Correio da Cidadania

O Ajuste Fiscal não resolverá a inflação

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O Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA – E) alcançou a taxa de crescimento de 5,79% no ano de 2010. Ainda no ano que passou, o governo do PT anunciou medidas de ajuste fiscal: A equipe de transição de Dilma aventou 40 bilhões de contenção de gastos como forma de acalmar o mercado. Assim, estava declarado o velho remédio ortodoxo de contenção de preços. Mas será que esta receita tão popular nos anos 1990 é valida para a segunda década de 2011? O freio de gastos não ameaçaria a construção do Brasil de classe média?

 

Os dados reforçam a perspectiva de que a nova classe média está ameaçada de mortalidade infantil. Nem bem nasceu já está condenada a ver corroer seus rendimentos por meio do aumento de preços, além de levar a velha classe média junto. Pois alimentos, vestuário, educação e habitação foram os principais vilões da subida de preços, com 10,16%; 6,85%; 6,21% e 5,04% (IBGE, 2010), bens e serviços que consomem grande parte da renda dos que vivem de seu próprio salário. O Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC – C1), indicador que mede preços para famílias entre um e 2,5 salários mínimos, subiu 7,33% em 2010 (Valor, 2010).

 

A receita do governo é cortar gastos, retirar demanda da economia e, portanto, reduzir os preços. Com corte de verbas para educação, saúde, habitação será possível cortar os juros. Pois os investidores estariam satisfeitos com o equilíbrio dos números do governo, e investiriam numa economia estável, não exigindo preços exorbitantes para pôr seus milhões de dólares em papéis do governo. Além do mais, a taxa de juros deve sempre ser maior que a inflação, senão o dinheiro futuro valerá menos que o emprestado. Assim ninguém quer fazer negócio. Esta é a mecânica aventada pelo governo, a mais natural para a economia de mercado; em tempos de crise, o governo entra com demanda anticíclica, para depois se retirar do mercado e deixar a "livre" iniciativa definir preços, oferta e demanda.

 

Será?

 

O Plano Real foi o mais exitoso nesta dinâmica. Anulando a história e a política, podemos pensar que a economia é uma ciência exata e o sistema econômico é um organismo regido por leis invariáveis. Cabe ao cientista e médico da economia saber o remédio certo para tratar do doente. Mas as coisas não funcionam tão perfeitas como dizem os manuais, sempre existe a história e a política para incomodar o homem neutro da ciência. O Plano Real foi um programa datado, determinada correlação de forças econômicas e políticas que deram condições para seu sucesso.

 

O Plano Real essencialmente era indexar o real em dólar, portanto fazer com que nosso equivalente-geral refletisse a oferta de produtos americanos e importados. Real valorizado (em relação ao dólar) era moeda forte. Liberalização comercial para fornecer mais produtos importados baratos. O empréstimo com o FMI para aumentar as reservas e dar poder ao real, dando lastro à moeda. Solução de curto prazo, pois com ajuste fiscal e privatização seria possível diminuir ainda mais a inflação (retirando demanda, com corte de funcionários) e aumentando a poupança, o que permitiria manter taxas de juros baixas e economia atraente ao capital internacional.

 

A História ensinou: "Sim, de fato caíram os preços, mas não foi possível diminuir a taxa de juros". A inflação foi contida à custa de um longo desemprego e da privatização que aumentou a concentração de riquezas. Os juros nunca baixaram, pois o capital internacional não queria trazer dinheiro somente com inflação baixa. Um capital portador de juros, alimentado pelo mecanismo de dívida, estava viciado em crescentes remunerações do Estado. Os serviços públicos nunca foram melhorados, pois aqueles que não foram dados ao capital privado foram precarizados para manter a taxa de juros elevadas para o capital portador de juros.

