Correio da Cidadania

Luta de classes

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Parece que boa parte da esquerda ainda não saiu da perplexidade de ter um governo central dirigido por uma coalizão política de socialistas e comunistas, da qual participam democratas liberais e conservadores de diferentes tipos. Essa perplexidade, como comentamos em artigos recentes, se reflete na emergência de dois novos tipos de análise, ambos relacionados com a possibilidade ou não do desenvolvimento da luta de classes no Brasil.

 

Uma dessas análises conclui simplesmente que a melhoria das condições de vida do povo amortece seu espírito de luta e é um impeditivo para o crescimento da luta de classes. O exemplo histórico das classes operárias norte-americana e européia, particularmente após a segunda guerra mundial, poderia ser um exemplo a ser esgrimido por essa análise que, no fundo, advoga a tese de que quanto pior, melhor.

 

O problema, que ela não responde, é se estão se criando no Brasil as mesmas condições que permitiram, aos Estados Unidos e à Europa, instaurarem vastos sistemas de exploração e transferência de riquezas dos países do terceiro mundo para eles. Sistemas que permitiram a tais países satisfazer as demandas salariais e de assistência social da maior parte de seus trabalhadores e criar, inclusive, uma aristocracia operária.

 

Embora o Brasil tenha ingressado num processo tentativo de realizar o crescimento econômico com redistribuição de renda, não há indícios de que o capitalismo e a burguesia brasileira tenham condições de explorar países periféricos e organizar um processo mais profundo de redistribuição de grandes migalhas, como fizeram os norte-americanos e europeus, amortecendo as lutas dos trabalhadores. Ainda mais que esses sistemas de transferência de riquezas estão sendo minados, cada vez mais, pelas transformações estruturais do próprio capitalismo, o que começa a obrigar os trabalhadores norte-americanos e europeus a retomarem a luta de classes.

 

A outra análise reconhece que o desenvolvimento do capitalismo está promovendo a conformação da classe trabalhadora brasileira como força ativa, tanto por seu crescimento quantitativo, quanto pela retomada de lutas por aumentos salariais, dignidade no trabalho, melhoria nas condições de transporte, moradia, saúde e segurança. No entanto, ela supõe que as novas lutas que estão surgindo parecem não caber perfeitamente no pacto de poder atualmente existente.

 

No contexto desse pacto de poder inexistiriam canais por onde os movimentos sociais pudessem fazer demandas institucionais. Isso estaria levando o Brasil a um paradoxo. Por um lado, ele parece viver um momento de radicalização em sua base social, fruto do recente crescimento do capitalismo e de suas contradições. Por outro, ele parece assistir às organizações políticas de esquerda engolfadas em disputas institucionais, sem que seus militantes possam diferenciar o desenvolvimento na nação das pretensões individuais de ascensão pessoal.

 

Em outras palavras, essa avaliação comprova que a luta de classes talvez esteja retomando, inclusive de forma radicalizada, enquanto grande parte da militância de esquerda talvez não esteja se dando conta dessa retomada, nem saiba como tratá-la. Isso apenas demonstra que não são as militâncias políticas, por mais esclarecidas e revolucionárias que sejam, que desenvolvem a luta de classes. Esta, historicamente, tem seu próprio ritmo e emerge de contradições econômicas, sociais e políticas reais e determinadas.

 

Em geral, mesmo quando a militância política não está antenada na evolução dessas contradições, a luta de classes rompe com possíveis barreiras ou canais estreitos que impedem a promoção de suas demandas.

Muitas vezes faz isso contra as próprias instituições, forja suas próprias lideranças, e conquista suas reivindicações através de diferentes formas de luta. A história da classe operária do ABC, durante o regime militar, é um exemplo bem nosso desse processo.

 

Portanto, se há uma parte da militância e das lideranças engolfada nas disputas institucionais, isso se deve em parte ao fato de que a classe operária emergente no Brasil ainda não sacudiu essa militância e lideranças como deveria. Ela é uma nova classe operária, diferente daquela do ABC, no final dos anos 1970. Está em processo de recomposição, tem pouca experiência de luta, e ainda não mostrou sua potencialidade.

 

É lógico que boa parte da militância de esquerda poderia estar trabalhando na base dessa classe e de outras classes populares da sociedade brasileira, vivenciando e contribuindo para sistematizar suas pequenas experiências de luta, que existem, e para elevar sua consciência de classe. No entanto, mesmo que essa militância esteja empenhada nessa missão estratégica, isto não quer dizer que ela conseguirá alavancar imediatamente grandes movimentos classistas. Ela simplesmente estará junto com essas classes, e em condições de orientá-las, no momento em que decidirem lutar.

 

Nesse sentido, convém analisar com mais atenção as lutas e conflitos recentes envolvendo algumas camadas de trabalhadores e outros setores populares. Em primeiro lugar, eles mostram que, apesar das melhorias nas condições de vida, e talvez principalmente por causa delas, esses trabalhadores já não suportam a continuidade de certas condições herdadas do período neoliberal.

