Correio da Cidadania

Greve ou motim?

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É fato que policiais militares ganham pouco. É uma realidade que professores ganham muito pouco e são espancados por policiais militares quando entram em greve e buscam condições dignas de trabalho.

 

Ou moradores do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos. A “reintegração de posse” – uma posse malandra, fraudulenta – foi feita da forma mais violenta que se possa imaginar, sem qualquer respeito àqueles moradores. Há suspeitas de abuso sexual, de roubo de pertences das pessoas que foram expulsas de suas casas, há evidências claras de barbárie por parte da PM de São Paulo. Vai ficar por isso mesmo e ninguém tem dúvidas de que isso aconteceu, levando em conta os antecedentes da “corporação”.

 

Polícia é uma instituição civil. Polícia Militar com a estrutura que temos é uma anomalia no Estado de direito.

 

Policiais militares são trabalhadores?

 

É claro que são. Só não têm consciência de classe trabalhadora, “ou lugar de classe”, como bem disse a socióloga Vanessa Dias.

 

Servem às elites econômicas e políticas em seus respectivos estados. Quando terminar a “greve” – motim – na Bahia, sem qualquer vacilo vão espancar camelôs, professores, desocupar áreas para o latifúndio, muitos voltarão às atividades segundas (segurança de traficantes, de contraventores, etc.).

 

O aumento dos índices de homicídios na capital da Bahia e numa ou outra cidade do interior, 132% segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, não significa como querem fazer crer os policiais militares que sua presença é indispensável nas ruas. A presença da Polícia, sim, mas da instituição civil, com o objetivo de prevenir e combater o crime, manter a ordem pública.

 

Parte dos “grevistas” ocupa a Assembléia Legislativa, parte está nas ruas portando armas que pertencem ao poder público. Semeando terror para forçar negociações com o governo do estado.

 

Dois únicos governadores enfrentaram o poder paralelo das polícias militares em seus estados. Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, e Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul. Proibiram prisões ao arrepio da lei. Invasões de casas sem mandados judiciais. Revistas humilhantes a homens e mulheres e repressão a manifestações populares.

 

Os dois foram vítimas de toda a sorte de imputações caluniosas sobre suposta “ligação com o crime organizado através de acordo”. Com o tempo essas acusações se mostraram falsas, foram orquestradas nos porões da bandidagem oficial e encontraram guarida na mídia de mercado, parte desse sistema corrupto. Sócia desse modelo.

 

Quando os telejornais se “indignam” com a situação na Bahia não estão preocupados com o cidadão comum, o trabalhador, o que mora em Salvador, nada disso. No caso o jogo é desgastar um governador (não estou entrando no mérito, não sou do partido dele) para beneficiar em eleições municipais os caciques que durante anos sufocaram aquele estado e agora tentam voltar à prefeitura da capital através da sigla do terror e da corrupção: ACM Neto.

 

Para além desse objetivo existem outros que se alastram por todo o país. Existe a possibilidade que mais seis ou sete dessas “corporações” entrem em “greve” em outros estados brasileiros.

 

É motim puro e simples. Uma demonstração de força da pistolagem oficial na tentativa de levar pânico ao cidadão, mostrar as garras aos seus próprios chefes e tentar reagir à imagem cada vez mais negativa dessas forças anômalas ao chamado Estado democrático (como se o tivéssemos em sua essência).

 

O caso Pinheirinho ganhou repercussão internacional e deve ser levado a instâncias de direitos humanos em vários lugares do mundo. Isso desagrada a grupos de extrema-direita como o governo do estado de São Paulo (controlado pela seita terrorista OPUS DEI).

 

Não há um só dia que os jornais – da mídia de mercado, logo deles – não noticie violências cometidas por policiais militares, ou prisões desses “trabalhadores” por ilícitos – como gostam de dizer – tais como tráfico de drogas, assassinatos a mando de criminosos, assaltos etc.

 

Em Belo Horizonte, há menos de três dias, um PM matou um motoqueiro dominado e sem qualquer reação da vítima, ou possibilidade disso, pura covardia. Foi preso, e daí?

