Correio da Cidadania

Episódios Neocoloniais: Acaparamento de Terras

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Este artigo visa repercutir denúncia feita por organizações camponesas e de direitos humanos, especialmente a Via Campesina, sobre o grave e preocupante processo de acaparamento (1) de terras atualmente em curso em vários países e continentes. Assuntos como esse, por motivos e interesses óbvios, não são tratados devidamente pela grande mídia. Esta se ocupa mais em desqualificar e demonizar as manifestações dos movimentos sociais.

 

Em 17 de abril, “Dia Internacional das Lutas Camponesas”, documento da Via Campesina alertava: “No puede haber justificaciones para el acaparamiento de tierras, dicen los movimientos sociales y las organizaciones de la sociedad civil, al Banco Mundial, a las agencias de Naciones Unidas y a los gobiernos”(2).

Comentaremos dois aspectos do documento: seu motivo e seus destinatários.

O que levou a Via Campesina e outras entidades a assim se manifestarem?

O fato é que, atualmente, governos de países abastados (China, países árabes, Coréia, entre outros), fundos de investimentos, companhias transnacionais do ramo de alimentos, indústria química e farmacêutica, além de grandes empresas de mineração e de transporte, estão arrendando e/ou comprando dezenas de milhões de hectares de terras boas, muitos deles irrigados, na Ásia, África e América Latina. O objetivo dessas operações comerciais é especular e/ou produzir monoculturas (agrocombustíveis, soja, celulose), carnes e outros alimentos para seus países, em detrimento dos pequenos agricultores locais. Henk Hobbelink, do GRAIN, esclarece que essas aquisições de terras em grande escala objetivam abrir novos espaços para a agricultura industrial voltada, prioritariamente, para as exportações. Esses plantios, em geral, se caracterizam pela utilização de plantas transgênicas, vinculadas ao uso de agrotóxicos específicos, patenteados pelas poucas e podereosas multinacionais do setor.

 

Os informes provenientes das regiões mais afetadas esclarecem que as comunidades locais estão sendo massivamente despojadas de suas terras, ou seja, de suas únicas fontes de segurança alimentar e de vida. O caso do Brasil é emblemático. Maria Luiza Mendonça, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, afirmou que “a nova onda de acaparamentos de terras terá efeitos devastadores na Amazônia e no Cerrado” e sobre as condições de vida das populações tradicionais (camponeses e indígenas). Além disso, em nosso País, o acaparamento será facilitado pelas absurdas alterações do Código Florestal  atualmente em fase de votação no Congresso Nacional.

 

O documento da Via Campesina também informa que “pelo menos 50 milhões de hectares de boas terras agrícolas — suficientes para dar de comer a 50 milhões de famílias na Índia — foram transferidas dos camponeses para as corporações nos últimos anos”. Tudo indica que esse processo continuará a ocorrer e de forma acelerada. A atual alta dos preços de alimentos no mercado internacional é um dos fatores que explicam essa aceleração.

 

Por que a Via Campesina se dirige especificamente ao Banco Mundial, às agências da ONU e aos governos?

 

O processo de acaparamento de terras chegou a tal magnitude que passou a despertar desconfianças e críticas. Frente ao fato, as instituições internacionais, governos e capitais, interessados no acaparamento, viram-se na necessidade de camuflar os evidentes efeitos danosos aos países e suas populações mais pobres. Para tanto, entre 18 e 20 de abril, por ocasião da Conferência Anual do Banco Mundial sobre Terra e Pobreza, reuniram-se, em Washington DC, investidores, funcionários governamentais e pessoal dos organismos internacionais, com a finalidade de discutirem como operacionalizar uma proposição denominada “Princípios para a Inversão Agrícola Responsavel (PIAR)”. Os principais promotores dos “Princípios” foram: Banco Mundial, União Européia, Estados Unidos, Japão, Suíça, G8, G20, o Fundo Interacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Organização de Agricultura e Alimentação (FAO) e a Conferência das Nações Unidas sobe Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

 

Trata-se de documento com sete princípios que os investidores podem ou não obedecer quando realizarem aquisições de terras agrícolas em grande escala.

 

Além de meramente indicativos (voluntários), os princípios são ridiculamente gerais e  etéreos – soam cândida ingenuidade. Servem apenas ao objetivo de dar aparência de legitimidade ao acaparamento de terras (vide: Es hora de prohibir el acaparamiento de tierras, no de darle una fachada de “responsabilidad”- http:www.grain.org ).

 

O processo de acaparamento de terras aqui descrito, bem como o comportamento das instituições internaconais acima destacado, constitui uma das facetas do chamado agronegócio internacional, por sua vez, parte integrante da atual fase de expanção do capital financeiro, conhecida como “globalização da economia”. Trata-se de mais um episódio neocolonial. Visa o domínio de toda a cadeia da produção alimentar.

 

Tem razão a Via Campesina quando afirma: ¡No al «acaparamiento de alimentos» por las naciones más ricas del mundo! (Comunicado de Prensa - La Via Campesina;  Yakarta, 16/06/2011).

 

“Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra” (Profecia-lamentação de Isaías 5,8).

 

Notas:

 

(1) - Acaparar significa: fazer ou ter monopólio de; açambarcar,

abarcar, monopolizar (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

 

(2) - Signatários do documento: La Via Campesina - Indonésia; GRAIN - Canadá; Focus on the Global South  - Tailândia;  Amigos de la Tierra Internacional - Reino Unido;  FIAN - Alemanha; Rede Social de Justiça e Direitos Humanos – Brasil.

  

José Juliano de Carvalho Filho, Elisa Helena Rocha de Carvalho, Andrea Paes Alberico, Guga Dorea, João Xerri e Thomaz Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim da Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.
Artigo publicado na edição de junho de 2011 do Boletim Rede.

 

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