Correio da Cidadania

Lembranças de Getulio Vargas

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A recente exumação do corpo de Salvador Allende, presidente do Chile, comprovou o seu suicídio no Palácio de La Moneda, bombardeado pelos golpistas em 11 de setembro de 1973. Em discurso ao povo na sacada do palácio, ele disse “Pagarei com minha vida a lealdade do povo”.

 

Getulio Vargas deu um tiro no próprio coração na manhã de 24 de agosto de 1954, no Palácio do Catete, quando estava em processo de deposição pelos militares: “Aos que pensam que me derrotaram, respondo com minha vitória”, disse em sua Carta-Testamento.

 

Vargas e Allende são dois mártires da emancipação política, social e econômica do Brasil e do Chile.

 

Vargas iniciou seu governo após vitória da Revolução de 30 no contexto da Grande Depressão norte-americana de 1929, que afetou duramente a economia cafeeira, então nossa maior riqueza. Usando o poder com invulgar competência, conseguiu superar as dificuldades econômicas e transformar o Brasil agrário em uma nação industrial.

 

É fascinante examinar os acontecimentos verificados no período de 1930 a 1945, em que se agiganta a atuação de Vargas e sua excepcional habilidade em fazer os contrários conviverem no seu governo, inimigos se tornarem amigos, correligionários se afastarem retornando depois. Soube jogar com as ambições satisfeitas e amenizar a frustração dos anseios contrariados. Sempre foi magnânimo com os inimigos derrotados, concedendo-lhes anistia ou facilitando o exílio.

 

Sem provocar a ira patronal, outorgou ao país legislação social e trabalhista ainda moderna em nossos dias. Com pertinácia e exercício de incontestável autoridade, aplacou regionalismos e assegurou a unidade nacional, fortalecendo as Forças Armadas e minimizando o poder bélico das polícias militares estaduais.

 

Enfrentou com bravura e destemor a Revolução Constitucionalista de 1932, a Intentona Comunista de 1935, o Levante Integralista de 1938. Assumiu sem hesitação as responsabilidades históricas do Estado Novo, em 1937, e da declaração de guerra à Alemanha e à Itália em 1942.

 

No plano econômico, a criação da Companhia Vale do Rio Doce, que se tornou a segunda maior empresa mineral do mundo, a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda e a fundação da Petrobras tornaram-se marcos definitivos da soberania nacional.

 

Com esses três grandiloqüentes exemplos, nem seria preciso falar na criação em 1937 da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI) do Banco do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e do Banco do Nordeste, em 1952, e da Eletrobrás, proposta em 1963.

 

Cabe lembrar o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) instituído por Vargas, em 1938, que estabeleceu a competência como critério de admissão através do concurso público e o mérito como regra para promoção. Enquanto existiu, o DASP representou poderoso instrumento para aprimorar padrões administrativos e controles sobre a máquina burocrática.

 

Na área política, Getúlio foi um mestre inconfundível, cujos exemplos de sabedoria e de espírito público são inigualáveis. A chefia da Revolução de 1930, eleição indireta para presidente em 1934, Estado Novo em 1937, posicionamento na 2ª Guerra Mundial e os desdobramentos desses fatos marcantes encerram lições que não se apagarão jamais da memória nacional.

 

Enfocando a ideologia, Vargas era nacionalista, mesclando seu significado com o vocábulo patriotismo. Aí reside, a meu ver, a maior contribuição de Getúlio Vargas ao Brasil.

 

Da mesma forma que no Império o Duque de Caxias assegurou, com a espada e o respeito aos derrotados, a nossa unidade territorial, na República, Vargas garantiu a unidade nacional.

 

Até 1937, em vários estados reverenciavam-se mais a bandeira e os hinos estaduais do que o pavilhão e o hino nacionais. As polícias militares tinham forte poder bélico e não se subordinavam ao Exército.  Isso ocorria na antevéspera da 2ª Guerra Mundial, que ameaçava atrair para nossa terra a luta ideológica entre o nazi-fascismo e o comunismo.

 

Para inverter a situação, tornou-se necessário radicalizar, com a queima das bandeiras estaduais no “Panteão da Pátria”, o enquadramento das polícias militares, a proibição de escolas em língua estrangeira e a ênfase no culto aos símbolos nacionais.

 

Registre-se que com o término da guerra, em 1945, e a reconstitucionalização do país, em 1946, os símbolos dos estados voltaram a ser reverenciados, como é justo e normal, respeitada a superior hierarquia dos emblemas nacionais.

 

Para levar ao extremo sua devoção à Pátria, Getúlio combateu o comunismo e o nazismo, por não concordar com seus conceitos e, principalmente, pelo seu caráter internacionalista.

 

Da mesma forma que se opunha ao liberalismo, repudiou sem vacilação o neoliberalismo, que também é internacionalista, por subjugar as nações periféricas ao imperialismo tecnológico, econômico e político dos países hegemônicos.

 

O estadista Getulio Vargas é exemplo para as gerações futuras de clarividência e de honestidade: em 19 anos como presidente da República e 45 anos de vida pública, deixou apenas os bens recebidos de herança de seus pais e seu apartamento no Rio, financiado pela Caixa Econômica Federal.

 

Léo de Almeida Neves é membro da Academia Paranaense de Letras, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-deputado federal.

 

 

 

 

 

 

 

 

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