Correio da Cidadania

Ainda as estratégias

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A presidenta Dilma fez declarações duras contra as políticas neoliberais dos governos europeus, tanto dos dominantes, quanto dos dominados, como a Grécia, acentuando que elas terão repercussões danosas em todo o mundo. Paradoxalmente, vários de seus ministros parecem continuar crentes de que as medidas que vêm adotando para enfrentar os desdobramentos da crise mundial sobre a economia brasileira serão suficientes.

 

Eles parecem satisfeitos com uma suposta aceleração na decisão de reduzir os juros básicos da economia e com as medidas de defesa cambial e defesa comercial, achando que por aí a indústria brasileira ganhará competitividade e poderá elevar a participação dos manufaturados e produtos de maior valor agregado no mercado internacional. O vice-presidente Temer declarou-se orgulhoso por haver exigido a abertura dos mercados chineses para os manufaturados brasileiros, colocando nessa pauta carnes de frango e suínos. Alguém deveria ter dito ao vice que esses produtos não são exatamente os manufaturados que deveríamos ter para exportar.

 

Em outras palavras, há setores do governo de coalizão que parecem ainda não haver entendido que o arrefecimento da economia brasileira diante da crise mundial indica que nosso ambiente macroeconômico não está tão sólido quanto se supõe. E que, além da necessidade de realmente acelerar rapidamente a queda dos juros básicos e tomar medidas administrativas para preservar o real diante da desvalorização artificial do dólar pelos Estados Unidos, é fundamental barrar a entrada de capitais especulativos. Ao mesmo tempo, deve-se estimular a entrada de investimentos diretos na indústria e na infra-estrutura, especialmente nos setores de alta tecnologia e naqueles que se acham oligopolizados pelas corporações transnacionais, de modo a estimular a concorrência e rebaixar os preços.

 

Os capitalistas brasileiros continuam preferindo aplicar os seus recursos no mercado financeiro, ao mesmo tempo em que dependem fortemente do BNDES para financiar os projetos em que estão envolvidos. Nessas condições, aqueles que se contentam com uma taxa de investimento em torno de 20% a 22% do PIB demonstram curvar-se a essa situação esdrúxula em que o Estado capta recursos a taxas estratosféricas e empresta para seus próprios credores a taxas subsidiadas. Sem inverter essa situação, o Brasil continuará sem condições de estimular os investimentos diretos e seu crescimento dificilmente ultrapassará o limite do vôo de galinha.

 

Nesse sentido, subordinar a redução dos efeitos da dominação dos bancos e das agências privadas, nacionais e internacionais, sobre a economia brasileira à solução do problema em escala mundial é paralisante. Pode ser um lenitivo para justificar a posição extremamente defensiva diante do sistema financeiro, mas jamais servirá para abrir brechas naquela dependência. E o que precisamos, antes de tudo, para abrir espaços para um desenvolvimento econômico e social mais sólido, é quebrar alguns dos grilhões que nos subordinam a esse sistema, ao mesmo tempo contribuindo efetivamente para uma solução global.

 

A constatação de que nosso país sofre uma extorsão permanente do seu trabalho e de seu desenvolvimento industrial e comercial, processada através da drenagem de riquezas através dos juros, serviços da dívida, e preços administrados praticados pelas multinacionais, deve nos alertar para as questões centrais com que nosso país se defronta neste momento. Por um lado, é verdade que essa drenagem fortalece o sistema especulativo global e que sua manutenção não o leva a aplicar medidas selvagens no sentido de desestabilizar a economia brasileira. Por outro, também é verdade que coloca cada vez mais o Brasil diante da necessidade de realizar uma escolha de Sofia e enfrentar com firmeza tal drenagem, se não quiser continuar submetido.

 

Se o governo Dilma e os partidos de esquerda que o apóiam continuarem mantendo sua postura defensiva diante dessas questões, a rigor tipicamente burguesas nacionais, dificilmente conseguirão mobilizar o povo brasileiro para a consecução de uma agenda política avançada. Sem um trabalho consistente e constante de esclarecimento dos problemas que entravam nosso desenvolvimento econômico e social, e sem medidas que apontem realmente para sua superação, com apelos explícitos de apoio popular e nacional, corre-se o risco de ver o governo e o Estado envolvidos numa série de conflitos e lutas de classes sem parâmetros claros quanto aos inimigos, como parecem indicar as mobilizações sociais recentes.

 

O fortalecimento democrático, financeiro, político e militar do Estado brasileiro depende, cada vez mais, da mudança da defensiva para a ofensiva política no tratamento das relações com o sistema financeiro. Dessa mudança depende o crescimento dos investimentos para uma taxa de 25% a 30% do PIB. Depende também a aceleração da industrialização da quarta revolução científica e tecnológica, combinada com a industrialização de gerações passadas para garantir altas taxas de emprego por longo tempo. Depende, ainda, a continuidade das políticas de combate às desigualdades sociais e regionais, de ampliação da participação democrática, de fortalecimento social dos trabalhadores e da colocação, na pauta política, de uma real perspectiva socialista.

 

Dificilmente a presidenta Dilma, em sua viagem à Europa, conseguirá modificar a política alemã dominante na União Européia, mesmo que consiga demonstrar os danos que tal política causará, não só aos países europeus mais fracos, mas a todo o mundo. Os povos europeus, depois de um grande período de letargia e de ilusões inocentes sobre seu padrão de vida, começam um novo despertar. Nossa cooperação a esse despertar talvez resida em não esperar que eles acordem totalmente, fazendo logo o que já deveríamos ter feito há algum tempo.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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