Correio da Cidadania

Ingenuidade ou incompetência?

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Em seminário sobre a competitividade e os investimentos chineses na América Latina, realizado na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ocorreram pelo menos duas intervenções que mostram a polaridade existente nos meios empresariais e acadêmicos brasileiros sobre as relações com a China. Uma, a do presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, ex-embaixador Rubens Barbosa, que reiterou seu antigo argumento de que a China se transformará, nos próximos anos, no maior competidor do Brasil na América Latina. Outra, a do professor de economia da PUC-SP Antônio Corrêa de Lacerda, para quem o Brasil deveria aperfeiçoar o debate sobre a economia da China, para tirar lições de como o país chegou a obter altas taxas de crescimento por um longo período de tempo.

 

Para Barbosa, os investimentos chineses em território latino mostram o esforço da China para diversificar sua atividade econômica no exterior, tendo como foco a compra de mineradoras, empresas de petróleo e de terras, ao invés da atividade manufatureira. Segundo ele, em 2011 a China teria investido mais de US$ 50 bilhões naqueles setores econômicos, indicando que o Brasil terá um competidor de peso nos próximos 20 a 30 anos. Embora reconheça que parte da ascensão brasileira no comércio exterior, quadruplicando a sua balança comercial entre 2003 e 2010, tenha se devido às importações chinesas, Barbosa voltou a repetir o chavão de que o Brasil “foi ingênuo em relação aos chineses”, ao conceder à China o status de economia de mercado, esperando investimentos, que não teriam acontecido. O que a China estaria promovendo seria a ‘reprimarização’ da pauta brasileira de exportação.

 

O mínimo que se pode afirmar sobre os argumentos do ex-embaixador é que ele não está acompanhando, como deveria, a evolução dos investimentos chineses. Em 2010, 80% dos 12,6 bilhões de dólares investidos pelos chineses no Brasil tinham sido voltados para as áreas apontadas. No entanto, em 2011, dos 7 bilhões até agora conhecidos, 43,7% foram voltados para o setor automotivo, inclusive caminhões, e 12,5% para o setor eletroeletrônico. Ou seja, mais de 56% dos projetos anunciados em 2011 se destinaram à indústria. A maior parte por iniciativa dos próprios chineses, apesar dos obstáculos interpostos por oligopólios multinacionais instalados no Brasil.

 

Assim, talvez o que o ex-embaixador devesse se perguntar é por que os investimentos chineses na indústria brasileira não são maiores. Algo que o professor Lacerda procurou responder no mesmo seminário, ao sugerir que isso se deve, em grande medida, ao fato de a China no Brasil ser “um debate interditado”. Para ele, toda vez que se procura analisar a China e suas potencialidades, o debate descamba para as opiniões de que o que existe lá é uma ditadura, que não respeita o ambiente e nem a propriedade intelectual. Não nos concentramos em constatar que a China possui, em caixa, 3,3 trilhões de dólares, sendo na atualidade a única potência mundial que tem condições não só de formar o câmbio, em virtude das moedas serem influenciadas pelas flutuações do mercado financeiro, mas também de realizar investimentos em todo o mundo. Nem em procurar entender as políticas reais que levaram a China a sair de uma posição econômica inferior ao Brasil, em 1980, e passar à posição de segunda maior potência econômica do mundo, num espaço de apenas 30 anos.

 

Nesse sentido, Lacerda sustenta que a forma corrente de enxergar a China ofusca uma análise mais abrangente, sistêmica e metodológica das estratégias de desenvolvimento chinês. Ela não enxerga que tal desenvolvimento está concentrado na expansão do setor privado, controlado por política governamental forte e planejamento de longo prazo, nem que a China aplicou estratégias ativas de aproveitar a liquidez do mercado financeiro para atrair investimentos e fazer reserva cambial. Em outras palavras, na prática, Lacerda contrapôs à suposta ingenuidade, apontada pelo ex-embaixador Barbosa, a incompetência do empresariado, ao não ter estratégias de aproveitar a liquidez chinesa para realizar investimentos industriais no Brasil.

 

Ou seja, o Brasil não pode ficar esperando em berço esplêndido que os chineses invistam no Brasil, pelo simples fato de os havermos reconhecido como uma economia de mercado. Como afirmou Lacerda, o Brasil precisa ter uma política estrutural para construir uma indústria mais competitiva, que eleve sua participação no Produto Interno Bruto (PIB). Ao que se pode acrescentar a necessidade de ter uma estratégia ativa para buscar, na China e também em outros lugares, os investimentos necessários para realizar a construção de tal indústria. Dizendo de outro modo, deveríamos nos colocar, diante dos chineses, com a mesma política de atração de investimentos que eles utilizaram para alavancar a sua economia, incluindo transferência de novas e altas tecnologias, associação com empresas estatais e privadas brasileiras, e parcerias de atuação no mercado internacional. Talvez, para isso, o Brasil talvez tenha que aproveitar outras das lições da experiência chinesa, aumentando a interferência do Estado, de modo a superar a evidente incompetência de uma parte significativa do grande empresariado.

 

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Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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