 

Super-exploração, como nos casos de Jirau, Santo Antônio e alguns canteiros de obras; transportes ineficientes, como nos casos de ônibus em Brasília e Goiás, metrô de São Paulo e Supervia, no Rio; educação deficiente, saúde maltratada, salários baixos e outras distorções presentes na sociedade brasileira: tudo isso tem sido motivo para lutas em diversos pontos do território nacional.

 

Por não suportarem mais essas mazelas, e também por falta de lideranças experientes, quase todas as camadas que protagonizaram essas lutas têm apresentado uma radicalização que, aparentemente, se confronta com a postura do governo federal em não criminalizar nenhuma luta democrática e popular. O que deveria alertar a esquerda para o fato de que o desenvolvimento capitalista, mesmo com distribuição de renda, não impede as lutas de classes. Mas, sem uma esquerda participante, para fazer com que tais lutas sejam travadas com razão e com limite, elas podem colocar o governo democrático e popular contra a parede e abrir janelas por onde a direita crie um ambiente de insegurança e pânico.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

Comentários   

0 #4 RE: Luta de classesSavio 17-02-2012 10:32
"para fazer com que tais lutas sejam travadas COM RAZÃO E COM LIMITE"...

Mais claro impossível a posição de W.Pomar!!!

Ou seja, o desenvolvimento capitalista, mesmo com distribuição de renda, não impede a luta de classes (nossa... que sacada fantástica... só um intelectual de grande quilate poderia ter essa compreensão), mas "essa" luta de classes tem que ser feita com REPONSABILIDADE para não afetar a ordem vigente!

Mas fique tranquilo, por enquanto, querido Menchevique W. Pomar, pois a CUT, a UNE, e, infelizmente, o próprio MST, estão aí para contribuir (é claro que não são os únicos elementos responsáveis) no estabelecimento dos LIMITES das lutas para não colocar o Governo "Democrático e Popular" contra a parede.

Vamos ver até quando...
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0 #3 tenho medo, muito medo!Eduardo de Barros 16-02-2012 10:41
"Mas, sem uma esquerda participante, para fazer com que tais lutas sejam travadas com razão e com limite, elas podem colocar o governo democrático e popular contra a parede e abrir janelas por onde a direita crie um ambiente de insegurança e pânico."

Com essas palavras Wladimir Pomar inaugura uma nova versão do pânico, do medo, expresso tão bem pela namoradinha do Brasil na campanha do Serra.

Sutilezas que servem para ocultar o principal: as lideranças partidárias se descolaram do movimento social, principalmente dos que emergem na atualidade. Esqueceu os desempregados, os sem-terra, os sem-teto e mais de 40% da população que vive com menos de 300 reais mensais. Preferem os seminários, os congressos e viagens internacionais, a vida acadêmica, os polpudos salários e propinas que recebem para manter tudo como está. Discursam livremente, transitam nos palácios burgueses e sempre dizem não ser ainda o momento de radicalizar.
Ou seja, cumprem o caminho da social-democracia de baixa intensidade, tão bem denunciada por Rosa Luxemburgo.
Haja estômago para essa mal-intitulada "esquerda"
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0 #2 Faltou dizerWendell 15-02-2012 15:27
Pomar dá uma no cravo, outra na ferradura. Critica a esquerda institucional, que está no SEU partido, no SEU governo, mas diz que governo federal não criminaliza a luta popular. Então a greve da polícia baiana foi de direita? Porque Dilma hipocritamente se disse estarrecida com o grampo que governo baiano, justiça e Rede Globo armaram, estarrecida não com o grampo, mas com o que o grampo revelou, destempero verbal de um dos líderes, que nem foi efetivado, o tal incêndio de carros, e bastou para a mídia, com apoio do governo, tachar manifestantes de vândalos. Quanto à paralisação da BR, é feito rotineiro pelo MST e só a direita os chama de vândalos.
Pior, rola pela internet um vídeo em que a atual ministra Salvati, ultra-aliada de Dilma, discute táticas de greve com polícia militar em 2008 ou 2009. Igual ao que Janira Rocha, deputada estadual do Rio de Janeiro, fez com cabo bombeiro. Com silêncio cúmplice do PT, que ocupa pastas no governo Sergio Cabral, governo estadual e Rede Globo usaram diálogo para mostrar que Janira "incitava" os grevistas. Bombeiros e PMs são presos no Rio e na Bahia, aeroportos são privatizados, Kassab é convidado VIP ao aniversário do PT e o senador Suplicy mostra versos de Wando em discurso no Senado...
Se o governo Dilma for colocado contra a parede é por seus próprios "méritos". Se a direita vai criar algum caldo de cultura fascista, conta com inação cutista e petista. Aliás, que direita vai criar isso? Porque Kassab, Sarney, Temer, Jader,evangélicos, e outros, estão todos no governo; por que criariam problemas se podem apelar para a "ordem", como lembrou o ministro da Justiça, membro de um partido que, quando na oposição, era contra a Ordem Injusta.

Wendell
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0 #1 Nó Em Pingo d'ÁguaRaymundo Araujo Filh 14-02-2012 23:18
Lá vem o Wladimir Pomar tentar colocar a realidade em suas teorias dos velhos alfarrábios.

