Correio da Cidadania

O tacão de ferro da realidade

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Ao que parece, uma parte da esquerda brasileira esperava que fosse possível realizar uma revolução não só cultural, mas também econômica e social, através do sistema eleitoral democrático instituído após o final da ditadura militar. Supunha que um governo de esquerda, eleito pelo voto popular, teria as condições de realizar as reformas estruturais há muito reclamadas pela sociedade brasileira.

 

Isso é o que ela esperava do PT, de Lula e, agora, de Dilma. Como tais reformas exigem muito mais do que vontade política, Lula não conseguiu fazê-las e Dilma encontra dificuldades da mesma monta, são classificados, por essa parte da esquerda, de traidores da causa popular e do socialismo. Portanto, nada mais natural que, a partir dessa premissa, militantes desse setor apelem aos céus e à terra para que, agora, o PT e Dilma sejam combatidos como os principais inimigos.

 

O que os coloca numa situação esdrúxula, se examinarmos com mais atenção a realidade que nos cerca. Do ponto de vista econômico, os principais instrumentos de produção estão sob o domínio do grande capital, a maior parte subordinada à voracidade do capital financeiro.

 

Um dos principais instrumentos com que poderia contar um governo democrático e popular para fazer frente ao poder econômico do capital, as estatais, foi brutalmente enfraquecido durante os 12 anos de governos neoliberais. E as pequenas burguesias industrial, agrária e comercial, que eventualmente poderiam se contrapor ao grande capital, também são relativamente fracas e, em grande parte, ligadas e dependentes do grande capital corporativo.

 

Portanto, do ponto de vista da correlação de forças econômicas, a hegemonia e o domínio do grande capital é evidente. É lógico que se a correlação de forças no campo social fosse predominantemente favorável às camadas democráticas e populares, com organizações sindicais, comunitárias e associativas fortes e combativas, aquela desvantagem no campo econômico poderia ser neutralizada e superada.

 

No entanto, o neoliberalismo também praticou um estrago considerável nessa área, através do desemprego e das ações de segmentação produtiva das corporações, causando uma fragmentação da força social dos trabalhadores industriais, inibindo qualquer movimento dos assalariados agrícolas, reduzindo consideravelmente a força do campesinato e desbaratando os movimentos sociais urbanos.

 

O decréscimo da mobilização social, iniciado em meados dos anos 1980, parece ainda não ter chegado ao fundo do poço. Só com a retomada recente do crescimento econômico, a força dos trabalhadores industriais começa a se recompor, criando as condições para uma nova retomada das lutas e para a ascensão da mobilização social, que depende fundamentalmente do amadurecimento da experiência e da consciência popular.

 

Portanto, bem vistas as coisas, a esquerda no Brasil chegou ao governo na contramão da mobilização social, um fenômeno que deveria ser analisado com mais atenção por todas as forças políticas democráticas, populares e socialistas. Em outras palavras, contrariando praticamente todos os manuais políticos, a esquerda democrática e popular brasileira vem crescendo quase na razão inversa da mobilização social.

 

Mas, também contraditoriamente, na razão direta do interesse político das camadas populares e da divisão política da burguesia. Foram essas condições especiais da realidade brasileira que firmaram, desde 1989, uma polarização política no país, deslocando imediatamente o PT para o carro chefe de um dos pólos à esquerda e, paulatinamente, a conjuração PSDB-PFL (este, depois, DEM) para a cabeça do pólo à direita.

 

Nesses últimos 20 anos, tem havido um esforço sem par dos principais ideólogos e representantes mais sensatos da burguesia para romper essa polarização e abrir brechas para uma terceira via. Com razão, eles enxergam que a polarização radicaliza o reacionarismo da direita, empurrando a esquerda não para o compromisso, mas também para a radicalização, ao mesmo tempo também em que empurra as forças de centro para a esquerda.

 

Basta analisar todas as campanhas eleitorais, desde 1989, para comprovar que os setores democráticos e populares mais conciliadores acabaram sendo empurrados mais para a esquerda em função da discussão política imposta pela direita reacionária. E basta analisar, também, o fracasso e a situação a que os projetos de terceira via foram levados ao se confrontarem com o férreo tacão dessa polarização.

