Correio da Cidadania

A retomada de Angra III

0
0
0
s2sdefault

Hidroelétricas X Nucleoelétricas

 

Diante da intransigência do IBAMA e das ONGs ambientalistas relativamente à construção de novas hidroelétricas, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou o término da obra de Angra III.

 

Para não entrar na disputa entre "verdes" e nucleocratas, seria interessante refletir sobre o seguinte: todos os países desenvolvidos que dispõem de algum potencial hidroelétrico aproveitável preferem a geração hidroelétrica à termelétrica a gás, óleo, ou a fissão nuclear.

 

Temos aí os exemplos de países como a Noruega, o Canadá, a Suíça e até a França, sendo que este último construiu todas as hidroelétricas que podia, para só então partir para um programa nuclear que, hoje, responde por quase 80% da eletricidade que consome. Já a Noruega, que dispõe de um potencial hidroelétrico suficiente para cobrir ad aeternum a sua demanda por eletricidade, seguiu outro caminho: prefere não construir nenhuma central nuclear.

 

É assim porque - além de ser ambientalmente menos agressiva - a hidroeletricidade é muito mais barata do que a nucleoeletricidade, de modo que, à luz da lógica, a escolha é simples: escolhe-se a hidroeletricidade.

 

Ao decidir-se pela construção de Angra III, deixando de lado as hidroelétricas, o Brasil transforma-se no primeiro país do mundo que, aquinhoado pela natureza com um potencial hidráulico que lhe asseguraria energia elétrica barata e renovável pelas próximas décadas, preferiu partir para a geração de eletricidade cara e não-renovável.

 

As vantagens alegadas para a energia nuclear

 

Penso, entretanto, que não devemos abandonar as nucleares: caso, nas próximas décadas, não se tenha desenvolvido alternativa, poderemos construir centrais nucleares, como fizeram os Estados Unidos, a França, o Japão e outros países.

 

Todo mundo sabe que as usinas nucleares praticamente não agridem o meio ambiente quando estão em operação rotineira. No entanto, expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão de alta atividade, que acarretam conseqüências catastróficas, que se podem fazer sentir sobre extensas regiões, por centenas de anos. Embora ínfimo, tal risco existe e não pode ser negligenciado.

 

Além disso, as nucleares deixam para as futuras gerações o problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final ainda não encontrou solução plenamente satisfatória. Contudo, diante de certas vantagens, em vez de abandoná-las, seria mais sensato investir em seu aperfeiçoamento e na solução do problema dos rejeitos. 

 

As usinas nucleoelétricas podem se aperfeiçoadas, mediante o desenvolvimento de sistemas intrinsecamente seguros. Em palavras simples, o conceito de segurança intrínseca implica a proteção do “coração” do reator, onde fica o combustível nuclear, de qualquer perturbação interna ou externa que possa comprometer sua integridade. Para isso já se desenharam configurações que, pela ação de fenômenos naturais como a gravidade e certos processos termo-hidráulicos, abrem ou fecham comportas e válvulas sem intervenção humana, assegurando a interrupção automática das reações de fissão em cadeia e a parada do reator caso haja alguma alteração anormal em parâmetros tais como pressão e temperatura.

 

Argumentos falaciosos a favor de Angra

 

O principal argumento a favor de Angra III é o de que “já foram gastos US$ 750 milhões na obra, quantia que será desperdiçada, caso se rejeite a conclusão do projeto”. Esse argumento é discutível, pois, se Angra III entrar em operação, o prejuízo aumentará na medida da diferença entre seus custos de geração e os das hidroelétricas. Cálculos feitos por técnicos do ONS indicam que o custo marginal médio para a expansão do sistema hidroelétrico é de aproximadamente R$ 80/MWh, enquanto o custo de geração de Angra III está em torno de R$ 144/MWh. Assim, em cada ano de operação, Angra III oneraria o sistema elétrico com um acréscimo de custos da ordem de  470 milhões de reais, em relação ao que seria gasto se o investimento a ser feito para terminar a obra fosse aplicado na construção de novas hidroelétricas, totalizando uma potência equivalente.

