Correio da Cidadania

Juros baixos? Um país de classes médias?

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Os bancos começaram a baixar os juros, seguindo, ao mesmo tempo, a tendência do Banco Central de baixa da Selic. Vemos propagandas de baixas “impressionantes” de até 60% no limite do cheque especial. Nisto, há uma política coordenada e eficiente do governo de intervir no mercado, como empresa oligopólica, criando uma guerra de preços. Algumas dúvidas se evidenciam. Qual vai ser seu efeito sobre a economia?

 

Qual é o impacto real desta política para distribuição de poder entre bancos e povo brasileiro?

 

Queremos discutir distribuição de poder no sentido amplo do termo. Pois não basta aumentar o poder de consumir televisão, máquina de lavar roupa, entre outras coisas, e ainda ter de enfrentar saúde ruim e não ter boa escola para seus filhos. Poder de consumo pode não estar relacionado com poder sobre o controle do tempo, sobre acesso a direitos, entre outras coisas. O poder real tem a ver com controle. Mas isto é um debate complexo, que não será resolvido nestas linhas. Porém, podemos discutir a natureza desta política e algumas de suas conseqüências em relação à distribuição de poder.

 

Ela exemplifica a essência do neodesenvolvimentismo (ou podemos dizer do desenvolvimentismo neoliberal?). Pois, de fato o governo teve uma influência direta no mercado, uma intervenção no sentido forte da política econômica. Não foi apenas criar agências regulatórias que não regulam nada, ou mesmo propor uma política externa de fixação de juros.

 

Há duas linhas claras nesta política:

 

1) O Estado baixou a taxa de juros da Selic, isto é, o preço dos títulos públicos que remuneram seus detentores (maioria de grandes investidores internacionais e nacionais, aqueles da dívida externa, lembram-se?) e compõem a dívida interna. Este preço regula o que os bancos pagam pelo dinheiro que captam para poder emprestar. O banco lucra, comprando dinheiro barato para vender caro.


2) O Estado, por meio de seus bancos públicos, interveio no mercado, funcionando como um jogador de linha de frente. Eles baixaram os juros e levaram os outros bancos a correrem atrás de si, criando uma competição por clientes. Aqui, há outro processo que foi freado, pois o Estado poderia ter baixado os juros da Selic, mas deixando altos os juros ao consumidor. O preço do insumo do banco diminuiria, por estar regulado pelo Estado, porém, o que os bancos cobram de seus devedores, com a venda de produtos (cheque especial, CDC, financiamento, crédito consignado) aumentaria. Assim explicam-se os eternos lucros altos do setor financeiro: os bancos pagam pouco como devedores e cobram muito como credores. No entanto, a realidade agora é: uma queda geral de juros, numa política de mercado bem acertada, feita pelo Estado.

 

A euforia dos mercados prevê um aumento absurdo de crédito e que as pessoas vão ter mais dinheiro, pagarão menos pelo seu preço e consumirão mais. Mercado aquecido significa geração de emprego e renda. Portanto, é uma política de distribuição de renda, por conseqüência, de distribuição de poder. Pessoas com maior renda são mais ricas e, portanto, mais poderosas, um truísmo da economia.

 

Uma classe trabalhadora como classe média! Um país de classe média como a Dilma quer! Assim bradam os entusiastas do governo. Porém, as coisas não são tão simples. Comecemos:

 

1) para acessar este crédito mais barato, muitos bancos estão exigindo que a pessoa contrate também cartão de crédito do banco, entre outros serviços;

 

2) os juros que mais baixaram foram o do crédito consignado, de total segurança para os bancos e insegurança para os devedores;

 

3) os bancos analisam o “perfil do consumidor” e criam diferentes taxas, algumas baixas, outras ainda altas.

 

Aqui os bancos inovam, pois empolgam uma publicidade de oferta de crédito, criando uma demanda que pode ser perigosa, pois os juros para determinada pessoa podem não ser tão baratos. Bem como forçam um aumento de endividamento com a oferta de produtos, como o cartão de crédito. Além do mais, o custo deste dinheiro não está apenas condicionado aos juros, pois há diversas taxas e impostos, como o IOF, que vêm embutidas no empréstimo e encarecem o crescimento da dívida ao longo do tempo (1), isto é, os juros propagados podem ser de um valor, mas seu preço real de outro.

 

Também um aumento de pessoas endividadas não necessariamente significa aumento de renda e de poder. Num primeiro momento a pessoa compra e consome mais, porém estará vinculada a uma dívida futura, calculada a base de juros e, portanto, crescente ao longo do tempo. Há um aumento de inadimplência, desde novembro de 2011, e isto não é ruim para os bancos porque o inadimplente é aquele que mesmo endividado ainda paga ao banco algum dinheiro, com atraso e juros (muitas vezes apenas os juros). O problema para o banco é a existência dos insolventes, aqueles que deixam de pagar.

 

Portanto, esta política pode criar uma dependência entre o banco e o povo, como já existe, isto é: a pessoa tem uma lavadora nova, porém todo o salário dela foi para o banco, pois ela emprestou dinheiro no consignado, que debita direto na conta. Aqui a pessoa ganha poder no curto prazo, às custas de menor controle de seu orçamento no futuro.

 

Isto é, há uma política de diminuição dos juros, porém, os grandes bancos, que dominam 85% do mercado, ainda têm como principal missão criar uma dependência financeira, a essência da usura, ou seja, redistribuição de poder em favor dos bancos. Nisto o desenvolvimentismo neoliberal também se prova falho, pois não resolve o problema de gerar endividados com a criação de banqueiros milionários. Portanto, não toca no essencial da desigualdade no Brasil.

 

Ainda há dúvidas quanto à efetiva capacidade desta política para gerar emprego e crescimento econômico. O que se verifica é a continuação do arrefecimento da economia, percebido no final do ano passado. Isto é, a produção e o emprego não aumentaram na mesma proporção do ano passado, neste primeiro trimestre.

 

Será que vai ser possível reverter tal processo com o aumento de endividados? Será que as pessoas não vão usar este novo dinheiro para pagar velhas dívidas? Os Estados Unidos também abaixaram os juros, mas não houve impacto. É necessário aguardar os próximos passos da economia. E evitar a euforia de emprestar um dinheiro não tão barato.

 

Nota:

 

1) Aqui deve ser calculado o Custo Efetivo Total, uma taxa percentual que inclui o preço dos encargos no valor financiado.

 

 

Venâncio Guerrero é economista e militante do Tribunal Popular da Terra.

Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Blog do autor: Antes da tempestade.

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