 

A hipótese de fim da “greve” na Bahia e anistia – como reivindicam – para os “grevistas” soa como absurda. Professores, por exemplo, quando entram em greve buscando condições dignas de trabalho são rechaçados violentamente pelos governos de seus estados e através das respectivas polícias militares. Pagam os dias parados ao final da greve.

 

E com uma diferença fundamental. Não saem às ruas portando armas do poder público e intimidando e ameaçando pessoas, quiçá matando para reforçar os “índices” de homicídio e justificar as pressões sobre o governador, em última instância, a própria população.

 

É hora de repensar a instituição Polícia. Esse assunto foi discutido no Congresso Nacional Constituinte de 1986 (gerou a Constituição de 1988) e um forte lobby de polícias militares estaduais evitou o fim dessa aberração em termos de Estado de direito.

 

Sem levar em conta que o próprio modelo/sistema está falido, enfrenta perspectivas de crise e de tocaia. A extrema-direita já percebeu que Dilma Rousseff é menor que o cargo que ocupa, a despeito da “boa vontade”. Como disse o ex-presidente FHC, “Dilma desmistificou a privatização”. Deu a colher de chá que faltava para justificar a privataria tucana, criando a privataria petista.

 

Por trás de cada movimento semelhante aos dos policiais militares baianos existem objetivos inconfessáveis de um Estado autoritário, prepotente, privatista e que em todas as suas dimensões serve às elites econômicas, que por sua vez controlam as elites políticas (executivos, legislativos e judiciários) em grande maioria.

 

Eu ouço sempre falar em progresso. Não percebo essa afirmação como real. Só é progresso aquilo que é comum a todas as pessoas. Se somente a alguns, é privilégio.

 

E progresso não são sedes suntuosas de bancos, de grandes empresas, nem extensas áreas de cultivo de transgênicos regados a agrotóxico do latifúndio brasileiro - mas nem tanto, pois o etanol já é dos gringos.

 

Progresso representa educação, saúde, condições dignas de existência, coexistência e convivência humanas, trabalho, moradia (as casas do programa Minha Casa Minha Vida são construídas com verbas repassadas a prefeituras e superfaturadas, além de serem gaiolas de qualidade duvidosa), enfim, toda uma gama de direitos básicos e fundamentais que, normalmente, as polícias militares reprimem.

 

São trabalhadores sem “consciência de classe”, servem aos donos, são como que cães amestrados que neste momento estão sem coleira e focinheira, caso da Bahia.

 

Não há “greve”, apenas um motim. E um erro colossal de setores ditos de esquerda – a esquerda que a direita adora – em tentar transformar um motim num movimento de trabalhadores com consciência de classe, com consciência do lugar de classe.

 

Isso não existe, soa a oportunismo eleitoral e eleições neste sistema que temos não são caminhos para a democracia.

 

O sistema é como uma bolha. Isolado da classe trabalhadora. Voltado para seu interior – o da bolha – sem a menor intenção de mudar as regras.

 

Por isso está falido, por isso o governo Dilma Rousseff vai ficando cada vez mais com cara de PSDB.

 

A luta popular é outra, tem outro viés.

 

Laerte Braga é jornalista.

Comentários   

0 #10 Pondo o dedo certeiro na feridaElson Rezende de Mel 12-02-2012 21:23
Excelente artigo e visão política.
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0 #9 RE: Greve ou motim?Fabrício Torres 12-02-2012 08:56
CARO LAERTE;NÃO CONCORDO COM AS SUAS OBSERVAÇÕES EM RELAÇÃO AOS PROFESSORES.

ESTES HÁ MUITO DEIXARAM DE REINVIDICAR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO E SÓ FAZEM GREVES ÚNICA E EXCLUSIMAVENTE POR DINHEIRO.

NÃO ESQUEÇAMOS QUE É DE LONGA DATA QUE OS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS ENGORDAM OS SEUS CONTRA-CHEQUES COM AS VENDAS DE TÍTULOS DE MESTRES E DOUTORES VIA FUNDAÇÕES UNIVERSITÁRIAS, OU SEJA, ROUBAM DA GRADUAÇÃO PARA VENDEREM NA PÓS...