 

Assim, olhando com realismo a correlação política de forças, não é difícil notar que há um equilíbrio instável entre o pólo à esquerda e o pólo à direita da sociedade, que dificilmente permitirá à esquerda no governo fazer o que lhe der na veneta. E, em certo sentido, a disputa polarizada que ocorre na sociedade se reflete dentro do governo de coalizão.

 

Nessas condições, enquanto as grandes massas populares não se puserem em movimento novamente, criando condições para o governo e a sociedade avançarem mais fortemente no rumo democrático e popular, e mesmo socialista, a esquerda continuará tendo dificuldades para carregar seus aliados por aquele rumo, e para modificar profundamente a correlação entre as forças políticas.

 

Nesse sentido, aquelas forças que pensam se opor à suposta conciliação burguesa do PT, Lula e Dilma, e voltam suas baterias contra o governo dirigido pelo PT, correrão sempre o perigo de se aliarem, mesmo contra a vontade, aos reais principais inimigos políticos do povo brasileiro, a conjuração PSDB-DEM. Essas são as imposições do tacão de ferro da realidade brasileira polarizada. Os discursos e ações da última convenção dos tucanos estão aí para não deixarem que nos enganemos a respeito.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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Comentários   

0 #11 Lelé e Da Cucaraymundo araujo 08-06-2011 17:29
Lélé e Da Cuca eram dois personagem humorísticos, representados por Jô Soares e Renato Côrtes Real. Apareciam fantasiados de Napoleão, montados em cavalos de pau, e travavam um diálogo onde não concatenavam nada, com coisa nenhuma.



Exatamente igual a este texto do WP sozinho, interpreta o papel dos dois humoristas, mas sem ter graça nenhuma, ao contrário, apenas expondo uma tragédia que é a Ex Esquerda Corporation S.A., tão bem representado aqui por WP.

Das duas uma: Ou WP resolveu conscientemente mentir deslavadamente, ou esteve morando em Marte, ao menos na última década.



De forma contumaz , porque generalizada, repete mentiras que dão enquadramento às suas teorias mirabolantes, com o intuito de justificar o injustificável, isto é, que Lulla e agora DiLLma trazem algum benefício ao Povo Brasileiro e ao desenvolvimento do Brasil.



Assim, usa os dois primeiros parágrafos de seu artigo, para acusar a todos, de posturas que apenas alguns podem ter, e mesmo assim, não é o importante da discussão, pois o foco da discussão é o que foi feito, e não o que poderia ter sido feito.

Depois, mente mais uma vez, tentando recriar a realidade, dizendo que Lulla foi eleito dentro de um declínio das movimentações sociais e atuação da sociedade civil organizada, e dizendo que “nada poderia ser feito, além disso”, sem esclarecer que o discurso da eleição de lulla, em 2002, não era outro senão a promessa de mudanças estruturais “com o apoio e mobilização popular”.



Quem não se lembra, além de WP (talvez estivesse já em Marte), dos tempos do Lula-Lá? Que até o MST tinha conquistado a sua inserção social, colocando a Reforma Agrária como um consenso, majoritariamente na sociedade brasileira?

Quem não se lembra que a eleição de Lula (ainda não Lulla, ao menos em atos) se deu sob forte impressão na sociedade que o projeto neoliberal não era adequado ao Brasil (assim como em qualquer país)? Quem não se lembra que a direita ideológica foi derrotada nas urnas, inclusive aqueles próceres do PMDB, como Sarney, Renan, Barbalho, Collor, entre outros, que não gozavam de boa imagem de forma clara, naquela altura.

Assim, bastaria um chamamento para a população organizar-se, atuar ativamente na exigência de seus direitos, que Lulla poderia ter avançado no que chamamos de Reformas Institucionais, que permitiriam a liberação de uma grande energia popular, para sustentar as ações institucionais do governo.

Portanto, não procede a mentira de WP que os Movimentos Sociais estavam em período de recuo. Nem em Marte!

