Lc 6,20-26).

 

Esses textos da Palavra de Deus – que são uma advertência aos gananciosos e opressores dos pobres – nos fortalecem e nos ajudam a continuar a luta por uma outra economia, por uma outra política, por uma outra sociedade e por um outro mundo.

 

Participe! Assine o Abaixo-assinado “Federalização já!” e, antes, leia o artigo “Sete anos do ‘Sonho Real’: até quando a impunidade?”, que serve de fundamentação ao Abaixo-assinado (http://peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2012N21783).

 

Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), é professor de Filosofia da UFG (aposentado).

 

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