UMA VERGONHA DOS ESPERTALHÕES SEM IGUAL.

FABRÍCIO TORRES
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0 #8 Matéria com diversos mas nem um compelida com a realidade.igor 12-02-2012 02:54
Fala a realidade que vivo e vejo, nem policiais, nem professores tem consciência de classe pode até ser que os professores, tenha alguma consciência, mas eles e os polícias tão mais preocupados e de pagar as parcelas de algum carro ou qualquer outro bem material que adquiriram na ascensão social que o mundo capitalista manipularam, ninguém destes tão preocupados com algum ser-humano a não ser eles próprios, têm essa coletividade para unir protesta mas cada um com interesse individual que é normal no mercado.Para ter uma consciêcia de classe sólida real verdadeira objetiva e socialista, tá na raiz da educação até quem é professor na área social tá preocupado e com mercado, e não é conceito vivo e vejo, na teoria tudo e mais fácil, aqui eu faço parte do exército dos excluídos, e esse tal de Laerte não posso mapea-lo muito bem, não conheço mas pelo texto, vejo que ele e nitidamente ambíguo, pretensioso ai que tá a consciência!
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0 #7 Greve ou Motim?Renato Alves Machado 10-02-2012 15:13
Caramba Laerte que felicidade ler o seu artigo! Pensei que ninguém teria a coragem de dizer as coisas que vc disse!Você tem razão aqui na Bahia hoje mesmo foram prêsos dois policiais suspeitos de terem chacinados cinco moradores de rua em um bairro em Salvador(Boca do Rio), é claro que provavelmente eles não foram os autores de todas as execuções que aconteceram no período de greve, tipo "latrocínio" em que a vitíma é fuzilada com onze tiros!Concordo totalmente com a tese de motim, não foi um movimento para fazer revolução ou em prol de todos os menos favorecidos!Fui dirigente sindical de esquerda e da Cut em duas categorias diferentes, só que naquela época nós estavamos desarmados contra a mesma polícia sempre super-armada e repressora, e as nossas reinvidicações se alinhavam com uma política nacional que visava modificar(ou pelo menos essa era a intenção da maioria)o nosso país no sentido civilizatório de tornar o nosso país melhor para todos e principalmente para os menos favorecidos, me lembro muito bem qual era a posição deles qto aos direitos humanos!O que ocorreu agora em Salvador embora poucos tenham a coragem de dizer, foi motim mesmo, banditismo com direito a atos de terrorismo e até assassinatos!Foi um atentado ao chamado estado de direito, a democracia, aos direitos humanos e sociedade civil, na verdade foi contra tudo e contra todos , foi a afirmação de um quinto poder na nossa república armado e perigoso! Um poder inclusive que não terá o menor pudor em bater e matar outros grevistas no futuro próximo!
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0 #6 Quem te viu quem te vêRaymundo Araujo Filh 10-02-2012 15:04
Laerte Braga é conhecido "crítico" a favor do governo Lula-Dilma-PMDB e que tais.

Há alguns anos, ele e a sua trupe que se dizem de esquerda apoiaram a greve da Polícia Federal que, como todos sabem, foi feita de armas em punho, interrupção do trânsito (na Ponte Rio-Niterói, uma senhora morreu, literalmente engarrafada, com temperatura de verão). Mas, naquela época, o governo era a do privatista FHC.

Laerte Braga divulga a "contraposição" petista para a pecha de "privatistas" que o PSDB lhes tascou . Esta "contraposição" parece mais uma piada de mau gosto. Dizem que a "concessão" não desaliena nosso patrimônio, ao contrário do fez FHC.

De forma, no mínimo desonesta, "esquecem-se que desalienam do Povo Brasileiro os bilhões que serão "emprestados" aos grupos empresariais, com juos quase inexistentes, como se o FAT (a principal fonte de recursos do BNDES) existisse para financiar empresários.

