Do capital ao social
- Detalhes
- Frei Betto
- 02/11/2011
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, calcula que em 2010, através de programas sociais, o governo federal repassou a 31,8 milhões de brasileiros - a maioria, pobres - R$ 114 bilhões. Ao incluir programas de transferência de renda de menor escala, o montante chega a R$ 116 bilhões.
Este valor é mais que o dobro de todo o investimento feito pelo governo no mesmo ano - R$ 44,6 bilhões, incluindo construção de estradas e obras de infra-estrutura.
Os R$ 116 bilhões foram destinados à rede de proteção social, que abarca aposentadoria rural, seguro-desemprego, Bolsa Família, abono salarial, Renda Mensal Vitalícia (RMV) e Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esses programas abocanharam 3,1% do PIB.
A RMV, criada em 1974, era um benefício previdenciário destinado a maiores de 70 anos ou inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que não exerciam atividades remuneradas, nem obtinham rendimento superior a 60% do valor do salário mínimo. Também não poderiam ser mantidos por pessoas de quem dependiam, nem dispunham de outro meio de prover o próprio sustento.
Em janeiro de 1996, a RMV foi extinta ao entrar em vigor a concessão do BPC. Hoje, a RMV é mantida apenas para quem já era beneficiário até 1996. Já o BPC é pago a idosos e portadores de deficiências comprovadamente desprovidos de recursos mínimos.
Há quem opine que o governo federal “gasta” demais com programas sociais, prejudicando o investimento. Ora, como afirma Lula, quando o governo canaliza recursos para empresas e bancos, isso é considerado “investimento”; quando destina aos pobres, é “gasto”...
O Brasil, por muitas décadas, foi considerado campeão mundial de desigualdade social. Hoje, graças à rede de proteção social, o desenho da pirâmide (ricos na ponta estreita e pobres na ampla base) deu lugar ao losango (cintura proeminente graças à redução do número de ricos e miseráveis, e aumento da classe média).
Segundo o Ipea, entre 2003 e 2009, 28 milhões de brasileiros deixaram a miséria. Resultado do aumento anual do salário mínimo e da redução do desemprego, somados ao Bolsa Família, às aposentadorias e ao BPC.
A lógica capitalista considera investimento o que multiplica o lucro da iniciativa privada, e não o que qualifica o capital humano. Essa lógica gera, em nosso mercado de trabalho, a disparidade entre oferta de empregos e mão-de-obra qualificada. Devido à baixa qualidade de nossa educação, hoje o Brasil importa profissionais para funções especializadas.
Se o nosso país resiste à crise financeira que, desde 2008, penaliza o hemisfério Norte, isso se deve ao fato de haver mais dinheiro em circulação. Aqueceu-se o mercado interno.
Há queixa de que os nossos aeroportos estão superlotados, com filas intermináveis. É verdade. Se o queixoso mudasse o foco, reconheceria que nossa população dispõe, hoje, de mais recursos para utilizar transporte aéreo, o que até pouco tempo era privilégio da elite.
Há, contudo, 16,2 milhões de brasileiros ainda na miséria. O que representa enorme desafio para o governo Dilma. Minha esperança é que o programa “Brasil sem miséria” venha resgatar propostas do Fome Zero abandonadas com o advento do Bolsa Família, como a reforma agrária.
Não basta promover distribuição de renda e facilitar o consumo dos mais pobres. É preciso erradicar as causas da pobreza, e isso significa mexer nas estruturas arcaicas que ainda perduram em nosso país, como a fundiária, a política, a tributária e os sistemas de educação e saúde.
Frei Betto é escritor, autor de “Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Vozes), entre outros livros.
Página do autor: http://www.freibetto.org/
Twitter:@freibetto
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)
Comentários
Devias entender que "o caminho percorrido é mais importante que o local a se chegar".
Pense nisso e ajude na caminhada, em vez de atrasá-la com "impressões" equivocadas e sem lastro na realidade.
Contudo não posso deixar de criticá-lo por esse texto.
Aqui o senhor apela... "O Brasil, por muitas décadas, foi considerado campeão mundial de desigualdade social. Hoje, graças à rede de proteção social, o desenho da pirâmide (ricos na ponta estreita e pobres na ampla base) deu lugar ao losango (cintura proeminente graças à redução do número de ricos e miseráveis, e aumento da classe média)."
Foi pra rir?
Devagar vamos construindo o socialismo. Já estou vendo os esgares de desprezo e cinismo sobre o que escrevo, se é que vou merecer até isto. Mas se eu me descobrir equivocada, não faço cerimônia para me retratar e admitir o meu erro com muita humildade.
Frei Beto: Que Deuis o perdoe, pois eu não tenho esta intenção. A meu ver, o sr. com esta conversa mole beira a fronteira entre Conservadorismo e os inimigos de Classe.
Parece o stédile que, acho que por falta de assunto, escreve um artiguinho na caros amigos, solicitando a queda dos juros, algo requentado e que já está, de forma lenta nas intenções do governo, e que não trará muitos benefícios, póis virá de forma 'solteira'.
Da mesma forma que alguns petistas que se dizem de esquerda, ap´´os anos de ocupação do Haiti pelas tropas brasileiras (igualzinho a ida à República dominicana, décadas atrás, quando todos sabem que o governo já planeja isso.
jogar para a platéia é o esporte preferido da Ex esquierda corporation W.C.
Quero ver se dia 05 de Nov os petistas vão se dizer contra o envio de tropaspa a a fronteira da Síria e se vão retirar o apoio do PT ao governo do RJ, de Sergio Cabral Filho, que têm como esporte favorito lançar as forças da repressão contra as comunidades pobres, inclusive as removendo de forma fascista.
Vão jogar para a platéia assim na praia dos ossos.
Assine o RSS dos comentários