De minha parte, penso que a teoria sobre o Estado que esta "esquerda" fajuta se guia, além de tudo é equivocada, pois historicamente não libertou classe não proprietária alguma, de opressão e exploração alguma, e ainda dando palco para verdadeiros doidivanas - quando não pior - exercerem as suas insanidades.

E no fim das contas, ainda transformaram seus países no mais reles capitalismo, após décadas de "experiência" socialista.

Assim, WP continua usando o expediente da MENTIRA, ao classificar este governo como "um governo central dirigido por uma coalizão política de socialistas e comunistas, da qual participam democratas liberais e conservadores de diferentes tipos".

Em que país existe este governo, Wladimir? No Brasil é que não é, pois se temos um governo, onde alguns timidamente ainda se dizem socialistas ou comunista (afinal manter as aparências, é fundamental para quem vive delas), o roteiro governista é francamente hegemonizado pelos interesses capitalistas, aliás, pelos interesses dos cachorros grandes do capital, tipo aqueles que Zé Dirceu assessora, para vender Cacimbas de Plástico e arranjar Franjas do Pré Sal.

A Luta de Classes no Brasil estava sim, em um processo virtuoso, até a eleição de Lula, quando, por incrível que possa parecer, foi castrada, justamente por aqueles que deveriam torná-la consciente para a grande parte da população, que a tem ainda, e apenas, de forma inconsciente, o que só gera conformismo, ou a aceitação de migalhas, em dia de grande farnel dos figurões do capital, seus capatazes e meretrizes.

De lá para cá, a malta do aparelho burocrático "assumiu o controle", acentuando o discurso em que "O Lula vai fazer tudo, por isso podem ir para casa".

Com isso, a ponta de lança "popular" do governo foram os chamados Programas de Transferência de Renda, um eufemismo para ESMOLAS (ao menos como vem sendo praticado), programa este, aliás, proposto por Henry Kissinger, em 1982 (Consenso de Washington), adotado por FHC e aprofundado por Lula, na forma mais assistencialista possível, e com propaganda de resultados muito maior que o feito. Após o demsonte do Estado por FC, veio a bonança dos empregos particulares, para a burguesia cobrar R$3 mil por trabalhador / mês, mas só pagar 20% disto, se tanto.

E aprofundou-se a inserção do Brasil no mundo capitalista, com o protagonismo de ser o país que menos se industrializou no período (em relação a países do mesmo porte, ou grau de desenvolvimento), onde a diferença entre os 10% mais ricos e os 50% mais pobres só aumentou, onde o enfraquecimento do Estado e a utilização do dinheiro dos impostos, principalmente via BNDES apenas alimenta o enredo do capital e onde a exoneração de nossas riquezas naturais, a preço de banana, se dá como "nunca d'antes neste país".

O que WP chama de "retomada da luta de classes", além de não ter tido o respaldo dos apaniguados dirigentes sindicais governistas (CUT, CGT, Força Sindical)e nem das tendências da Ex Esquerda Corporation W.C. (de onde WP é ideólogo, notadamente da Articulação de Esquerda)na verdade são extertores contra a iniquidade que o governo que ele apóia e justifica permite nos canteiros de obra, do que vem a ser os mega empreendimentos que retroalimentarão o capital, em detrimento dos trabalhadores.

WP se regozija do trabalhador brasileiro se rebelar e ter como reivindicações, uma pauta muito parecida com os trabalhadores da Inglaterra....só que no início da Revolução Industrial, no séc.XVIII. Evoé Momo!

Numa coisa WP tem razão: A tal "esquerda" institucional que se diz oposição ao governo é tão igual ao PT, notadamente pela falta de relação direta e cotidiana com as classes populares, restringindo-se a uma exposição parlamentar, ou a aparelhos sindicais de categorias com vanguardas minúsculas mais politizadas.

Estes, são useiros e vezeiros em praticarem todo o tipo de aparelhismo das estruturas do Movimento Social e Sindical, asfixiando qualquer tentativa de renovação do "modus operandi" da resistência ao capital, que não aquelas aprendidas com a experiência européia, do século passado, da qual, como todos sabem, "somos a imagem e semelhança"...

Realmente, lutar para trocar os WPs e Ruis Falcões (para ficar só nesses), por Milton(s) Temer(s)(PSOL) e Zé Maria(s) (PSTU) é completamente desanimador (eu ia usar uma palavra que significa o mesmo e é muito usada em relação a disfunção sexual, mas preferi a forma, digamos, mais culta do vernáculo).

Acho que vou me fantasiar de Palhaço, neste carnaval. É muito simples: Um macacão de operário, cheio de escudos e símbolos dos Partidos de Esquerda Institucionais aqui do Brasil. Ah! Vou colocar um daqueles narizes vermelhos, com a sigla PT na ponta, para dar justo destaque a quem comanda este Carnaval do Capital entre nós.

A música, só poderá ser uma: A turma só me chama de Palhaço, Palhaço, Palhaço / a minha presidente socialista / só quer saber de nos ...(bem, deixa prá lá!).
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