 

E nem falemos que o investimento na construção de uma obra desse porte sempre excede o valor orçado inicialmente, o qual, para Angra III é de 3,7 bilhões de dólares. Por conseguinte, é melhor esquecer o que já foi gasto, do que ver o prejuízo aumentar em bola de neve. É um erro “colocar dinheiro bom sobre dinheiro ruim”, porque o prejuízo aumenta. Na verdade, os custos da eletricidade gerada em usinas hidroelétricas não podem ser comparados com os custos das nucleares, em virtude de inúmeros subsídios ocultos, concedidos a estas. Em linhas gerais, pode-se afirmar com segurança que, se os cálculos de custos fossem feitos de forma transparente, veríamos que, nas condições brasileiras, a eletricidade gerada em usinas nucleares custa o dobro daquela gerada nas hidroelétricas.

 

Enfim, o Brasil não precisa macaquear o exemplo da França, onde quase 80% da eletricidade vêm de usinas nucleares, que, aliás, estão chegando ao fim de suas vidas úteis e precisam ser substituídas. Para isso, desenvolveu-se naquele país um modelo de reator que, além de ser intrinsecamente seguro, é  bem mais econômico. Ainda assim, é claro que, se pudessem, os franceses, que sempre se destacaram pela inteligência, prefeririam instalar usinas hidrelétricas, que são ainda mais seguras e econômicas. Mas isso é impossível, porque eles já aproveitaram todo o seu potencial hidroelétrico, enquanto nós aproveitamos apenas 30% do nosso.

 

Os interessados em Angra III afirmam que “a decisão de concluir a obra é fundamental para treinar pessoal e dar continuidade ao programa nuclear brasileiro”. Ocorre que usinas nucleares são construídas para gerar eletricidade e, para isso, basta que sejam operadas por profissionais qualificados, como os que operam Angra I e Angra II, não cabendo a eles a atribuição de projetar novas usinas. Diga-se de passagem que esses profissionais são permanentemente renovados, com os novos, que chegam, sendo treinados pelos "seniors", em fim de carreira.

 

Construir Angra III equivaleria a comprar um moderno Boeing, que pode ser muito bem pilotado por pilotos formados no Brasil. Mas esses pilotos não têm preparo para projetar e construir aviões. De fato, as companhias aéreas brasileiras sempre compraram e operaram aviões modernos, mas a indústria aeronáutica brasileira só nasceu com a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, que estimulou a criação da Embraer e suas empresas satélites, nos segmentos de metalurgia e mecânica fina, eletrônica de instrumentação, etc. 

 

Analogamente, a capacitação brasileira para fazer o projeto básico, desenvolver os materiais, desenhar e construir uma usina nuclear, só virá quando o governo – em vez de comprar projetos feitos no exterior, como o de Angra III – entregar aos nossos centros de excelência a responsabilidade de desenvolver e construir um protótipo, e em seguida escalá-lo para escala industrial. Os centros de que falo são, especialmente, o IPEN – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares de São Paulo - e o CTM/SP – Centro Tecnológico da Marinha em Aramar -, nos quais desenvolveu-se a tecnologia brasileira de enriquecimento de urânio.

 

Por fim, alegam os defensores de Angra III que “o término da obra permitirá que o país complete a fábrica de enriquecimento de urânio, em Rezende,  e alcance a auto-suficiência na produção do combustível nuclear”. Ora, nada impede que aquela fábrica seja completada e que o governo compre parte de sua produção, para  acumular um estoque estratégico de urânio enriquecido a 3%, que é impróprio para construir bombas, porém importantíssimo para ser usado mais tarde, nas usinas desenvolvidas no contexto de um legítimo programa nuclear brasileiro.

 

 

Joaquim Francisco de Carvalho é mestre em engenharia nuclear e foi diretor da NUCLEN (atual ELETRONUCLEAR).

 

Para comentar este artigo, clique {ln:comente 'aqui}.

 

0
0
0
s2sdefault