Correio da Cidadania

2010 no Oriente Médio: a paz cada vez mais distante

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"Give peace a chance (dê uma chance à paz)", John Lennon.

 

Neste 2010, 30 anos depois do assassinato de John Lennon, os estadistas das grandes potências continuam surdos ao seu apelo.

 

No Oriente Médio, onde se desenvolvem os mais sérios conflitos do mundo de hoje, a paz é um sonho distante. O fato de o presidente Obama não ter conseguido que Israel congelasse seus assentamentos para possibilitar as negociações com os palestinos provou sua fraqueza diante o governo de Tel-aviv.

 

Fraqueza que degenerou em grave humilhação quando Obama fez ofertas vergonhosas a Netanyahu, tais como apoiar Israel na ONU incondicionalmente contra propostas adversas a seus interesses, mesmo que justas, recebendo um "não" como resposta. Pois o governo Netanyahu acredita que a vitória do Partido Republicano nas eleições legislativas americanas tornará a Casa Branca ainda mais dócil a suas demandas.

 

Por seu lado, os palestinos perderam as esperanças. Se Obama não é capaz sequer de forçar os israelenses a congelarem assentamentos ilegais em terras tomadas dos palestinos, como poderia forçá-los a devolver esses assentamentos ao futuro Estado palestino?

 

Procurando outro caminho, a Autoridade Palestina anunciou sua intenção de declarar independência e solicitar o reconhecimento da ONU. Brasil, Argentina e Uruguai já deram sua aprovação. Israel contestou, alegando que isso infringiria os acordos de Oslo.

 

O auge do cinismo, partindo de um país que vem desafiando há anos o direito internacional e as decisões da ONU, ao invadir, ocupar e colonizar as terras da Palestina, recusar-se a voltar às fronteiras de 1967, cometer crimes de guerra no ataque a Gaza, atacar com "violência despropositada" a Frota da Liberdade (relatório da Comissão de Inquérito, do Conselho de Direitos Humanos da ONU), que levava suprimentos à região, em ação na qual soldados israelenses mataram nove pessoas e feriram gravemente algumas dezenas, provocou indignação no mundo inteiro, inclusive nos EUA, onde o governo, dissociando-se do seu povo, limitou-se a lamentar.

 

Os países da Europa assistem ao drama da Palestina, sem tomar qualquer atitude efetiva. Às vezes, até censuram Israel, mas ficam nisso, talvez para não desagradar os EUA, cuja economia está em decadência, mas não seu poderio militar.

 

Enquanto na Palestina o presidente Obama ao menos procurou favorecer a paz, no Afeganistão, continuou tentando vencer uma guerra que completa 10 anos. Em sua campanha eleitoral já a classificara como uma "guerra justa", necessária para destruir a Al-Qaeda instalada naquele país.

 

No entanto, desde o ano passado, não havia mais do que 100 militantes da organização terrorista no Afeganistão. Hoje, segundo Leon Panetta, diretor da CIA, esse número não chega a 50. Pouca gente para enfrentar os 100 mil soldados americanos e 30 mil dos países aliados. Apesar dessa minimização da organização terrorista em terras afegãs, os EUA não pensam em dar sua missão por encerrada. Retirar-se seria "uma vergonha" para as armas americanas e uma prova de que os governos do Partido Democrata seriam "frouxos", como são acusados nos EUA.

 

Por causa destas insólitas razões, a Casa Branca torra centenas de bilhões de dólares, mais do que essenciais, considerando a crise que assola o país, e sacrifica a vida de milhares de jovens americanos numa guerra sem chances de dar certo. Em 2010, o número de soldados americanos mortos excedeu em muito os dos outros nove anos de guerra.

 

Neste ano, o general McChrystal, novo comandante das forças de Tio Sam, adotou uma nova estratégia: a contra-insurgência (COIN), baseada em dois pontos: 1) a conquista dos corações e mentes do povo afegão, evitando as mortes de civis e colaborando com as administrações locais; 2) privilegiar os bombardeios em massa, raids noturnos e ataques das Forças Especiais (aumentadas de quatro para 19), visando eliminar o número máximo de líderes talibãs. Tendo McChrystal sido demitido por críticas públicas a autoridades do governo e ao próprio Obama, seu sucessor, o general Petraeus, manteve a mesma estratégia.

 

Os resultados vêm sendo discutíveis.

