Correio da Cidadania

Oligopolização, poluição e agricultura

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Como temos reiterado, a oligopolização da economia brasileira, acompanhada de forte desnacionalização, é uma das questões estruturais com as quais o país se defronta em seu processo de desenvolvimento industrial e agrícola. Se tomarmos como exemplo a indústria química, apesar das inúmeras fábricas fechadas durante o período neoliberal, e que tiveram seus equipamentos transferidos para países de mão de obra mais barata, o Brasil ainda possui mais de mil indústrias no setor, mas este é dominado pela Basf, DuPont e algumas outras gigantes multinacionais.

 

Numa série de ramos do setor, com a transferência de plantas industriais para outros países, o Brasil se tornou importador de produtos que antes fabricava. Isso explica, em parte, porque o déficit da balança comercial do setor cresceu de 1,3 bilhão de dólares, em 1990, para 6,5 bilhões de dólares em 1999, tendo alcançado 20,7 bilhões de dólares em 2010. Apesar de boa parte desse déficit se dever aos defensivos, adubos e fertilizantes agrícolas, cujos fornecedores estrangeiros Basf, Monsanto, Syngenta, Cargill, e alguns outros, faturaram 9,5 bilhões de dólares em 2010, a maior parte do déficit está relacionada a produtos químicos de uso industrial, farmacêutico e de cosméticos.

 

Apesar disso, o Brasil tem sido denunciado como o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, o que é extremamente preocupante, seja pela poluição dos solos, águas, flora e fauna, seja pelas doenças que causa tanto aos aplicadores quanto aos consumidores. Além disso, algumas das corporações estrangeiras que dominam o setor também parecem dominar a produção de sementes selecionadas e transgênicas. O que tem levado algumas correntes políticas a serem radicalmente contra o uso de produtos químicos e transgênicos na agricultura, e que inclusive acham correto usar formas de luta que quebrem laboratórios e destruam plantações “contaminadas”.

 

Há outros que admitem um controle e um estudo mais acurado sobre tais produtos, e suas consequências, mas consideram um erro a proibição completa de seu uso e das pesquisas correspondentes. Há ainda os que pensam resolver o problema através do uso prioritário de produtos “orgânicos”, “verdes” ou “agroecológicos”, termos que estão se tornando banalizados, inclusive por seu uso, cada vez mais constante, pelas indústrias químicas, em especial em referência aos novos produtos que estão lançando no mercado. O que tem deixado a grande massa da população brasileira embaraçada diante das informações contraditórias a respeito.

 

É evidente que o Brasil tem condições de promover um desenvolvimento que articule o agronegócio com a agricultura familiar, como base para resolver os demais problemas herdados de sistemas de produção agrícola que desertificaram solos, devastaram matas ciliares, implantaram culturas de milhões de hectares sem conservar qualquer tipo de cobertura florestal, abusaram do uso de agrotóxicos, poluíram solos e águas, e degradaram homens, ao empurrarem mais de 30 milhões de antigos lavradores para as favelas e periferias de grandes e médios centros urbanos. Afinal, temos mais de 300 milhões de hectares agricultáveis, dos quais usamos menos de 100 milhões para produzir 150 milhões de toneladas de grãos e manter uma cabeça de gado por hectare nos demais 200 milhões de hectares. Enquanto isso, a China possui apenas 130 milhões de hectares agricultáveis, mas produz acima de 500 milhões de toneladas de grãos.

 

O grave, diante desse quadro, talvez mais grave do que o uso indiscriminado de agrotóxicos, não só pelo agronegócio, mas também por unidades da agricultura familiar, é que o número, a área e a produção das unidades agrícolas familiares vêm sendo reduzidos através da expropriação contínua praticada pelas grandes empresas agrícolas capitalistas. Embora em algumas áreas do país, em especial no Norte, a expropriação de lavradores continue sendo realizada pela grilagem ilegal, no resto do país ela se realiza por compra, arrendamento e outras formas legais. Esse processo coloca em risco a segurança alimentar do país, já que são as unidades familiares as responsáveis por 80% ou mais dos alimentos fornecidos ao mercado doméstico. Também coloca em risco as políticas de redistribuição de renda e de contenção da inflação, já que a melhoria do poder de compra das camadas de baixa renda se dirige, primeiramente, para a compra de alimentos, aumentando a demanda. Nessas condições, qualquer flutuação na oferta dos alimentos pressionará preços e inflação.

 

Apesar disso, esse problema tem sido tratado de modo genérico e secundário pelos movimentos sociais e pela esquerda. Seu enfrentamento não perece ser central para resolver os demais problemas que atingem o campo brasileiro. Não há, portanto, unificação em torno da defesa e da expansão da agricultura familiar, incluindo o assentamento e incorporação à produção alimentar dos 2 a 3 milhões de camponeses sem-terra, como eixo central das lutas relacionadas com a agricultura e o campo brasileiro.

 

A agricultura familiar parece não ser uma questão estratégica para mobilizar as camadas democráticas e populares urbanas, e para fazer com que a agricultura brasileira contribua decisivamente para o desenvolvimento econômico e social do país. Em geral, parece haver uma tendência a tomar como centro das lutas referentes à agricultura e ao campo a contaminação das águas, ar e solo pelos agrotóxicos, assim como a produção de alimentos livres desses produtos químicos.

 

No entanto, os efeitos dessas lutas sobre as grandes massas das populações urbanas são reduzidos. Os movimentos sociais e a esquerda parecem ainda não se terem dado conta que, sem a participação das populações urbanas, nenhum movimento rural no Brasil de hoje terá sucesso. E tais populações urbanas só começarão a se movimentar a favor dos movimentos do campo quando compreenderem que eles são chaves para evitar a escassez dos alimentos e para reduzir seus preços.

 

Nessas condições, a luta pela defesa e expansão da agricultura familiar, incluindo o assentamento de todos os sem-terras, no sentido de aumentar a produção de alimentos e reduzir seus preços, é provavelmente aquela que pode permitir um diálogo estreito com a população urbana e uma articulação mais nítida com as lutas contra os oligopólios e contra os problemas que afetam a recuperação e proteção do meio ambiente. E que pode permitir, mais adiante, que o combate contra o capitalismo concentrador agrário evolua da teoria para a prática de luta.

 

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Oligopolização e desnacionalização


Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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