Correio da Cidadania

Operação policial na moradia da USP – um novo relato

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O Reitor da USP João Grandino Rodas mandou, na madrugada do último domingo, mais de 200 homens da tropa de choque invadirem o CRUSP (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo) para tomar o espaço da Moradia Retomada, parte do bloco G do CRUSP. Neste espaço, residiam 47 estudantes que necessitam de moradia para poderem continuar seus cursos. Todo ano centenas de estudantes ficam sem vaga e muitos acabam por desistir dos estudos.

 

A reitoria, por sua vez, não combate este problema, pelo contrário, defendendo os interesses dos capitalistas do ensino, encaminha a universidade à privatização, o que se expressa nas terceirizações, nas PPPs via fundações privadas, no ensino à distância, nos cursos pagos e nos projetos, que vêm desde a década de 80, de cobrar mensalidades pela moradia no CRUSP. O fechamento do espaço da Moradia Retomada reduz em 47 o já insuficiente número de vagas no conjunto, avançando no sentido da elitização da universidade.

Histórico

Em março de 2010, diante da postura da COSEAS (Coordenadoria de Assistência Social) em negar-se a cumprir a função de promover a permanência estudantil, e ao invés disso gastar a verba para implementar programas de espionagem (conforme denúncia publicada na revista Fórum de janeiro) e controle das assembléias e da vida pessoal dos moradores, diante também da grande demanda de moradia, o espaço do bloco G foi retomado para a sua função originária de moradia estudantil, a partir de decisão de assembléia. A reitoria da USP desde o início negou-se ao diálogo e atendimento das reivindicações.

Desde então, o espaço vinha sendo gerido pelos próprios estudantes que elaboraram um processo de recepção próprio, baseado em critérios sócio-econômicos. A COSEAS negou-se a reconhecer a legitimidade do processo de recepção dos estudantes, pois queria encobrir o caráter obscuro dos critérios de seu próprio processo de seleção, feito de maneira autoritária, sem participação estudantil e excludente. Seus critérios servem para justificar a exclusão, enquanto os dos estudantes servem para avaliar a necessidade de quem reivindica a moradia.

Nos últimos anos, o governo de São Paulo vem avançando sobre a universidade a fim de aumentar sua ingerência, passando por cima mesmo de parte da sua parceira, a burocracia acadêmica. Os decretos do então governador José Serra, em 2007, visavam aumentar o controle estatal. O movimento na universidade, impulsionado pelos estudantes, se levantou e atrapalhou por hora os planos do governo.

 

Em 2008, Serra relançou o conteúdo dos decretos e demitiu arbitrariamente o diretor do SINTUSP Claudionor Brandão, num claro ataque político aos lutadores. Em 2009, a PM entrou no campus para desfazer piquetes da greve de funcionários e reprimir um ato contra a PM no campus. Os processos administrativos e criminais contra diretores do sindicato dos trabalhadores e outros trabalhadores já são dezenas.

Em 2010, seis estudantes foram processados pela ocupação da reitoria de 2007, e mais de vinte pela retomada da moradia no bloco G, de 2010. O ano de 2011 teve início com mais 270 demissões de trabalhadores. Também nesse ano, com o pretexto do assassinato do estudante no estacionamento da FEA, a PM foi finalmente legitimada dentro do campus e a partir daí começou o Estado Policial na USP, que gerou em 27 de outubro um levante estudantil, rendendo duas ocupações (administração da FFLCH e reitoria) e uma greve, contra a PM e os processos. A Reitoria novamente foi truculenta, mandando 400 homens da tropa de choque invadirem o prédio ocupado e prender os 73 estudantes que lá estavam.

