Correio da Cidadania

Reduzir a idade penal não é solução

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A década de 60, com as conseqüências do pós-guerra, foi mundialmente marcada pelo surgimento de inúmeros movimentos sociais em defesa dos direitos da criança e do adolescente. Para o Direito, esse processo resultou na necessidade de repensar a forma de compreender a adolescência. A Psicologia passou a destinar atenção maior à fase da adolescência, transformando-a em alvo de pesquisas e reflexões teóricas.

 

Dessa forma, impulsionados pela nova visão trazida pela Psicologia e pelo Direito, juristas, políticos e educadores passaram a compreender a criança e o adolescente como sujeitos em formação merecedores de práticas educativas diferenciadas.

 

No Brasil, porém, esse caminho foi lento, tendo seu início em 1979 com a criação do Código de Menores. Somente em 1989 a Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Organizações das Nações Unidas marcou definitivamente a transformação das políticas públicas voltadas a essa população, culminando assim na criação, em 13 de julho de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que adotou a chamada Doutrina da Proteção Integral, cujo pressuposto básico afirma que crianças e adolescentes devem ser vistos como pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral.

 

A violência dos dias atuais não tem raízes na afirmação dos direitos das crianças e dos adolescentes consagrados na Constituição e no ECA, mas em causas relacionadas à cultura da violência arraigada na sociedade brasileira, onde prevalecem as desigualdades, a discriminação e a injustiça. É preciso, pois, resgatar os valores humanos, a dignidade das pessoas, o respeito, a ética e o cuidado com a coisa pública. A pobreza, mas não só ela, também é uma das causas da desagregação familiar, da vulnerabilidade e do risco social, especialmente para crianças e adolescentes, facilitando a sua cooptação e ingresso no mundo do crime.

 

Em vez de a sociedade colocar os jovens mais cedo nas cadeias e deixá-los mais tempo nelas, dever-se-ia investir na prevenção, qualificando as políticas públicas, principalmente o sistema educacional, de modo que as crianças entrem cada vez mais cedo na escola e saiam cada vez mais tarde dela. A prevenção passa, igualmente, pela oferta de serviços socioassistenciais que possam garantir atenção integral às famílias que necessitam de assistência social. Passa pelo crescimento econômico com distribuição de renda, gerando os empregos necessários que incorporem os jovens ao mercado de trabalho, principalmente nas periferias das grandes cidades, mas passa também pela oferta de alternativas culturais e esportivas atraentes à juventude.

 

Adolescentes entre 16 e 18 anos, pobres, negros ou pardos e fora da escola formam o perfil da população encarcerada nos estabelecimentos de internação juvenil, que deveriam ter caráter educativo. Em vez de reduzir indevidamente a idade penal, é preciso adotar métodos mais eficazes de ressocialização para além da internação, efetivando o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), aprovado pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

 

Em verdade, se o Congresso Nacional aprovar a redução da maioridade penal, estar-se-á mais que ferindo cláusula pétrea constitucional, favorecendo a desproteção da infância e a adolescência no Brasil. É preciso, pois, mobilizar a sociedade e o poder público para que todos cumpram o disposto na Constituição Brasileira (art. 227) que considera “dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

 

 

Osvaldo Russo, estatístico, é ex-chefe de gabinete do Ministério da Educação e ex-secretário nacional de Assistência Social.

 

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