 

Os raids noturnos e outras ações das Forças Especiais mataram centenas de líderes talibãs, mas mataram também centenas de civis que, por azar, estavam nas proximidades. O próprio presidente Karzai, diante dos protestos públicos, pediu a cessação dessas operações "o mais breve possível". As autoridades militares não concordam por considerá-las de alta eficiência. Nem tanto, pois os líderes talibãs capturados ou mortos têm sido rapidamente substituídos por militantes, em geral, ainda mais radicais e, ao que tudo indica, igualmente capazes.

 

A associação com o presidente Karzai também tem sido contraproducente devido à corrupção comprovada do seu governo, que conta com alguns integrantes mais do que envolvidos no tráfico de ópio. Para o povo, o governo significa opressão, imagem que se estende a seu aliado, o exército americano.

 

Em dezembro, 10 anos depois de iniciada a guerra, Obama e o secretário da Defesa, Robert Gates, proclamam que os EUA e a OTAN estão vencendo. Não parece. Se fosse verdade, por que fixar um prazo de mais quatro anos para a situação estar controlada e as operações militares passarem para os afegãos?

 

Prazo que o próprio general Petraeus acha improvável, enquanto outras autoridades do Pentágono falam que as tropas americanas permanecerão no Afeganistão para sempre.

 

Por sua vez, em recente pesquisa, a maioria da população local (73%) acredita que a guerra só terminará através de uma negociação com os talibãs.

 

Vai ser complicado. Os talibãs declaram-se dispostos a um acordo de paz. Antes, porém, exigem a retirada de todas as tropas estrangeiras.

 

No Iraque, foi possível terminar a guerra com um acordo. O apoio das milícias sunitas (a maioria "contratada" pelo exército americano) e o controle dos belicosos xiitas de Al-Sadr pelo governo iraquiano foram decisivos para reduzir em muito os ataques da insurgência e da Al-Qaeda.

 

O governo Bush aceitou, então, retirar-se em julho de 2010, e o governo Obama cumpriu o prometido. Terminaria assim uma guerra onde, conforme a ONG "Just Foreign Police", houve 1.421.900 vítimas fatais entre os iraquianos, causadas pela ação violenta dos exércitos dos EUA e aliados. Páreo para Saddam Hussein...

 

Apesar deste pesado custo humano, ao qual se deve somar a morte de 4.429 soldados, a maioria americanos, não se pode garantir que a paz se firmou no Iraque. Pois o exército americano partiu apenas em tese. Ficaram 50 mil soldados, com o fim de "treinar o exército iraquiano e defender a democracia no país".

 

Alguns dizem que também para manter o governo Maliki e evitar que se aproxime demais do governo xiita do Irã. Em parte por causa desta permanência militar americana os atentados terroristas se sucedem.

 

É fato sabido que um número elevado de jovens procura no terrorismo uma forma de combater a vergonha nacional de ter parte do seu país ocupado por tropas estrangeiras. Além da notória participação da embaixada americana na política iraquiana.

 

Claro, a tradicional rivalidade entre xiitas e sunitas também deve ser considerada como fator que pode vir a ser desestabilizador do país.

 

A diplomacia americana interveio até que discretamente nas recentes eleições demonstrando sua preferência por Allawi, candidato de sunitas e de alguns grupos xiitas, acusado por ex-agente da CIA de ter sido membro da Mhukhabarat, a violenta polícia secreta de Saddam Hussein.

 

Com a vitória do partido do primeiro-ministro Maliki (que seria seu plano "B"), procurou convencê-lo a fazer um governo de coalizão com Allawi.

 

Mas Maliki acabou se aliando à terceira força, união de vários partidos xiitas. Ora, o líder mais destacado dele é justamente Al-Sadr, o inimigo n. 1 do exército americano, chefe do exército Mehdi que combateu os americanos nas ruas de Bagdá, Faluja e Nadjaf.

 

Cedendo ao inevitável, a diplomacia americana conformou-se com Al Sadr no novo ministério. Mas vetou-o no Ministério do Interior, que controla as poderosas e agressivas forças de segurança.

 

Até meados de dezembro, o novo ministério ainda não estava oficializado. Caberá a ele aplacar os sunitas para que se retirem ou não voltem à insurgência; conseguir que eles e os xiitas fumem o cachimbo da paz; e, sobretudo, impedir que o petróleo iraquiano (as segundas reservas do mundo) caia nas mãos dos EUA, além de garantir que os 50.000 soldados americanos remanescentes saiam do país no prazo previsto de 31 de dezembro de 2011.