Nas férias, oito estudantes foram eliminados da USP, com base em um decreto da Ditadura Militar, pela suposta participação na ocupação da moradia do bloco G. Em janeiro, o espaço do DCE foi tomado dos estudantes e lacrado pela polícia, o Núcleo de Consciência Negra foi e é duramente atacado, correndo sérios riscos de perder seu espaço. Ainda em janeiro, em entrevista dada à Revista Fórum, o diretor da Guarda Universitária, Ronaldo Pena, assume a existência de um serviço de arapongagem institucional na USP, ligado a sua pessoa, nos moldes do antigo SNI, que espiona as assembléias das três categorias, as atividades acadêmicas e a vida de algumas pessoas, como o diretor da Faculdade de Direito. Agora, a Reitoria toma dos estudantes um espaço de moradia, rendendo a prisão de doze moradores. Morar na moradia estudantil virou crime.

Relato do ocorrido em 19/02


A invasão da tropa de choque no CRUSP, pela 2ª vez em menos de quatro meses, novamente foi criminosa: os policiais mantiveram os moradores dos blocos em cárcere privado, impedindo-os de saírem de dentro dos prédios, atiraram contra a vidraça da cozinha de um dos blocos, agrediram os moradores, invadiram apartamentos de estudantes da pós-graduação sem mandado, à procura de câmeras fotográficas, constrangendo os mesmos.

 

Dentro do espaço reintegrado os policias agrediram os estudantes presentes desde o começo. Negaram-se a ler o mandado de reintegração, não permitiram que os presentes saíssem do prédio e depois arrastaram violentamente os estudantes até o ônibus, inclusive a garota grávida, para levá-los presos. Inclusive negaram-se a justificar a prisão. Tal prisão foi um "flagrante" que nem o Comandante da PM soube explicar. Ao ser questionado por um jornalista sobre os motivos da prisão, o Comandante diz: "isso aí vai ser apurado agora por parte da autoridade policial que vai verificar qual o tipo penal que se incidiu, né, isso aí vai ser apresentado ao Distrito Policial justamente para caracterizar, eventualmente, algum tipo de crime, de esbulho possessório, num primeiro momento, de ocupação irregular de espaço público". Ou seja, o comandante assume que prendeu primeiro para acusar depois.

Doze estudantes ficaram presos em celas de 1,5m por 2m, sem ventilação, em condições subumanas: o chão molhado, as paredes sujas de sangue, fezes transbordando pela latrina e um cheiro insuportável de creolina, que causou enjôo, tontura, tosse e dor de cabeça nos estudantes. As celas foram ironicamente apelidadas por um policial como "Auschwitz", referência aos campos de concentração nazistas. O apelido vem a calhar, pois o que o Estado faz, mantendo todos os dias milhares de pessoas nestas condições, não é promover a justiça, mas promover o assassinato em massa.

Nestas condições, a estudante grávida passou mal e teve que ser levada ao hospital, depois de quarenta minutos de reclamações e gritos das colegas. A polícia ofendeu uma estudante negra, dizendo que ela era analfabeta e não era estudante, dando tratamento diferenciado, clara expressão de racismo. As meninas foram constrangidas o tempo todo, inclusive durante os exames de corpo delito no IML. Os policiais ofenderam as estudantes com adjetivos como “vaca suja” e ameaçaram com frases do tipo “se pudesse botava todo mundo em fila e metia fogo” etc. Até a advogada foi constrangida, tendo sido trancada junto aos presos, em clara ameaça a sua atuação e cerceamento de seu exercício profissional. Os estudantes estão com roxos e escoriações pelo corpo. Os moradores não puderam retirar seus pertences durante a reintegração, e agora não podem ter acesso aos mesmos, que se encontram seqüestrados pela reitoria da USP.

Rodas, o governo do estado e a PM tentam imputar aos estudantes o “crime” de se encontrarem numa moradia estudantil para encobrir o verdadeiro crime que cometem com esta reintegração: deixar dezenas de estudantes no olho da rua, sem condições materiais para estudar, enquanto compram tapetes superfaturados de 32 mil reais e "cedem" o espaço da moradia estudantil ao Banco Santander.

 


O autor deste artigo estava morando nos prédios do CRUSP e nos locais denominados “Moradia Retomada” até o dia da reintegração de posse operada pela Polícia Militar e não se identifica por temor a represálias no âmbito universitário.

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