Correio da Cidadania

Dois congressos, dois caminhos

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Em inícios de junho, ocorreram dois encontros políticos de significado histórico. Em 7-10 de junho, no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reuniu-se o I Congresso Nacional do PSOL, com 745 delegados. Dois dias mais tarde, em Brasília, iniciou o 5º Congresso Nacional do MST, com dezoito mil participantes. Imersos na mesma difícil situação social e política nacional, com propostas aparentemente iguais, as duas reuniões apontaram em direção opostas.

 

O PSOL, pequeno partido político com inserção no movimento sindical, sobretudo terciário, e alguns laços com a luta pela terra – Movimento Terra, Trabalho e Liberdade –, nasceu, em 2004, após a resistência à reforma neoliberal da Previdência da administração Lula da Silva, propondo a defesa do socialismo e o rompimento com as práticas petistas eleitoreiras e de colaboração-integração ao Estado capitalista.

 

Após a cooptação das direções das grandes centrais sindicais brasileiras, o MST tornou-se indiscutivelmente o maior movimento social nacional, atuante, há mais de vinte anos, sobretudo na representação dos pequenos agricultores com e sem terras. Apesar de suas críticas ao PT e ao governo, o MST mobilizou-se fortemente pela eleição e reeleição de Lula da Silva, em 2002 e 2006. O caráter sindical do movimento obriga-o a negociar permanentemente com o Estado recursos para assentados e acampados, vivendo não raro em situações duríssimas.

 

Os dois encontros tinham objetivos diversos. O congresso do PSOL objetivava sobretudo definir sua direção nacional, através de aferição da força das suas diversas tendências. Essa definição é essencial para a orientação política nas próximas conjunturas e para a própria conformação essencial do partido, devido ao seu caráter fluído, desde sua fundação, no relativo à organização, à prática e ao programa. Ao contrário, o encontro do MST destinava-se a apresentar políticas já discutidas e definidas anteriormente, em uma espécie de enorme escola de formação política e exercício de relações públicas.

 

No frigir da definição da direção psolista, formaram-se dois grandes agrupamentos político-ideológicos. Um deles formou-se com a confluência do grupo sobretudo paulista capitaneado pelo velho lutador Plínio Arruda Sampaio; do Coletivo Socialismo e Liberdade, formado originalmente principalmente por sindicalistas originários do PSTU; da Corrente Socialista dos Trabalhadores, do ex-deputado Babá, forte no Pará; da dissidência sindical rio-grandense do Movimento de Esquerda Socialista – MES – e alguns grupos menores.

 

Esse agrupamento, que obteve 25% dos sufrágios [174 votos], defendia no geral orientação socialista e classista para o PSOL; a priorização da luta social, em relação ao parlamento; o controle da organização, da direção e dos parlamentares pela base do partido nucleada; o caráter social, político e ideológico referencial da classe trabalhadora; a rejeição das ilusões nacional-desenvolvimentistas, etc.

 

A frente constituída pela ex-senadora Heloísa Helena; pelo MES, da deputada Luciana Genro; pela Ação Popular Socialista, do deputado Ivan Valente, de São Paulo; pelo grupo do deputado Chico Alencar, do Rio de Janeiro; por destacados intelectuais neo-reformistas, etc., defendia nos fatos a priorização da ação parlamentar e institucional; a manutenção da atual fluidez organizativa; a autonomia dos parlamentares diante do partido, etc.

 

A proposta da superação das contradições nacionais através da formação de um bloco social e político nacional-populista foi e tem sido expressa pelo MES, que defendeu no encontro, em sua tese e em sua prática, a abertura partidária e programática ao PDT, a pequenos empresários, a setores das Forças Armadas, etc. Junto com a tendência Enlace – 78 votos –, formada por ex-militantes da Democracia Socialista, que apresentou lista independente, mas no geral politicamente próximo à frente, a agrupação majoritária abocanhou 87% dos votos e, portanto, da direção e da executiva nacional.

 

O Congresso do MST apontou em outra direção. Por decisão soberana da direção do movimento, por primeira vez na história recente do MST, não foi aceita a presença de Lula da Silva, assinalando disposição de independência diante do governo. Igualmente significativa foi a proposta apresentada, na Carta conclusiva do encontro, de luta pela desapropriação de “todos os latifúndios” e luta por “limite máximo” do latifúndio no Brasil.

 

O MST mobilizou-se tradicionalmente pela desapropriação das terras improdutivas, preceito garantido pela própria carta constitucional brasileira. A voraz penetração do grande capital no campo através da agricultura de exportação e, agora, da produção de biodisel e de celulose, tende a incorporar as terras pouco produtivas, em processo de inexorável consolidação do latifúndio, do desemprego, da destruição ambiental e do caráter político e econômico semicolonial do Brasil.

 

A reafirmação da proposta de não indenização das propriedades utilizando “trabalho escravo” avança igualmente em direção da proposição de programa democrático que finalmente supere situação que emperra historicamente o desenvolvimento do país. Ou seja, aborda a questão da defesa do fim da ditadura da renda fundiária, fenômeno arcaico gerado pelo monopólio da terra que entrava o próprio desenvolvimento capitalista do país.

 

Além das bandeiras tradicionais de defesa dos direitos democráticos e sociais e da ecologia, que assume caráter crescentemente dramático, o encontro do MST apontou para a defesa das propriedades públicas e luta pela “reestatização” dos bens privatizados, pontos defendidos igualmente pelas tendências classistas derrotadas no Congresso do PSOL. Outro ponto destacado no congresso do MST foi a solidariedade antiimperialista, sobretudo com Cuba, Palestina, Iraque e o Haiti, ocupado por tropas brasileiras.

 

As duas orientações finais, dos dois encontros, constituem respostas opostas à mesma realidade. Diante da hegemonia do capitalismo mundial sobre o campo, o MST avança no programa de ruptura com o grande capital, única forma de democratização efetiva do mundo rural. Ao contrário, na vigência da fragilização e fragmentação do movimento social, o grupo majoritário do PSOL opta por seguir no caminho já trilhado pelo PT de acomodação à política institucional e à gestão do Estado.

Mário Maestri é historiador. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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