Correio da Cidadania

Princípio de tributação progressiva da renda está ausente do discurso da nova presidente

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Dois desafios iniciais irão pautar o início do governo Dilma: 1) o desequilíbrio externo da economia brasileira, expresso pelo elevado e crescente déficit das "transações externas"; 2) a pressão por manter o experimento de "crescimento econômico com melhoria na distribuição da renda do trabalho", heranças ou legados do governo Lula, transferidos ao governo Dilma, que deverão suscitar definições políticas logo no primeiro semestre de 2011.

 

O desafio externo volta agora ao noticiário econômico, sob a denominação de ‘guerra cambial’, movida por pressões ora dos EUA, ora da China, para manter suas moedas ultra-desvalorizadas, transferindo para os demais países o ônus da perda de competitividade das suas exportações – no caso brasileiro, pela acelerada valorização do real.

 

Por outro lado, a dependência externa da economia brasileira é um fenômeno de raízes mais profundas, que se vier a se agravar nesse processo conjuntural de guerra cambial poderá, sim, comprometer o experimento de crescimento econômico com melhoria na distribuição da renda do trabalho, restringindo um dos lados do experimento, ou provavelmente ambos.

 

Acresce ainda observar que o excesso de liquidez que ora inunda a economia brasileira, valorizando ainda mais o real, ainda perdurará por algum tempo, promovendo uma certa euforia financeira, paralela à deterioração do déficit externo na Conta Corrente. Aí é que mora o perigo histórico, que no passado recente (1999) desembocou em grave crise cambial, com conseqüências de estagnação econômica que perduraram por todo o segundo governo FHC.

 

Por sua vez, a pressão difusa para manter crescimento econômico com melhoria na distribuição da renda, provavelmente o grande trunfo eleitoral de Lula transferido a Dilma, está exigindo modificações na política tributária e na política social que dêem efetiva consistência redistributiva a essas duas instâncias da política pública brasileira.

 

Há uma pressão endógena da política social por recursos adicionais para atender demandas por direitos sociais. Esta pressão é explícita no caso da Saúde, pela recriação da CPMF e regulamentação da Emenda Constitucional n. 29. Mas há também uma pressão potencial sobre os sistemas previdenciários. Os níveis de incorporação de novos segurados, pelo acréscimo do emprego formal (cerca de 20 milhões de novos segurados contribuintes ingressaram no RGPS nos últimos dez anos), devem provocar elevação na concessão de benefícios. A estas demandas se acrescentam também os programas voluntários de transferência de renda – o Bolsa Família principalmente, que deverá prosseguir.

 

Tudo isto reflete pressões legítimas por inclusão social e também pressões demográficas explícitas pelo exercício de direitos sociais já regulamentados, que até o presente têm sido atendidas dentro da estrutura tributária atual, fortemente apoiada em tributos sobre o consumo e a folha de salários. Este padrão de financiamento público aparentemente tem seus dias contados, porque não atenderia de maneira equânime nem funcional o volume de demandas quem tem pela frente.

 

As expectativas de continuidade do crescimento e a pressão pela melhoria da distribuição são ingredientes relevantes da necessidade de suporte da política social com novos recursos. Mas isto precisaria ocorrer principalmente pela substituição das fontes de financiamento regressivas por fontes progressivas sobre a renda e o patrimônio das classes mais ricas e mais desoneradas. Haveria desoneração dos mais pobres e tributação dos mais ricos, atualmente beneficiários de um verdadeiro festival de benesses fiscais.

 

Mas este princípio de tributação, caso venha eventualmente orientar uma nova política tributária, não comparece ainda no discurso oficial de reforma tributária da nova presidente, certamente por falta de consenso político na sua base parlamentar de apoio. Aparentemente, continua-se a promover o discurso tradicional da desoneração, simplificação e eficiência do sistema tributário, sem qualquer menção à sua função redistributiva da renda social.

 

Provavelmente até o final do primeiro semestre do próximo ano, aproveitando o estado de graça do início de governo e a ampla maioria parlamentar que saiu das urnas, o governo Dilma dará indicações mais claras sobre os rumos distributivos do seu governo, pelo perfil de política tributária ou de Reforma Tributária ampla que venha a adotar.

 

A sintonia (ou estranhamento) desta política tributária com a política social irá imprimir o verdadeiro perfil da vertente distributiva do novo governo. Mas não se pode desconhecer o fato de que já estão a postos os conselheiros conservadores, ávidos por restringir, mitigar ou mesmo cortar pela raiz as veleidades distributivas do crescimento econômico.

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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