Esquecem-se que "conceder" por décadas e com renovação por igual período as operações aeroportuárias incide na apropriação de parte nevrálgica e estratégica de qualquer país (o Brasil é o único país do mundo, com aeroportos privatizados. também pedeceremos da entrega da cabotagem aérea para estrangeiros, nos tirando do protagonismo de outra atividade que país nenhum que se prese entrega a estrangeiros.

Laerte Braga, por este e muitos outros motivos é um baluarte da Ex Esquerda Corporation W. C.
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0 #5 Concordo plenamenteRicardo Lopes 10-02-2012 06:57
Concordo plenamente com Laerte Braga. Polícia é trasbalhador, mas um trabalhador espcial. Não pode entrar em greve. E quem é de esquerda, progressisstaou coisa parecida,se equivoca ou é tem má-fé em defender esse tipo de greve. Aqui no Rio de Janeiro, na Bahia ouem qualquer lugar. O policial não tem consciência de classe e sequer o trabalahdor em geral, com exceção de alguns e em alguns casos.
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0 #4 Matéria com diversos focosDomingos Carlos 10-02-2012 03:12
Caro Laerte: concordo com a idéia sua de que o policial militar não tem consciência de classe. A polícia é do Estado de Direito. E quem manda no Estado de Direito? As eleites econômicas. O erro da polícia em greve está no método que vai contra o povo. Sua matéria ataca o sistema. Você parte da greve da polícia e vai ao PT-Dilma, PSDB-FHC e PSOL. Em que você acredita? Como suas idéias podem ser postas na prática? Acho que nem você sabe. Parta da realidade em suas análises e não apresente apenas conceitos para serem enquadrados no contexto social. Sem engajamento não há mudança social. Sua visão é dicotômica (separa greve de motim), critica Dilma quando o foco deveria ser o papel da polícia no Estado de Direito, associa o papel do PSOL nos movimentos das polícias, idealiza o papel da polícia, fala de moradia, enfim critica todo o sistema capitalista. Bom. Porém, o capitalismo não vai mudar por conceitos. Para isso, é necessário enfrentamentos (com acertos e erros). Sua matéria tem valor apenas para discutirmos o método da greve da polícia e o papel da polícia no Estado de Direito. Mas é muito essencialista. Aproxime mais do concreto.
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0 #3 Greve dos policiaisEdmílson Martins 09-02-2012 20:55
Muito boa a análise.Realmente o sistema político e econômico brasileiro precisa mudar, porque só serve aos interesses do capital e é contra o povo.
Otra coisa: lamentavelmente a chamada esquerda está submissa ao sistema. Entregou os pontos. O povo precisa acordar,se organizar e lutar por sua liberdade. Chega de ser enganado.
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0 #2 Greve dos policiaisEdmílson 09-02-2012 20:47
Muito boa a análise. É isso mesmo. O que é preciso mesmo é mudar o sistema político, que está podre. Serve aos interesses do capital e é contra o povo.Os trabalhadores e todo o povo precisam acordar. E a chamada esquerda brasileira está submissa ao sistema, entregou os pontos.
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0 #1 Consciência de Classe?Albana Azevedo 09-02-2012 17:19
Achei o texto muito bom, didático e com bons argumentos em defesa de uma idéia, de um parecer.
Faço apenas uma ressalva quanto aos policiais não possuírem consciência de classe, enquanto justificativa para caracterizar enquanto motim o movimento e não greve. Acredito que em se tratando do Brasil, são pouquíssimos os trabalhadores que possuem consciência de classe. Assim sendo o movimento não se caracteriza também por ser uma greve? As universidades públicas é caracterizada enquanto aparelho de estado, a serviço de sua ideologia, ou não. Não defendo aqui de forma alguma a corporação repressiva das polícias no País, mas acho que temos que criminalizar a corporação e não o policial. Até onde me lembro trabalhador é toda aquele que vende sua força de trabalho, agora por outro lado a consciência de classe se forma a partir do conhecimento e da ação. O movimento da PM não poderia ir a médio e longo prazo neste sentido.
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