Correio da Cidadania

Quem é o mais doente?

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A tragédia de Realengo (RJ) comoveu a todos. Um verdadeiro massacre nas nossas consciências e fragilidades. Tudo é possível em se tratando de seres humanos, nada se justifica, é próprio da natureza humana.

 

O garoto tinha problemas graves psiquiátricos, claro e evidente. O garoto foi "molestado" continuamente enquanto aluno daquela escola, claro e evidente. O garoto tinha graves problemas em relação a figuras femininas, inclusive com a mãe, claro que sim, evidente. O garoto tinha uma conduta antissocial, claro e evidente. O garoto queria uma vingança por suas eternas e infernais frustrações, claro e evidente. O garoto armou-se diabolicamente com armas de grosso calibre para executar essa tragédia, claro e evidente. O garoto deixou uma carta testamento-testemunha misturando textos bíblicos com texto de sua realidade, claro e evidente. O garoto queria aparecer para o mundo como um "salvador", como um "herói", trágico, claro e evidente. O garoto queria aparecer como "justiceiro" em sua cabeça confusa , claro e evidente. O garoto queria aparecer. O garoto queria aparecer. O garoto queria aparecer. O garoto queria aparecer para todo mundo, o mundo todo...

 

O que é que a mídia amestrada e adestrada faz? Exatamente o que o garoto da tragédia de Realengo queria, colocando seu rosto e nome em todos os veículos de comunicação. Dia e noite, o fato vai se repetindo, exploração fácil, lucro fácil, comentários óbvios e o rosto e nome do garoto estão agora mais do que presentes, era exatamente o que ele queria na sua grande vingança. O exemplo a ser imitado por outros garotos é mais do que exposto. A mídia amestrada e adestrada fez e faz.

 

A mídia armou-se diabolicamente de armas de grosso calibre para vender mais e executar essa tragédia de exposição inútil de um garoto sequelado. O autor da tragédia não tem rosto nem nome, é apenas uma "pessoa doente" e nada mais. Quem é o mais sequelado? O garoto ou a mídia que executa o papel exatamente ao inverso?

 

Parece que a mídia do modelo capitalista tem graves problemas psiquiátricos, executa um papel que não é o seu, hiperdimensiona e divulga patologias sem a menor noção.

 

Não é só o garoto da tragédia que possui uma conduta antissocial, a mídia elitista tem uma conduta antissocial bem maior, uma conduta antissocial de "homens grandes", já que quem dirige a mídia é a elite. O que existe não é opinião pública, e sim opinião publicada.

 

A mídia, sempre ávida pelo lucro, despeja suas eternas e infernais frustrações, desejando sempre vinganças, que dariam mais lucro, mais manchetes, com mais sangue, mais tragédias, explicitando rostos e nomes como um exemplo a ser seguido, e elas vão acontecendo numa escala geométrica.

 

A mídia continua nos "molestando" com "suas verdades absolutas", com seu falso moralismo, como um "salvador" do bem contra o mal, um"herói" trágico que está em todos os lugares e horários.

 

A mídia amestrada e adestrada precisa desesperadamente e muito das grandes tragédias, para colocar o rosto e o nome do autor, para esconder seu nome e rosto inconsequentes.

 

Quem é mais doente? Quem é mais insano? Quem tem mais alucinações? Quem é mais delirante?

 

A mídia amestrada e adestrada deixa a sua carta testamento-testemunha diariamente quando faz o papel de um garoto com problemas psiquiátricos graves. De uma forma muito mais inconsequente, muito mais patológica, muito mais doente.

 

Daniel Chutorianscy é médico.

 

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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Comentários   

0 #3 A sociedade está doenteFelipe Sá 13-04-2011 09:51
Excelente artigo, publiquem-lo no O Globo, Veja, etc, etc, etc

O sistema está plantando o caos, mas o dinheiro não é o único objetivo. Existe algo ainda maior que eles desejam implantar. A questão é: vamos deixar?

Fica a reflexão.
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0 #2 Ausência do poder público nas escolasfábio 13-04-2011 01:04
E diga mais.
A grande mídia em nenhum momento tocou nas verdadeiras causas, que são:
- ausência de uma política efetiva e permanente de atendimentos a doentes mentais pobres. O que sempre se houve é apenas corte de verbas na área da saúde.
- ausência de interesse dos governos em promover preparação para os professores para reconhecerem alunos com problemas graves de comportamento anti-social.
- ausência de interesse em uma política para promover a educação psico-social nas escolas como forma de combater o assédio e a violência morais.
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0 #1 marluce Souza 12-04-2011 23:14
Além de imoral a mídia brasileira elitista é cruel. Depois da enorme tragédia ainda tiveram coragem de entrevistar as crianças (testemunhas) sobre os detalhes do fato. Estas crianças sequer estavam prontas para falar em juizo, mas a mídia não respeitou o sentimento de cada um daqueles pequenos seres humanos, e insistiram em obter opiniões, pensamentos ou ações que sequer um adulto teria a apresentar. Como estabelecer relação do fato com a escola, com a vida que deve seguir e com o futuro? Alguém está preparado para dar esta resposta em curtíssimo espaço de tempo? Não creio. As crianças se tornaram sujeitos de extenso e intolerável sensacionalismo. Quanto à relevância que está se dando ao autor da tragédia o MP e a justiça deveria intervir. O mal pode se repetir a qualquer momento. Não podemos ignorar que nossas instituições educacionais, como a escola, as casas de tratamento de saúde e de detenção são geradoras de enormes contradições: ensina, mas violenta; cura, mas maltrata; prende, mas não socializa o ser humano. As estruturas estatais que maltratam seus espaços físicos, seus docentes, seus discentes e as famílias está destruindo e não construindo uma nação melhor. Programas de TV que deveriam informar e colaborar na formação do ser social faz justamente o contrário. E para exemplificar teríamos que escrever um artigo e não um comentário. Certo é que quem deveria proteger não protege. O Estado serve mesmo para que? Recolher impostos? Deve ser. Desta forma, não ha outra forma de pensar a não ser a de que a tragédia está apenas começando. Pena que as vítimas sejam, quase sempre, as crianças. O artigo de Daniel Chutorianscy é simples e verdadeiro. Nosso problema, assim como o do autor da tragédia é social. Pouco irá se resolver com o plebiscito de armas. Principalmente em um país que está entre os grandes fabricantes de armas: o Brasil. É a contradição do lucro a qualquer preço. O valor a ser pago pela fabricação destas armas é a VIDA. Pode ser a minha ou a sua. Os governos precisam governar com responsabilidade e não proteger interesses da elite que ganha com produção de armamentos e com a divulgação das tragédias dai resultantes. Chega de hipocrisia.
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