Correio da Cidadania

Socialismo e poder político

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Toda transformação mais ou menos profunda nas condições materiais e nos valores que norteiam a existência das sociedades humanas, desde o surgimento da propriedade privada, do escravismo e das primeiras cidades, há mais de 5 mil anos, tem contado com o papel decisivo do poder político, seja a favor ou contra. Esse papel, ao que se saiba, ainda não se esgotou. Em conseqüência, falar em socialismo sem tratar do poder político é o mesmo que falar em comida sem tratar de agricultura.

 

Ao falarmos de poder político, referimo-nos tanto às formas de transformá-lo, quanto às formas e conteúdos que tal poder deve assumir para realizar sua missão histórica. E, também, às contingências econômicas, sociais, culturais e políticas que interferem naquelas formas e conteúdos, em contraposição ao próprio poder político, modificando suas metas e o papel esperado dele.

 

Sem levar em conta tais contingências, não podemos explicar como a monarquia e a república, mesmo havendo surgido em momentos históricos diferentes, mas tendo por base formações sociais escravistas, puderam adaptar-se a formações feudais e capitalistas, a primeira, e ao capitalismo e ao socialismo, a segunda. Ou entender como a democracia grega antiga, governo do povo em assembléia, que excluía do povo os escravos, e era exercida para manter o domínio econômico e social de uma parte dos homens livres sobre os cativos e os pobres livres, pode ressurgir, 2 mil anos depois, como conteúdo da luta da burguesia e das camadas populares contra o sistema feudal.

 

São essas mesmas contingências que explicam como e por que a democracia republicana do capitalismo limitou a participação popular a apenas alguns aspectos políticos, excluindo-a dos benefícios econômicos e sociais. E como as lutas e revoluções socialistas, mais de cem anos depois, recolocaram como meta a extensão do conteúdo democrático a todos os aspectos da sociedade, logo depois frustrando seu alcance pelo socialismo soviético, ao mesmo tempo em que contribuíam para que o capitalismo permitisse, mesmo parcialmente, a extensão do conteúdo democrático a alguns outros aspectos de seu sistema, além do voto.

 

Desse modo, a questão do poder político é central em qualquer estratégia que tenha em vista o socialismo, abrangendo a transformação do poder político capitalista e sua colocação a serviço do povo e dos trabalhadores, cujo eixo principal consiste na radicalização da democracia, ou construção de mecanismos de participação democrática crescente das grandes camadas da população no poder de Estado.

 

Portanto, se temos em vista a questão e suas contingências, é ilusão voluntarista estabelecer formas rígidas para as transformações necessárias e para a radicalização da democracia. Quem dera se se pudesse estabelecer imediatamente a igualdade, a participação ampla, a liberdade e a solidariedade universal? Elas dependem de muitos fatores, que transcendem nosso simples desejo, e demandam tempo e suor.  Sem uma visão clara a respeito, qualquer socialismo corre o risco de resvalar, tanto para o democratismo caótico, quanto para o autoritarismo, ambos representando as duas faces de um mesmo problema.

 

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

 

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