Correio da Cidadania

MST apresenta sua nova proposta de reforma agrária

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Com o lema "Reforma Agrária: por Justiça Social e Soberania Popular", no final da tarde de 11 de junho tinha início em Brasília o V Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com a participação de mais de 18 mil delegados de 24 estados do Brasil. Sua grande aspiração, sustenta Neuri Rosseto, da direção nacional do movimento, é sair do congresso "com a compreensão de que se modificou o caráter da reforma agrária neste período de reestruturação do capitalismo e que o inimigo é muito mais poderoso que os antigos latifundiários que enfrentávamos anos atrás". Com tal propósito, o MST se propõe a apresentar à sociedade a proposta denominada "A reforma agrária necessária: por um projeto popular para a agricultura brasileira", com objetivos e propostas concretas para encarar a questão agrária.

 

Sobre este caráter do encontro e suas perspectivas, o jornalista da ALAI Osvaldo León conversa com Rosseto na entrevista apresentada a seguir.

 

Osvaldo León: Comecemos com um esclarecimento. Por que o MST, em seus congressos, não tem eleições internas quando isto é um dos componentes centrais das organizações sociais?

 

Neuri Rosseto: Na história do movimento, o congresso nacional é um espaço de identidade que difere dos congressos tradicionais das organizações políticas e sociais. Em nossos congressos, trabalhamos para que seja, primeiro, um processo de formação política no sentido de ajudar a clarificar os grandes desafios estratégicos que temos e para buscar a unidade nacional do movimento, para que nossa base social compreenda quais são os desafios que iremos encarar.

 

O outro aspecto do congresso é como manifestação política partindo do campo até a cidade, até a sociedade, como também a expressão do posicionamento contra aqueles que marcam nossa luta: os latifundiários, o Estado e o imperialismo. O terceiro elemento é que o congresso é uma ocasião para a confraternização nacional com nossa militância e da militância com a sociedade, é um momento no qual quem luta pela reforma agrária se encontra, se conhece, troca experiências regionais de suas vidas, de sua cultura, que são completamente diferentes de uma região do Brasil à outra; e também é um momento de confraternização do movimento com a sociedade de maneira geral, tanto com os setores próximos a nós como com a sociedade no sentido mais amplo da palavra.

 

Para outros aspectos, como eleger dirigentes ou debater teses, nós temos outra metodologia, porque isto é feito nos encontros nacionais que se realizam a cada dois anos; quem que sai eleito o é por dois anos. Desta maneira, entendemos que é possível fazer uma discussão mais profunda sobre a escolha dos dirigentes a partir de sua relação com seus estados, pois é cada organização estadual que realiza a seleção que será levada ao encontro nacional, simplesmente como forma de expressar um respaldo político a tais designações.

 

OL: E em qual momento há lugar para o debate de teses e posicionamentos?

 

NR: Para o debate de teses e posições, programamos uma discussão em nossa base social sobre o que é nosso programa agrário e é assim que aparecem as divergências, o confronto de idéias e posições. Depois, o que é levado ao congresso é o que já está sistematizado, de modo que é uma metodologia para motivar a discussão em nossa base social. E quando se chega ao congresso, tudo isso já se encontra mais sistematizado,  mais processado, e há uma unidade estabelecida ao redor dos resultados. No congresso, o que acontece é uma apresentação do resultado de nossa discussão como um documento que expressa a proposta do MST para a agricultura brasileira.

 

Então, é um processo com três momentos complementares. O primeiro momento, quando já se tem algum elemento de referência sobre os grandes temas que vamos debater e aprofundar. Nesse sentido, são elaborados materiais de discussão com nossa base social, sejam eles textos, cartilhas etc. Os materiais que saem em nosso jornal, em nossa revista, já têm uma unidade em torno daqueles que são os principais temas que iremos aprofundar.

 

OL: O que se pretende aprofundar nesse momento? O que se pensa sobre a reforma agrária na atual conjuntura histórica?

 

NR: Neste momento, o que mais interessa aprofundar com a nossa militância, com nossa organização, é qual é o caráter da reforma agrária nesta nova configuração do capitalismo mundial e do capitalismo brasileiro, como é que nele se insere a reforma agrária.

