Correio da Cidadania

Estados Unidos: o caminho esquecido dos democratas

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Com quase mil delegados e com a desistência dos oponentes, à exceção de Ron Paul, Mitt Romney já se enfronhou na disputa presidencial. Embora em desvantagem, a diferença entre ele e Obama reduz-se, o que fez com que os democratas finalmente assumissem a campanha. Nos próximos dias, tentar-se-á explorar de maneira negativa a atividade econômica do adversário republicano através de seus vínculos com uma empresa de capitalismo de risco.

 

Por conta da dificuldade de recuperar a economia – vide os índices relativos ao desemprego – e de obter apoio maciço da sociedade internacional para a política exterior, o Partido Democrata deve enfatizar mais os aspectos restritivos do opositor do que os seus positivos. Na área externa, os democratas não registraram nenhum êxito importante aos olhos da população, a não ser a eliminação no ano passado no Paquistão de Osama Bin Laden, arquiteto do atentado terrorista de 11 de setembro.

 

Recorde-se que, ao assumir a presidência em janeiro de 2009, Barack Obama indicou três prioridades na política externa: o fechamento do presídio militar na base naval de Guantánamo, situada em território cubano, o estabelecimento de uma paz duradoura entre palestinos e israelenses e a consecução da estabilidade no Afeganistão e no Paquistão.

 

Destarte, o novo presidente manifestava-se a favor da negociação e reconhecia de modo tácito a insubsistência do emprego constante da força militar. A fim de caracterizar a alteração simbólica de posicionamento, ele foi ao Pentágono encontrar-se com o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dias depois de ter visitado o Departamento de Estado.

 

Nesse sentido, ele não se contentou com o aparato diplomático costumeiro e designou dois representantes plenipotenciários para duas regiões instáveis: George Mitchell, ex-senador do Maine (1980-1995), para o Oriente Médio, e Richard Holbrooke, ex-embaixador junto à Organização das Nações Unidas (1999-2001), para a Ásia meridional.

 

Ambos eram considerados negociadores experientes, pacientes e equilibrados na diplomacia norte-americana por causa principalmente de dois eventos nos anos 90 na Europa: Mitchell com a Irlanda do Norte e Holbrooke com a Bósnia. Com a escolha dos enviados especiais, prática comum no serviço diplomático de lá, Obama apontou de certa forma insatisfação com a condução levada a cabo pelo Departamento de Estado nas duas áreas.

 

Com vistas a dirimir as dúvidas acerca da atuação militar dos Estados Unidos no Oriente Médio e adjacências, Obama concedeu sua primeira entrevista oficial a uma emissora dos Emirados Árabes, com o objetivo de cativar maior atenção da população muçulmana. Nela, comunicou que o plenipotenciário Mitchell visitaria cinco países da região, além da Cisjordânia.

 

O apoio a Obama veio até de governos tradicionalmente céticos à Casa Branca: logo após a veiculação dos nomes dos representantes diplomáticos, o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, anunciou que autorizaria o trânsito de suprimentos norte-americanos em solo russo se o destino final fosse o Afeganistão.

 

No tocante à base de Guantánamo, Obama determinou, via decreto, o encerramento da prisão até janeiro de 2010. Seria o tempo necessário para debater o destino de quase 250 encarcerados, dos quais ¼ já teria o direito de soltura. Contudo, a Casa Branca, ao longo da gestão de George Bush, não quis destiná-los a seus países natais, a algum da Europa ou aos próprios Estados Unidos, de maneira que aquele centro de detenção se lhes tornaria um limbo.

 

Com o fim daquele cárcere, os detidos teriam de ser julgados em território americano, mas os republicanos não queriam a transferência de prisioneiros para o continente. Ademais, havia dúvida a respeito de sob qual jurisdição responderiam eles: civil ou militar.

 

A uns, seria imperativo estabelecer um tribunal ad hoc, como logo depois da Segunda Guerra Mundial, por causa dos desdobramentos do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 na política internacional. Todavia, a sociedade internacional dificilmente apoiaria a medida, por causa do modo por que o processo se desdobrou – prisões secretas, alianças reservadas com ditaduras para interrogar os detidos, suspeitas de tortura, como o afogamento, negação de status de prisioneiro de guerra aos cativos, entre outros pontos.

 

Quase três anos e meio mais tarde, a avaliação não é de modo algum satisfatória, haja vista a continuidade dos três problemas. Não obstante o prestígio político de Hillary Clinton, o orçamento do Departamento de Estado é ainda quase vinte vezes menor do que o de Defesa – o custo com a compra e com a manutenção de um avião não tripulado poderia permitir a contratação de dezenas de funcionários de alto nível, por exemplo.

 

Portanto, a idéia de aplicar o chamado poder arguto (smart power), ou seja, a combinação legitimada e simultânea de meios diplomáticos, econômicos e militares, não prosperou. Diante da falha dos democratas, o preocupante seria a recuperação pelos republicanos da proposta de utilizar em primeiro plano a força sem meias medidas.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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