Correio da Cidadania

Stella, estrela-mãe

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Minha mãe, Maria Stella Libanio Christo, aos 93 anos saiu do casulo e virou borboleta, no domingo, 19 de junho. Partiu ao encontro do Amado, pois nela transparecia, a quem a conheceu, profunda intimidade amorosa com Deus.

 

Militante da Ação Católica desde a juventude até março deste ano, participou de reuniões e atividades da Renovação Cristã.

 

Todos que a conheceram deixaram-se encantar por sua bondade, sua leveza de espírito, seu savoir vivre e o bom humor com o qual encarava a vida e suas adversidades. Repetia sempre: sofrimento não se reparte, alegria sim.

 

Gostava de sair à noite, bebericar uma caipirinha, ir ao cinema e ao teatro. Leitora voraz, assinava dois jornais e preferia romances e biografias a ensaios.

 

Aos 60 anos, descobriu sua vocação literária. E a utilizou para propagar seus talentos culinários. Enfiou-se pelo interior de Minas, percorreu sítios e fazendas, fez entrevistas, coletou velhos e engordurados cadernos de receitas, adquiriu livros raríssimos de culinária brasileira, como O cozinheiro nacional (1885), o segundo livro de gastronomia publicado no Brasil.

 

Pesquisou três séculos da cultura mineira e publicou o clássico “Fogão de Lenha – 300 anos de cozinha mineira” (Garamond). Vieram em seguida mais sete livros sobre os prazeres da mesa.

 

Convidada a demonstrar sua arte culinária em outros países, cozinhou para chefes de Estado e autoridades, diplomatas brasileiros e participantes de festivais de gastronomia na Itália, França, Áustria, Rússia e Cuba.

 

Em Belo Horizonte , onde residia, deu curso de culinária para varredoras de rua, do qual resultou o livro “Cozinha Popular” (Vozes). A renda de “Hora do Lanche”, com receitas leves para substituir o jantar, ela doou para a reeducação de meninos de rua.

 

No grupo escolar do bairro Nova Cintra, na capital mineira, minha mãe encontrou mulheres em tratamento psiquiátrico provocado pelo trauma da falta de comida em casa. Organizou com elas uma horta comunitária, que abasteceu as famílias e proporcionou a venda dos produtos excedentes na porta da escola.

 

Mulher doce, afável, cativante, encarava pessoas e situações sempre pelo lado positivo. Nada parecia transtorná-la. Mostrava-se sempre de bem com a vida e, em cinco minutos, ficava amiga de infância de quem acabara de conhecer.

 

Transvivenciou como viveu: em casa, cercada pelos filhos e parentes, na suavidade do vôo de um pássaro exaurido em seu canto. Sabia que seu fim chegara e dizia que a hora demorava a chegar. “São Pedro perdeu minha ficha”, queixava-se.

 

Certa madrugada, há poucos dias, desculpou-se por ter me acordado. Disse estar feliz por ver os filhos todos unidos e que desejava partir... “Partir para onde?”, perguntei. “Para lá”... e apontou para o alto. Respondi que não era hora ainda. Não devíamos nos antecipar aos desígnios de Deus.

 

Casada durante 63 anos, deixou sete filhos, 16 netos e 15 bisnetos. Maior que a dor da perda é a gratidão a Deus pelo dom de uma vida tão plena em dedicação, realizações e fé, e dos frutos que semeou.

 

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Maria Stella Libanio Christo, de “Fogãozinho – culinária em histórias infantis” (Mercuryo Jovem), entre outros livros.

 

Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

Comentários   

+1 #5 ComoventeRaymundo Araujo Filh 03-07-2011 00:49
Não há divergência política que impeça que nos emocionemos com uma Declaração de Amor desta magnitude.

Mas, acho que Frei Beto não devia restingir esta linda homenagem a esta grande mulher que foi D. Stella, aos desígnios do Copy Right excludente.

Ninguém deveria pedir licensa, seja para quem for, para divulgar este artigo de Frei Beto.
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+1 #4 Stella,estrela mãeEvy Maria 30-06-2011 22:55
Belíssimo o que escreveu sobre sua mãe,certamente ela gostou e se sentiu orgulhosa, mais esta ,dentre tantas outras oportunidades em que se encheu de orgulho pelo filho brilhante que é!A saudade, de hoje em diante ,será sua companheira mas como já se disse :"Não morre quem nos outros vive,não morre quem nos vivos vive"
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+1 #3 Que bela história de vida!João Rodrigues 30-06-2011 15:24
Antes de mais nada, meu pêsames Frei Betto. Como eu dizia, que bonita história essa da sua agora falecida mãe. Se vê que era uma mulher de fibra, brasileira, simples como toda mãe que ama intensamente seus filhos; que realmente sabe o valor de uma família unida, e que sabe também que é necessário uma boa educação cristã. Bonita história!
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+1 #2 SentimentosCarlos 29-06-2011 13:17
Betto, meus sentimentos.
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0 #1 Linda Stella no céuMaria Angela Abduch 29-06-2011 12:54
Muito lindo o texto e muito linda sua mãe.
Obrigada
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