Correio da Cidadania

A questão do investimento

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Não deveria ser novidade que a elevação dos investimentos é questão essencial para a alavancagem da industrialização e do desenvolvimento como um todo. Ao enfatizar, em sua viagem à Índia, que a taxa de investimento, para permitir um desenvolvimento sustentado da economia brasileira, deveria elevar-se a 25% do PIB, a presidenta Dilma indicou que as taxas de investimento dos cinco anos recentes, em torno de 19% a 20% anuais, têm sido medíocres e não propiciam o desenvolvimento necessário.

 

Relacionado a isso, retorna o problema de onde buscar investimentos e de como direcioná-los para uma industrialização e um desenvolvimento relativamente equilibrados. Já nos referimos, em comentários anteriores, que os setores empresariais burgueses só investem em projetos industriais se tiverem garantias e financiamentos governamentais. Atualmente, no Brasil, o BNDES é o principal investidor industrializante, alguns até supondo que sua capacidade de investimento seja ilimitada.

 

No entanto, para alcançar taxas anuais de 25% do PIB, o que ainda é relativamente baixo em relação às necessidades de crescimento do país, os investimentos no desenvolvimento brasileiro deveriam alcançar valores superiores a um trilhão de reais, algo em torno de 500 bilhões de dólares anuais. Isto vai além dos recursos disponíveis naquele banco estatal e na poupança interna nacional. Para efetivar tais valores, será necessário não só dar um basta nos juros e no câmbio que elevam os custos da dívida, assim como nos investimentos especulativos. Será preciso, ao mesmo tempo, atrair capitais externos para investimentos diretos e direcionar tais investimentos para o adensamento das cadeias produtivas e para o fortalecimento das empresas estatais, privadas e públicas de capital nacional.

 

Nesse sentido, as funções estatais talvez precisem ser mais profundamente repensadas e reformadas. A experiência internacional, mesmo dos países capitalistas avançados, mostra que, qualquer que seja o papel dos empresários privados no processo de alavancagem do desenvolvimento, a situação das grandes massas da população em relação ao consumo, e à desorganização econômica herdada do passado, fazem recair sobre o governo a responsabilidade por um impulso efetivo no processo de industrialização e desenvolvimento.

 

No momento, os investimentos diretos, internos e externos, não possuem, que se saiba, qualquer orientação precisa sobre os setores industriais que são prioritários e, portanto, deveriam ser estimulados. Em geral, a maior parte dos projetos de investimentos tem se voltado à produção de bens de consumo. O que, inevitavelmente, a partir de um determinado estágio de crescimento, incrementa a necessidade de substituir o capital utilizado no setor, seja em virtude do desgaste dos equipamentos, seja para elevar a produtividade através da introdução de equipamentos mais modernos.

 

Porém, em geral, os projetos voltados à produção desses equipamentos no país são em pequeno número, ou não estão na pauta. E quando entram, são tratados no mesmo grau de relevância dado à produção de bens de consumo. Excluindo-se a importância dedicada à nacionalização dos equipamentos para a exploração de petróleo, sob o comando da Petrobras, e em menor escala dos equipamentos de geração de energia elétrica, sob o comando disperso das estatais elétricas, no resto das cadeias produtivas do país a instalação de fábricas de equipamentos, ou bens de capital intermediário, ainda é um assunto secundário.

 

Por outro lado, mesmo que a fabricação de equipamentos para a produção de bens de consumo passe a ter uma presença importante na indústria brasileira, nossa economia ainda ficará dependente de um setor cuja existência, ou não, incide diretamente sobre os setores de fabricação de equipamentos e de produção de bens de consumo. A substituição periódica do capital real presente nesses dois setores só será possível, em termos soberanos, com a implantação do setor de fabricação de máquinas ferramentas. Isto é, de bens de capital primário, ou de máquinas capazes de fabricar máquinas. O que hoje abrange, fundamentalmente, a incorporação das ciências e tecnologias ao processo produtivo.

 

Nesse sentido, não há indícios consistentes de preocupação em tratar desse assunto de forma planejada e prioritária. Por um lado, dificilmente se poderá deixar de encarar de forma positiva, ainda por algum tempo, a importação de máquinas ferramentas e de equipamentos. Por outro, será necessário, ao lado disso, ter uma ação efetiva para que tais máquinas e equipamentos passem a ser fabricados no país, reduzindo nossa dependência científica e tecnológica.

 

A ausência de planejamento e de ações efetivas de longo prazo, relacionados com o tratamento desses setores chaves do processo de industrialização e desenvolvimento se deve, provavelmente e em grande medida, à persistência das idéias neoliberais sobre a ação do Estado na economia. Os governos Lula e Dilma romperam com vários paradigmas daquelas idéias, e avançaram no planejamento e na ação estatal em vários terrenos. No entanto, a necessidade de industrializar e ter instrumentos e empresas estatais ágeis para realizar investimentos nos setores industriais chaves ainda encontra resistências, não apenas da oposição neoliberal e dos aliados burgueses da coalizão governamental, mas dentro da própria esquerda.

 

Nessas condições, a própria experiência capitalista, de que cabe aos governos a responsabilidade por um impulso efetivo no processo de industrialização e desenvolvimento, fica prejudicada pela persistência de concepções neoliberais sobre o papel das empresas estatais, das empresas públicas e das pequenas e médias empresas nacionais. Por outro lado, se a esquerda no governo quiser escapar da pecha de ser apenas uma administradora do desenvolvimento capitalista corporativo, e uma razoável redistribuidora da renda nacional, ela terá que recompor o setor empresarial estatal e fazê-lo voltar-se a apoiar o crescimento das empresas públicas e das pequenas e médias empresas privadas, democratizando a propriedade do capital.

 

Talvez só assim o governo dirigido pela esquerda tenha instrumentos efetivos para evitar a oligopolização dos principais setores da economia por empresas privadas estrangeiras e nacionais, e para orientar a industrialização no rumo do adensamento das cadeias produtivas e do fortalecimento das empresas médias e pequenas, privadas e solidárias, apontando na direção de uma industrialização e de um desenvolvimento que não sejam exclusivamente corporativos, mas também democráticos.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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