Correio da Cidadania

Retrospectiva econômica 2010

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O ano de 2010 deve se encerrar com clara recuperação da economia (crescimento do PIB ao recorde de 8% ao ano) e vários outros indicadores conjunturais de desempenho favorável, a exemplo do emprego formal, que deve ter crescimento no nível dos 3% ao ano (o que significa mais de três milhões de empregos formais liquidamente criados numa População Economicamente Ativa de 100 milhões de brasileiros).

 

A massa de salários também deverá crescer, bem como o salário mínimo que apresentou aumento dentro do nível programado pela política salarial (média do crescimento real do PIB dos exercícios de 2007 e 2008). Como conseqüência, haverá também incremento dos benefícios monetários da política social, parcialmente vinculados à política de valorização do salário mínimo vigente no segundo governo Lula. A inflação por sua vez deverá se situar no nível dos 5% em doze meses.

 

Esse arranjo favorável da conjuntura apresenta apenas uma nota claramente dissonante: o desempenho externo, medido pelo "déficit" nas transações com o exterior, que neste ano de 2010 praticamente dobra o número alcançado no ano passado e deverá atingir cifra ao redor de 50 bilhões de dólares. O déficit externo já vai para o terceiro ano e certamente compromete negativamente as metas de expansão econômica, que dependem de recursos externos.

 

Por outro lado, a questão fiscal esteve relativamente equacionada na conjuntura, tendo em vista que o desempenho tanto da arrecadação tributária quanto da receita previdenciária tem se revelado crescente em ritmo, até um pouco maior que o do crescimento do PIB.

 

Do exposto, depreende-se que o governo Lula encerra mais um ano, o último do seu governo, marcando um ponto favorável ao experimento de crescimento com distribuição da renda do trabalho que caracterizou o seu segundo mandato, com o pequeno lapso de 2009, quando por razões externas não houve crescimento.

 

A novidade brasileira não é propriamente o crescimento econômico; no pós-guerra tivemos três décadas praticamente contínuas (1950-1980), e depois de 1982, longa estagnação, entremeada de surtos pontuais de crescimento. Mas a distribuição de renda andou para trás, tanto na fase "desenvolvimentista" quanto no período de estagnação. O período recente (anos 2000), com relativa melhoria na distribuição da renda do trabalho, parte explicada pela recuperação do emprego, parte associada à vigência de políticas sociais de Estado, ainda é um experimento a ser consolidado.

 

Os desenhos de governo e de política econômica e social que se definirão ainda no final do mandato Lula e início do governo Dilma podem sinalizar continuidade ou interrupção do experimento de crescimento com distribuição. Aparentemente não há um planejamento distributivo no Programa de Aceleração do Crescimento, nem metas de igualdade a alcançar. No entanto, melhorou a distribuição de renda, que não é efeito sem causa.

 

A pergunta que ora se faz é sobre as condições de possibilidade de sustentação do experimento distributivo. Isto evidentemente depende, dadas as condições atuais do planejamento do crescimento econômico no próximo quadriênio, do ritmo de incorporação do emprego formal neste processo e de como haverá transferência dos ganhos de produtividade do conjunto do sistema econômico às populações tituladas com direitos sociais já positivados pela legislação vigente.

 

Estamos falando, portanto, de um processo de transferência de excedente econômico que se dá praticamente fora do mercado de trabalho, mas que protege trabalhadores ativos e inativos com direitos e alimenta a expectativa de aquisição daquela ainda alta proporção da População Economicamente Ativa, ora excluída ou precariamente inserida no desfrute de direitos sociais básicos (cerca de 1/3 da PEA ainda está totalmente excluída do direito previdenciário).

 

A sustentação do experimento distributivo depende crucialmente de ações vigorosas de caráter tributário, que respaldem o eixo da política social estruturada em direitos (seguridade social e educação básica), trazendo alguma melhoria quantitativa e também qualitativa ao binômio benefícios monetários e serviços públicos em espécie que essas políticas oferecem à população.

Esses benefícios são fiscalmente onerosos, respondem hoje por cerca de 1/4 da Renda Interna Bruta e para continuarem a crescer e incluir mais gente demandariam recursos adicionais, extraídos pela via tributária e remetidos pela política social para a base da pirâmide.

 

Infelizmente, o arranjo de governo Dilma até aqui anunciado não indica planejamento de médio prazo no sentido de estruturar o perfil distributivo do crescimento econômico. Isto também é verdadeiro para o governo Lula, do qual Dilma foi responsável por formular e coordenar o PAC. Nisto reside a principal contradição deste governo, ungido que foi pelo voto, hoje majoritário na população, dos beneficiários de políticas sociais.

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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