Correio da Cidadania

Ao não denunciar pedofilia eclesiástica, Igreja incorre em crime de ‘Obstrução de Justiça’

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No dia 21 de março, na mensagem tradicional da praça São Pedro, em Roma, o papa Ratzinger defendeu a necessidade de sermos "intransigentes com o pecado (...) e indulgentes com os pecadores". A declaração piedosa foi vinculada pela imprensa à carta publicada na véspera aos "Católicos da Irlanda", sobre as denúncias de graves e freqüentes crimes sexuais contra crianças por parte de padres e religiosos. A carta papal foi publicada em momento de grandes dificuldades do Vaticano. Foi lida como resposta às crescentes denúncias de crimes de pedofilia eclesiástica – e seu encobrimento –, que não cessam de se avolumar na Irlanda, Alemanha, Holanda e Áustria, após causarem enormes estragos à Igreja nos Estados Unidos.

 

Na Alemanha, terra do pontífice, 23 das 26 dioceses já foram atingidas por denúncias de casos de pedofilia clerical. E, mais e mais, as denúncias aproximam-se do papa alemão, apesar dos desmentidos explícitos do Vaticano. O monsenhor George Ratzinger, irmão do pontífice, inquirido sobre crimes de pedofilia ocorridos na instituição que dirigiu, de 1964 a 1994, afirmou que jamais fora informado sobre eles. Reconheceu que esbofeteava crianças sob sua autoridade. Mais antigas, as acusações ao hoje bispo de Roma referem-se ao encobrimento direto de, ao menos, um crime contra um menor. Mais grave ainda, denunciam a orquestração realizada por Ratzinger para que os bispos de todo o mundo encobrissem tais fatos.

 

Em 1979, o então bispo Ratzinger limitou-se a determinar a tradicional transferência e terapia psicológica quando informado que padre sob sua autoridade embebedara e abusara de menino de onze anos. A polícia não foi informada e o sacerdote reincidiu, a seguir, nas agressões. Nos anos 1990, Ratzinger, agora prefeito da poderosa "Congregação pela Doutrina da Fé", fundada em 1662, época em que foi conhecida como Inquisição, foi acusado de não atender às repetidas denúncias de ex-membros da Legião de Cristo, agredidos sexualmente quando meninos e seminaristas pelo padre Marciel Maciel. O papa Wojtila apresentara o fundador daquela congregação integralista como exemplo para a pastoral da juventude.

 

Fundada em 1941, no México, para "estabelecer o reino de Cristo na terra", a riquíssima congregação tem hoje ramificações em mais de trinta países. Apenas em 2006, com o conhecimento universal das ações pedófilas e galantes do sacerdote hiper-devasso, Marciel Maciel, já caquético, às bordas da sepultura, foi convidado por Ratzinger a abandonar a direção da congregação para se dedicar à "oração e penitência". Mais grave ainda teria sido a ação de Ratzinger, em 2001, ao investigar, por ordem do papa Wojtyła, sempre como prefeito da Propaganda Fide, as agressões sexuais e torturas de crianças e adolescentes por padres. Determinou confidencialmente aos bispos que os atos fossem investigados, "da maneira mais secreta possível", sob "silêncio perpétuo" e "segredo absoluto". Proibiu, sob pena de excomunhão, que fossem comunicados à Justiça.

 

A longa carta pontifical aos católicos da Irlanda foi saudada pelas autoridades eclesiásticas como resposta conclusiva àqueles sucessos. As associações de vítimas da pedofilia eclesiástica expressaram, unânimes, o enorme desapontamento com a mesma, pois não assinala os nomes dos responsáveis; não determina devassa dos abusos; propõe inexplicavelmente que Ratzinger teria conhecido os fatos, como a população irlandesa, quando tornaram-se públicos! "Como vocês, fiquei profundamente dilacerado pelas notícias divulgadas referentes ao abuso de crianças e jovens vulneráveis por membros da Igreja na Irlanda (...)."