 

Esta não é mais a reforma agrária de quando o MST surgiu. Naquela época, a idéia era a de uma reforma agrária em sua concepção clássica. Estava vinculada ao sistema produtivo industrial. Com a reestruturação, a globalização, o neoliberalismo de forma geral, esse período passou. Agora vivemos um período onde a hegemonia é do capital financeiro e a agricultura se insere nesta nova modalidade - por isso, não cabe mais um modelo de reforma agrária nos termos que pleiteávamos. Precisamos estabelecer qual o novo modelo agora, pois isso também requer delinear qual é o modelo de desenvolvimento alternativo que se contrapõe ao neoliberalismo; não são coisas separadas.

 

Então, não é no congresso que será possível aprofundar algo que começou há dois ou três anos. Essa discussão já estava acontecendo e agora, com o congresso, há um respaldo político para destacar tais temas, com um sentido de unidade, para que prossigam como formação política em nossa base.

 

Como todo movimento social, há uma fluidez na militância. Muitos dos participantes estão vindo pela primeira vez ao congresso, e este ajuda a inserir estas novas camadas, pois existe algo acumulado que alcançamos como organização. Para esse militante, o congresso passa a ser uma referência daquilo que o movimento defende, do que propõe para a agricultura. Isso não se elabora e não se define apenas aqui, mas a partir de uma retomada de nossas tradições históricas e de como vamos continuar a potencializar tais temas com nossa base social e como é que vamos apresentá-los à sociedade para formular, conjuntamente, outro projeto.

 

OL: Qual seria, então, o resultado que esperam alcançar com este congresso?

 

NR: De maneira geral, nossa grande esperança é sair com a compreensão de que se modificou o caráter da reforma agrária neste período de reestruturação do capitalismo e que o inimigo é muito mais poderoso que os latifundiários que enfrentávamos anos atrás, que hoje há a hegemonia do agronegócio, das transnacionais, do capital financeiro. Se conseguirmos que nossa militância entenda o momento histórico em que vivemos e como nele se insere a reforma agrária, creio que teremos dado um salto de qualidade com o congresso, pois isto nos permitirá definir as táticas de luta, a questão das alianças, a questão do intercâmbio com a sociedade e com a comunidade internacional.

 

No Brasil há um enorme potencial de acúmulo de riqueza por parte dos grupos transnacionais, por isso é que estão investindo cada vez mais no país de maneira mais concentrada. O capitalismo se deu conta das condições que o Brasil tem no campo e, mesmo nessa rearticulação do capitalismo internacional, o agronegócio tem um potencial de lucro muito grande por aqui; e esse potencial tais grupos não deixam mais nas mãos dos latifundiários tradicionais, eles se apoderam desse espaço de exploração.Isso está cada vez mais evidente, o controle do espaço geográfico que desejam, o controle de terra e água, o controle da biodiversidade; são áreas estratégicas para o domínio que buscam. Nesse sentido, há uma mescla com as formas tradicionais, que está funcionando muito bem.

 

OL: A respeito da atual situação no plano político, o que se pode dizer?

 

NR: Neste momento o maior desafio é como construir a unidade dos movimentos sociais para, a partir desta unidade, poder pensar como alterar a correlação de forças na política nacional. Melhor dizendo, a questão é confrontar o projeto ao qual Lula está dando continuidade. Nas eleições passadas, com a intenção de promover a unidade, apoiamos o presidente durante o segundo turno. Mesmo porque Geraldo Alckmin, o outro candidato, era a expressão nua e crua do projeto neoliberal. Neste contexto, independentemente da vontade de Lula, consideramos importante colocar na disputa política temas de interesse social como o pagamento da dívida, a reforma agrária etc., que não apareceram no primeiro turno.

 

É uma situação complicada e complexa já que, por sua tradição, no imaginário, Lula é identificado com a classe trabalhadora, e é por isso que tem muita popularidade e aceitação - inclusive dentro de nossa base social, pois há um sentimento de afinidade e afetividade, além de trazer expectativas com suas políticas assistencialistas.

 

Assim, nossa avaliação é que, desde a metade dos anos 70, se registra uma ascensão da luta social, mas, a partir de 1989, quando Lula foi derrotado, deu-se início a uma fase de descenso das mobilizações. É por isso que a unidade das forças sociais continua sendo o grande desafio do momento.

 

 

Fonte: ALAI (http://www.alainet.org/active/18015&lang=es)

 

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