 

Será que a História se repetirá? Não necessariamente. Pois o Real foi forte porque o Dólar era robusto e os oligopólios queriam ganhar mercados. A Receita Médica da indexação do real ao dólar não será mais possível, pois a moeda americana já não tem tanto valor. O governo Americano tem feito constantes políticas para desvalorizar o dólar e aumentar a inflação mundial e depreciar sua dívida. O mercado brasileiro já está cheio de importados, e, portanto, a concorrência (oligopólica) já não precisa ganhar mercado, a oferta já está dada.

 

Crise de Alimentos Internacional

 

Nesta conjuntura, o principal inimigo dos preços são os alimentos. Maior vilão da inflação brasileira de 2010 tem sua principal determinante vindo de fora. O Índice de preços da FAO, que mede alimentos no mundo, teve crescimento constante no ano de 2010. Desde 2000 existe uma perspectiva de permanente elevação, com um índice anual de 90 (2000) passou para 191 (2008). Em março de 2008 chegou a 210, mas começou a decair a partir do ápice da crise financeira. No ano de 2009 com o freio dado ao crescimento do Produto quase na totalidade das economias nacionais no mundo, o índice ficou em 152. Mas voltou a crescer em 2010, com a recuperação das economias, puxadas pela alavancagem dos BRIC. Teve seu ápice histórico em dezembro de 2010, ficando em 215.

 

Assim volta-se a evidenciar a crise de alimentos, que para ser explicada necessitaria de ir além deste artigo. Mas pode-se com segurança levantar algumas hipóteses: 1) A economia voltando a crescer dentro do modelo atual é sinônimo de alimentos com preços inflados; 2) A crise de alimentos foi freada pela intensificação da crise financeira, que fez tremer a acumulação de capital. Qual é o modelo que infla o preço de alimentos para crescer? Máximo desenvolvimento dos monopólios (ou mono-cultivo) na agricultura conjugado com a intensificação do capital que faz mais-dinheiro com dinheiro emprestado como motor da produção, permeando toda a vida econômica. Assim, o preço do alimento e a especulação financeira da escassez se tornam os principais aliados do capital internacional para retomar sua lucratividade. Este modelo é o máximo desenvolvimento do capitalismo, e, portanto, não é possível visualizar nada além do que está posto, se apostarmos na mecânica de fazer de tudo mercadoria que busca lucro e mais-dinheiro.

 

Este modelo de capitalismo, que é necessário a sua própria existência, reforça a característica primária do desenvolvimento da acumulação, qual seja: a expropriação sempre constante e crescente do trabalhador que trabalha para si mesmo, isto é, sempre busca engolir o trabalho camponês. Assim, desarticula ofertas regionais e locais de alimentos com os seguintes objetivos: 1) Aumentar a oferta força de trabalho excedente 2) Colocar no processo de produção/circulação e acumulação essencialmente capitalista a agricultura em geral, destruindo o pequeno produtor, substituindo-o pelo agronegócio ou pela sua vinculação orgânica à produção em grande escala. Estes fatores levam ao aumento da demanda no mercado e impõem ao alimento como mercadoria a tendência monopólica e financeira do capital na atualidade de inflação de preços.

 

Este é um dos fatores essenciais da inflação externa de alimentos, conjugado com a desvalorização do dólar para alavancar a economia americana e depreciar sua dívida. No Brasil este modelo se torna mais perverso, pois o agronegócio, principal motor do crescimento interno, monopoliza terras, especula com mercadoria e exporta todo o fator terra em forma de mercadorias como soja, gado, cana-de-açúcar, etanol, retirando fronteira agrícola do pequeno produtor. O capital que não quer investir nos Estados Unidos e Europa se volta aos mercados futuros de commodities, inflando seu preço. A aposta do Brasil no circuito internacional. Em 2010, as exportações do agronegócio foram de 76,4 bilhões, tendo a soja para a China como principal item. O crescimento econômico brasileiro parece negar cada vez mais a reforma agrária, pois necessita de força de trabalho vinda do campo, o que demonstra total descrédito para a produção de alimentos, que, como demonstrou o censo agropecuário de 2006, tem na produção de pequenos agricultores a principal oferta de arroz, feijão e mandioca, alimentos da cesta básica brasileira.