 

Cada uma destas metas representa um trabalho que faria Hércules empalidecer. E olhe que ainda é provável que tudo fique ainda mais difícil caso o governo iraquiano apóie o Irã num conflito com os EUA e Israel, podendo muito bem se agravar... Se agravar ainda mais seria a frase certa.

 

Porque em 2010, os EUA e seus aliados da Europa endureceram suas posições. Primeiro, rejeitaram um acordo celebrado pelo Irã com o Brasil e a Turquia para enriquecimento do seu urânio em países ocidentais, usando-se o território turco para a troca. Chocante, não só porque proposta análoga fora feita no ano anterior pelo grupo de mediação (o 5 + 1), como também pelo próprio Barack Obama, em carta enviada ao presidente Lula.

 

Mas nada disso foi levado em conta pela diplomacia americana que pressionou, pressionou, e, por fim, conseguiu que as recalcitrantes China e Rússia apoiassem uma nova rodada de sanções no Conselho de Segurança, sob condição de que não afetassem seriamente a economia iraniana.

 

A ONU cumpriu o trato, mas os EUA e a Europa o ignoraram, aprovando sanções realmente pesadas que atingissem inclusive toda a indústria de energia do Irã, que constitui a base de sua economia.

 

Ahmadinejad respondeu, procurando novos parceiros na América Latina e na África, além de recuperar suas ligações com a China e a Rússia, com as quais realizou grandes negócios, driblando as sanções.

 

Enquanto isso, alguns ministros de extrema-direita do governo israelense não deixaram de contestar a eficácia das sanções, ora exigindo que os EUA virassem a mesa ou que deixassem isso a cargo de sua Força Aérea. Divulgou-se nos círculos ligados a Netanyahu que os israelenses esperariam até o fim do ano e, caso o Irã não cedesse, resolveriam o problema militarmente.

 

Em agosto, o presidente do Irã anunciou estar disposto a novas conversações, logo após o Ramadã. O governo americano reagiu com satisfação. As sanções estariam funcionando.

 

Na verdade, não apenas elas. Também o Wikileaks colaborou, revelando que, assustados com a ameaça das possíveis bombas atômicas iraquianas, Arábia Saudita e Qatar pediam que a Casa Branca os protegesse, bombardeando as usinas nucleares. Isso não agradou nada ao governo de Teerã, que precisa da boa vontade dos seus vizinhos para poder falar grosso com os EUA.

 

Assim, tudo parecia caminhar bem. Mas a Casa Branca estragou tudo. Gary Samore, seu coordenador do controle de armas de destruição em massa, ameaçou os iranianos com novas sanções, especialmente sobre o fundamental setor da energia.

 

Ora, o Irã tem maios de 2000 anos de História. Foi o maior império da Antiguidade. No apogeu do império islâmico integrado pelo Irã, era considerada a nação mais civilizada. No século 20, foi o único país islâmico a ter um governo democrático (derrubado por uma conspiração da CIA).

 

O iraniano é um povo nacionalista, orgulhoso de suas tradições. As declarações de Gay Samore provocaram fatalmente profunda indignação popular. Não se deve esperar um espírito muito conciliador dos iranianos nas conversações que se iniciam em janeiro de 2011.

 

Assim, 2011 pode começar como 2010 terminou. Com a paz distante.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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Comentários   

0 #1 pessimismo justificadoBruno Bonfim 23-12-2010 08:47
concordo com as análises do jornalista. politica regida pelo departamento de estado dos eua e sua industria militar só vai protelar eternamente os conflitos. no oriente médio mais ainda. é evidente q os eua vao custar mto a deixar a regiao em paz, vide seus recursos e posiçoes estrategicas. obama ja mostrou q sozinho nao faz verão, até por ter caido no mesmo erro q presidentes com discurso mais popular e humano tem caido: o de nao manter suas bases ativas após a eleição. precisa da militancia tb pra governar contra tanto lobby e reacionarismo q tem marcado a politica ianque. nao apenas na hora de ganhar os votos. além disso, faltou um pouco de coragem pra decisoes ousadas, como fechar guantanamo, para q seu governo marcasse posiçao firme em alguns aspectos.
e qto à palestina, a desumanidade daquilo ali ja está em niveis tao alarmantes q a iniciativa de paises como Brasil, argentina, bolivia, venezuela etc de reconhecer sua independencia é a saida, além da impulsao de um movimento internacional pela libertação do pais, longe da egide dos países q tem dominado (e travado) a discussao. inclusive acho q só isso pra conscientizar a opiniao publica ianque da inutilidade e brutalidade de suas guerras.
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