Correio da Cidadania

O livro didático adotado pelo MEC e o ensino da Língua Portuguesa

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Segundo Carmi Ferraz Santos (2002, p. 30), "nos últimos 30 anos, surgiu uma ampla literatura na qual se discutiu o modo como vinha se processando o ensino de língua materna no Brasil. Havia nestes trabalhos a preocupação de não apenas criticar as práticas de ensino de língua portuguesa presentes na escola, mas, sobretudo apontar questões de nível conceitual e metodológico na direção de uma nova forma de se conceber o ensino".

 

Nessa perspectiva, percebemos, nas últimas décadas, uma substancial mudança nos parâmetros norteadores do ensino de Língua Portuguesa e, por conseguinte, na metodologia de ensino dessa disciplina. Mas, será que essas mudanças têm sido aceitas pela sociedade?

 

Neste mês, um livro adotado pelo MEC (Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender) tornou-se objeto de inúmeras discussões, causando muita polêmica e recebendo críticas de diversos setores da sociedade. As críticas devem-se ao fato de as autoras abordarem um fenômeno linguístico que todas as pessoas fazem uso, a variação linguística.

 

Em outras palavras, o fato de adequar a fala ao momento comunicativo (situação comunicativa). Por exemplo, a linguagem que utilizamos em momentos informais (conversas com parentes, vizinhos, amigos etc.) não é a mesma que utilizamos em momentos que requerem os usos formais da língua (apresentação, entrevista de emprego etc. (ALKMIM, 2003)).

 

Em geral, os momentos informais permitem construções que fogem da Gramática Normativa. São exemplos desse fenômeno: o tá (em detrimento do está), o pra (em detrimento do para), o uso de marcadores conversacionais da oralidade etc. Todos esses fenômenos surgem da informalidade do momento comunicativo.

 

Tal temática seria o que a Linguística, mais especificamente, a Sócio-lingüística, conceitua como variação situacional (ou também variação estilística ou de registro), por meio da qual o falante usa a língua de acordo com o ouvinte ou com o momento comunicativo (ALKMIM, 2003). Essas são as CERTAS OCASIÕES a que a autora faz alusão no livro didático em questão. Durante décadas, esses fenômenos linguísticos não obtiveram explicações. Por esse motivo, eram caracterizados como erros (e ainda são).

 

Entretanto, a partir da década de 80, diversos estudos linguísticos (Estudos do Funcionalismo, da Linguística Textual, da Análise do Discurso, da Pragmática e da Sócio-lingüística) ganham evidência e, sobretudo, se refletem na metodologia de ensino de Língua Portuguesa, o que ocasionou diversas alterações na maneira de ensinar a língua (seja ela portuguesa ou estrangeira). Todos esses estudos refletiram-se não só na metodologia de ensino, mas também nos manuais didáticos.

 

Além disso, a temática da variação situacional, ou melhor, o uso de certas construções lingüísticas em determinados momentos comunicativos vem sendo abordado por diversos processos seletivos, tais como em provas de vestibular e, acima de tudo, no ENEM. As mais recentes provas de Língua Portuguesa do ENEM trazem questões com situações reais de comunicação que abordam a diferenciação da linguagem formal e informal em função do momento comunicativo. Tais questões requerem que o aluno perceba as marcas de informalidade, como é o caso do "tá, em detrimento do está".

 

Em virtude disso, não há como deixar de abordar esses fenômenos linguísticos nos manuais didáticos. Primeiramente, pelo fato de o ensino de Língua Portuguesa ter como objetivo formar um falante competente, isto é, um falante que esteja apto a utilizar a língua de forma heterogênea. Segundo, pois é função social da escola preparar o aluno para os mais diversos momentos com os quais ele irá se deparar na sociedade, como, por exemplo, processos seletivos etc.

 

E se tais conteúdos (a temática da variação situacional) estão sendo cobrados nesses processos seletivos, nada mais justo que eles sejam abordados na sala de aula. Por essa razão, não há como deixar de abordar esses fenômenos linguísticos nos manuais didáticos (gramáticas e livros escolares). Em função disso, a autora aborda esses usos linguísticos no livro didático em foco.

 

Referências:

 

(1) SANTOS, Carmi Ferraz. A Formação em Serviço do Professor e as Mudanças no Ensino de Língua Portuguesa. ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.3, n.2, p.27-37, jun. 2002.

 

(2) ALKMIM, Tânia Maria. Sócio-lingüística. In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introdução à Linguística. São Paulo: Cortez, 2003.

 

Silvio Profirio da Silva é aluno do curso de licenciatura em Letras da UFRPE.