 

Despertou também espanto as explicações das razões dessa chaga que não cessa de se abrir. Nenhuma palavra sobre o celibato religioso, sobre a misoginia católica, sobre a omertà eclesiástica. Segundo Ratzinger, "nas últimas décadas", a Igreja irlandesa defrontou-se com "graves desafios à fé" devido à "transformação e secularização" sociais, que enfraqueceram a "adesão tradicional" aos "valores católicos", abandonando "práticas" como a "confissão freqüente, a prece quotidiana e o retiro anual". Ratzinger responsabiliza o laicismo e a secularização porque facilitaram denúncias de crimes sexuais que se arrastam impunes há séculos!

 

O grande impasse que não se soluciona nasce da negativa das autoridades religiosas de reconhecerem a autonomia cabal do mundo civil. Não se discute o direito da Igreja de defender que a pedofilia eclesiástica seja sobretudo delito contra a fé e pecado grave, superado através do arrependimento, da confissão e da penitência religiosa. Desde que denunciem, incontinenti, às instâncias civis responsáveis, tais crimes, sobre os quais não possuem qualquer autoridade. Se não o fazem, incorrem em crime de "obstrução da Justiça".

 

Mário Maestri é historiador e professor do curso e do programa de Pós-Graduação em História da UPF.

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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Comentários   

0 #3 A Igreja nao vai tomar nenhuma atitude sJosé Alexandre 26-03-2010 18:16
Concordo com as considerações do professor Maestri. "Na linguagem eclesiástica "por na geladeira" significa distanciar o religioso sexualmente ativo do local que costuma realizar suas cópulas secretas, sua paróquia. É o que acontece em casos como este de Arapiraca no Alagoas. Depois de a poeira abaixa o funcionário da instituição católica inicia nova agremiação de parceiros e vida que segue. Até o próprio Ratzinger foi acusado de acobertar práticas desta natureza. Para a sobrevivência da Igreja é necessário que seus mais altos dirigentes façam vista grossa para práticas deste tipo. Se cada sacerdote fosse expulso da instituição por fazerem o que o celibato não permite, podem crer, a Igreja ruiria."
http://www.medioparaiba.com.br/revista/noticia.php?l=159d7dccd7712392e22b4b41da7245e4
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0 #2 Todo crime merece castigo!Auristenisson da Mota Cirino 23-03-2010 14:34
Já não é mais novidade a publicidade negativa da Igreja envolvendo-a em assuntos relacionados a pedofilia e padres católicos, como também já está ficando bem comum o crime não ser crime, e o criminoso tornar-se vítima.
É tremendamente vergonhosa a atitude de defesa do clero nas questões de pedofilia(proteção a padres pedófilos), talvez até seja compreensivel que o Papa haja na intenção de preservar a Instituição religiosa, entretanto, não é correto acobertar o crime e fazêlo parecer ser menor e menos grave do que realmente é. Qualquer tentativa nesse sentido
significa tratar a todos como débeis, a não ser que não mais vejamos a barbárie nesse ato.
Aprendi que na solidariedade-substituta devemos sempre nos colocar em lugar do outro, da vítima (das crianças e dos jovens molestados sexualmetne) que foram fisica e moralmente atingidos.
Não quero politizar a situação, mas a política está sendo usada para atenuar o crime e não punir o criminoso devidamente. A justiça cabe ao justo, assim nos ensina a prática do evangelho!
Não creio que a Igreja continue a aceitar pacificamente a má convivência da pedofilia em seus santuários e se isto acontecer Satanás estará regozijando em grande estilo dizendo: "A sua omissão me fortalece".
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0 #1 Árvores e FrutosFelipe Sá 23-03-2010 12:31
Jesus alertou a existência de falsos Cristos e de falsos profetas no meio das igrejas, além da existência de joio no meio do trigo.
Quando o falso é identificado, jamais ele pode ser tratado como verdadeiro (faça um paralelo com o dinheiro).
Quando você, sabendo ser falsa aquela pessoa, a trata como verdadeira, você está sendo cúmplice dela.
Quando a Igreja encobre crimes está sendo igual a quem os comete.
Paulo bem orientou que, nestes tipos de caso, é melhor entregar a pessoa a Satanás para que pereça a carne, mas o espírito seja salvo (leia 1º Coríntios, capítulo 5).
Que Deus tenha misericórdia dos pedófilos e daqueles que, mesmo não sendo, agem como se fossem.

A paz do Senhor a todos.
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