Depois, WP lança uma pérola de retórica inócua (= sofisma) dizendo o óbvio de países capitalistas, ainda mais os sobre forte exploração das elites, desde os tempos das colônias, isto é, que “No Brasil,os principais instrumentos de produção estão sob o domínio do grande capital, a maior parte subordinada à voracidade do capital financeiro”.



E aí, inicia o desfiar de dificuldades estruturais que impediram algum avanço nas REFORMAS, tendo optado então, o governo, em inserir o Brasil no processo de Desenvolvimento Global, aprofundando o Brasil no regime de exploração capitalista atual, com a superação dos direitos sociais e muitas outras coisas, além da “distribuição de riquezas prá ingrês ver”.



O que WP não escreve, é que a “fase” Lulla, sucedendo a “fase” FHC (a do arrocho total= sístole) tinha sido determinada em 1992, no Encontro Interamericano para o Desenvolvimento das Américas, do qual Lulla participou como representante da AFL – CIO de seu amigo íntimo Stanley Gaceck (leiam Lulla e Stanley Gaceck - http://titaferreira.multiply.com/recipes/item/101, no qual este período de diástole (benefícios sociais para os indigentes e empregos de baixa remuneração e não industrial ) já tinha sido proposto por Kissinger, anos antes.



Depois, o nosso Wladimir “Lelé e Da Cuca” Pomar, nos diz que é o processo de inclusão feito por Lulla é o que dará condições para as movimentações das massas, para que o governo possa avançar. Não é isso que acontece. Os Bombeiros e os e os trabalhadores de Jirau, por exemplo, nos mostram que aqueles Movimentos Socias ligados aos sindicatos, Igrejas e ONGs “amigas” estão acomodados, além da “militância” petista estagnou-se, a ponto do presidente do PSOL RJ, o Milton Temer, ter feito um apelo para que ela se mobilize, talvez atestando o fracasso da experiência PSOLISTA, o primo pobre do PT. Além do que, o que há, por parte do governo, que Pomar diz estar pronto para “avançar”, é a mais pura repressão aos trabalhadores, além do neglicenciar no campo, obtendo os quatro assassinatos dos trabalhadores rurais, por estes dias.



E, WP termina seu artigo como um “Pedro Pedreiro esperando um trem”, avisando que “enquanto as massas não reiniciarem os seus movimentos, o governo nada vai pode fazer”, sem explicar que elas estavam prontas para as fortes mobilizações, e que seriam em defesa de um governo a seu favor, mas foram postas em casa pelo próprio Lulla, com o auxílio de seus Anestesistas Sociais (destaque para WP), para distribuir R$20 Bi para “acabar com a pobreza extrema”, enquanto repassa R$200 Bi (dados da ONU-IPEA), para a riqueza extrema.



Papo furado tem hora, WP!
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0 #10 RE: O tacão de ferro da realidadeMaurício 07-06-2011 18:32
Caros
Acho o texto do Wladimir uma boa base para se iniciar uma discussão sobre os dilemas e limites do Governo Lula e Dilma. Esses governos buscaram fazer demarcações políticas dentro de uma correlação de forças engessado na dinâmica das pressões existentes. Claro que os setores populares até por instinto reconhecem isto o que joga no isolamento e numa postura ahistórica os pequenos grupos mais a esquerda, apesar de alguns acertos teóricos. Guardando as proporções, na revolução russa houve dentro do processo revolucionário uma substituição das classes pelos partidos em seguida pelos bolcheviques, depois pelo comitê central, o politbirô e finalmente Stalin. Todos se autonomearam falando em nome da classe trabalhadora e perderam a perspectiva democrática da revolução. Parabéns ao Pomar e sugiro debater os movimentos da africa e europa que chega jájá nas américas
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0 #9 Considerações sobre a realidadeVictor Emmanuel 05-06-2011 12:06
Wladimir Pomar esquece (ou faz questão de não lembrar) que se a conjuntura é estremamente desfavorável para um governo de esquerda, o PT contribuiu, contribui e contribuirá para piorar a realidade política brasileira. Se o PT tivesse o interesse de encarar essa conjuntura desfavorável, apoiaria-se nos movimentos populares, porém, o que vimos o partido fazer nos últimos 09 anos foi transformar os movimentos que possuem ligação histórica com o PT, em linha de transmissão da política conciliátoria do governo.