 

A inflação brasileira tem seus elementos internos

 

O crescimento econômico brasileiro baseado no consumo interno, bolsa-família, aumento de crédito, aumento dos gastos governamentais, entre outros, também influencia a pressão dos preços. Para cortar a inflação o governo deve sacrificar o boom de consumo, necessário para a consolidação da classe C, portanto, quebrar a coluna vertebral de seu apoio político. O governo Dilma promete que criará nova oferta para manter o crescimento do consumo no Brasil, mesmo com ajuste fiscal. O PAC veio para superar o gargalho da produção, e que o BNDES serviria para promover a iniciativa privada. Mas parece que o PAC é só uma promessa, e que o capital privado não tem interesse em aumentar os investimentos. A taxa de investimento da economia se mantém na casa dos 18% e, de acordo com Lessa, deveria estar na casa de 22%. O Orçamento Geral da União acumula R$ 137,5 bilhões em restos a pagar (Contas Abertas, 2010), compromissos assumidos pelo governo, mas não cumpridos, dentre eles, obras que só estão no papel e não foram realizadas.

 

É possível que um ajuste fiscal contenha a inflação, mas para isto é necessário que ele seja de uma grandeza que poderia levar o Brasil a uma forte recessão, mais um choque crísico na economia mundial abalada. Mas os fatores externos ainda estarão no ar, portanto, o ajuste fiscal pode causar recessão sem conter a inflação. Se for apenas um corte de pessoal, mantendo alguns elementos inflacionários internos, pode ser ainda mais prejudicial. Pois, com os preços crescentes, a carga tributária se torna maior. Portanto, como o pobre paga imposto e o rico finge fazer, é possível que a inflação concentre riquezas. Segundo o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Regional (2009), quem ganha até dois salários mínimos consome 48,8% de sua renda com impostos, enquanto aqueles que ganham mais de 30 salários pagam 26,3%. Por outro lado, dos 33,8% do PIB de carga tributária, somente 9,5% do PIB retornam em serviços públicos (educação, saúde, entre outros). Com o indexador dos preços de aluguéis crescendo e valorização imobiliária, se o PAC da moradia mantiver sua dinâmica de não fazer casa para pobre, o problema da moradia pode ser de maior monta.

 

Como a taxa de juros sempre é maior que a inflação, com crescimento dos preços, aqueles que vivem de seu próprio trabalho pagarão mais impostos, e terão menos retorno, pois cortar gastos é precarizar serviços. E aqueles que vivem do dinheiro de juros, ou seja, do dinheiro do Estado e dos nossos impostos, ganharão muito mais.

 

Dados:

 

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Indicadores de Equidade do Sistema Tributário Nacional. Relatório de Observação n° 1. Brasília, junho de 2009.

 

IBGE (2009) - Censo Agropecuário 2006. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/brasil_2006/default.shtm

 

IBGE (2010).

 

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1792&id_pagina=1

 

FAO (2010).

 

http://www.fao.org/worldfoodsituation/FoodPricesIndex/es/

 

http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Noticias/DetalheNoticias.aspx?Id=385

 

www1.folha.uol.com.br/poder/855122-governo-pode-bloquear-r-40-bi-do-orcamento.shtml

 

Valor Econômico. Inflação para baixa renda fica em 7,33% em 2010, aponta FGV, 12/01/2011.

Carlos Lessa. A política econômica do novo presidente. Valor Econômico, 13/10/2010.

 

Venâncio de Oliveira é economista.

 

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Comentários   

0 #1 Anomalia no Brasil é normalidadeJosé A. de Souza Jr. 17-02-2011 11:30
No Brasil, a única coisa que não se admite que contribua para a inflação são os juros elevadíssimos pagos principalmente pelos mais pobres. Por que somos assim?
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