Comentários   

0 #9 ELOGIOS AO ARTIGO E A ESCOLHA DA PAUTA SOBRE EDUCAÇAOSandro Santos 25-06-2011 22:48
Estimados senhores

Escrevo esse e-mail para elogias a escolha das pautas relacionadas à educação. Gostei muitos de vários artigos que falam sobre a area da educação. Alguns deles argumentavam sobre o livro acolhido pelo MEC. Gostei muito destes artigos e gostei ainda mais da iniciativa deste jornal de incluir o tema da educaçao em suas pautas. Acredito que necessitamos discutir mais os problems relacionados a educaçao e discutir criticamente como fazem alguns autores, tendo amparos e respaldos teoricos, e nao como diversos textos que estavam na midia que só reproduziam o que estava escritos em outros sites. mas de teoria da area de letras nada. Nada que explicasse por quial motivo as autoras inserem essa variaçao linguistica nos livros didáticos, conforme fala o autor do artigo de um dos artigos publicados “O livro didático adotado pelo MEC e o ensino da Língua Portuguesa”.

Att,
Sandro Santos
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0 #8 Mais educaçãoSandro Santos 25-06-2011 22:35
Gostei muito deste artigos e gostei ainda mais da iniciativa deste jornal de incluir o tema da educaçao em suas pautas. Acredito que necessitamos discutir mais os problems relacionados a educaçao e discutir criticamente como faz esse autor, tendo amparos e respaldos teoricos, e nao como diversos textos que estavam na midia que só reproduziam o que estava escritos em outros sites. mas de teoria da area de letras nada. Nada que explicasse por quial motivo as autoras inserem essa variaçao linguistica nos livros didáticos, conforme o autor do artigo fala,
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0 #7 PositicoMaria Lins da Silva 25-06-2011 20:38
Muito positivo esse esclarecimento sobre esse livro acolhido pelo Mec
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0 #6 Muy boenoEdith Miranda 25-06-2011 04:59
Muy boeno esto texto. Habla de cuestiones recientes.
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0 #5 Texto esclarecedorRENATA LIMA MONTEIRO 25-06-2011 03:31
Muito bom esse texto, pois ele esclarece os fundamentos teoricos que guiarão as autores na elaboração dos conteúdos do livros. A maior parte das pessoas escrevem e criticam as autoras, mas ela nao escreveram um livro do acaso. Pelo contrario, por trás há uma formação docente de onde ela tiraram saberes para a profissao da escrita.

Muito bom o texto. Linguagem boa e de facil entendimento, até mesmo para quem não é da area de Letras.
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0 #4 RE: O livro didático adotado pelo MEC e o ensino da Língua PortuguesaEdith Frankenthal 10-06-2011 10:55
Volto à carga. Entrei no site "educacao..." e agradeço o acesso. Essa nova modalidade de ensino não oferece possibilidade de organização e está enveredando pelo mesmo mau uso que se fez e que se faz da gramática normativa: a teorização. O ensino da língua deve ser feito pela prática oral e escrita com fundamento teórico em Saussure e Chomsky. Edith Frankenthal
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0 #3 RE: O livro didático adotado pelo MEC e o ensino da Língua PortuguesaEdith Frankenthal 09-06-2011 15:13
Essa discussão começou mal pq muitos dos que criticaram o livro o fizeram de orelhada, sem ler o livro. Tentei ler, mas não tive acesso. De qq forma vc se desviou do foco central que se encontra no fato de que a linguagem informal é aprendida espontaneamente e, a meu ver, que ela seja instrumento de exames vestibulares e do ENEM é "o fim da
picada". É sabido, público e notório o nível de escolaridade dos alunos, principalmente do ensino fundamental e médio. A finalidade do ensino da língua portuguesa é propiciar a compreensão de um texto e desenvolver a capacidade de expressão, o que só pode ser cumprido por meio da sintaxe, da lógica, do aumento do vocabulário e da flexibilização da língua. Como o MEC é incompetente para fazer subir o nível do ensino, ele se prostra ao nível do aluno. Isso vai de encontro a interesses políticos: a manipulação é muito mais fácil. Usar da sociolinguística neste nível do ensino é como pedir a um pedreiro que construa um prédio. O prédio não vai se levantar. Edith Frankenthal, pós-graduada em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas, pela PUC/SP
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0 #2 RE: O livro didático adotado pelo MEC e o ensino da Língua PortuguesaAline 09-06-2011 14:11
parabéns pela manifestação como aluno! se ainda não conhece, sugiro que acesse educacaolinguistica.blogspot.c om e contribua com seus comentários e textos!
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0 #1 Bravo!!!Cerize Carla 09-06-2011 11:55
Quem vivencia um ensino de língua portuguesa preocupado em tornar nossos alunos aptos a conviverem linguisticamente nas mais diversas situações comunicativas sabe o quanto é importante contarmos com um livro didático que auxilie essa prática. Já estava mais do que na hora de abandonarmos esse "falso moralismo" da gramatica normmativa.
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