Querem que as nossas críticas ao governo tenham fim? Tratem de diferenciar o governo do PT do neoliberalismo do PSDB / DEM.

Enquanto o PT continuar resguardando os interesses do capital, estarei à esquerda dessa política.
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0 #8 RE: O tacão de ferro da realidadetheophile lourenco 04-06-2011 16:22
Quando o senhor diz, por exemplo, que a mudança exige mobilização, não teria de ser o pt o indutor desta mobilização justamente pelo fato de ser governo e estar presente no pais todo. Imagine milhares de núcleos fazendo um trabalho de politização. O governo não teria meios de obter apoio popular ate para medidas mais avançadas? pt era um partido diferente e quando fazíamos boca de urna era isso o que dizíamos para Alguns viraram assessores, dizem, outros desaparecerem, alguns encontro amargurados... Uma coisa é certa, onde a população vai aprender a fazer uma analise de conjuntura, a elaborar táticas , a mobilizar se não for aprendendo politicamente na base? Onde? Por isso a angustia e a pulga atrás orelha... O psdb faz mal para o Brasil o pt talvez seja o unico partido que ainda possa combate-lo mas sera que nao esta na hora de tensionarmos pela esquerda em busca dos velhos ideais?
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0 #7 RE: O tacão de ferro da realidadetheophile lourenco 04-06-2011 16:18
Caro Pomar,
Sempre leio seus artigos, pois acredito que tocam em pontos fundamentais deste debate sobre o que se tornou o PT. Observando sua fala e a de outros expoentes deste partido, tenho a impressão de que as outras correntes abandonaram o processo de politização e conscientização da população. No entanto, acompanho com igual atenção a critica dos ditos partidos da esquerda revolucionaria que me deixam com a pulga atrás da orelha.
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0 #6 jonasigor 01-06-2011 22:47
jonas e um facista que usa uma maquiagem democrática igual o psdb dem pt é todos inimigos que estão no poder.
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0 #5 faltou um detalhe....Regina SB 01-06-2011 18:29
O 'arguto' (e distraído) articulista parece ter esquecido de um detalhe fundamental nesta (triste) história: o governo do PT (com o apoio de seu braço sindical cutista)cooptou a maioria das lideranças sindicais-populares (todos em importantes cargos de governo, alguns enriquecendo a olhos vistos), o que desmobilizou a luta de enfrentamento do capital. Esse foi, a meu ver, o principal prejuízo que o PT trouxe para a classe trabalhadora. Logo o PT, que tanto defendeu a autonomia dos movimentos!! Triste história do PT!
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0 #4 ANTONIO DE SOUZA BATISTA 01-06-2011 13:19
Acho que não devemos deixar de nos opor as conciliações burguesas do governo do PT com receio de nos identificarmos com o DEM/PSDB. Tanto o PT quanto a associação DEMO/PSDB fazem parte de um projeto de engodo onde se projeta a fisionomia de uma falsa democracia, com lado direito e lado esquer. Mas nada disso é realmente verdadeiro. O País está com uma única força de pensamento e ela é a força do capital dominando e construindo idéias falsas para enganar a Sociedade Brasileira para que ela pense que está vivendo uma democracia com dupla face. Na realidadede quando continuamos a nos opor às alianças burguesas, não devemos separar o PT do DEM/PSDB. Todos estão no mesmo navio, navegando no mar de altas somas, geradas pelos projetos neoliberais, determinados pelo capital.
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0 #3 jonas 01-06-2011 12:21
Querido WP,
O que uma parte da esquerda esperava não é uma revolução cultural, social e econômica, mas o mínimo de decência e compromisso histórico.
Pronto! Por opinar assim acabo de me somar à conjuração PSDB-DEM. Tenha a santa paciência!
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0 #2 marcflav 01-06-2011 10:18
até que enfim! um texto enxuto,claro e de dentro das coisas em si mesmas
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