Correio da Cidadania

O sentido da “economia e vida humana”

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O tema da Campanha da Fraternidade de 2010, "Economia e vida humana", e seu lema, "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro", é suficientemente instigante para nos induzir a análises e interpretações que se agregam àquelas já distribuídas nos textos-base da própria Campanha, promovida este ano pelas cinco Igrejas que integram o CONIC (Conselho de Igrejas Cristãs).

 

Há certamente várias leituras sobre o sentido desta Campanha ou ainda dos seus objetivos, alcance e significado social. A primeira reação dos veículos de comunicação, da televisão principalmente, foi de rotineiramente apresentá-la como iniciativa de promoção humana, na linha dos projetos locais de solidariedade e ajuda mútua. Isto não contradiz o texto-base, mas é muito restrito para responder às provocações propostas pelo tema e lema desta Campanha.

 

A palavra evangélica "Vocês não podem servir a dois senhores – a Deus e ao Dinheiro" é o cerne da questão. Precisa ser trazida ao presente para uma reflexão atual sobre o agir humano nos assuntos econômicos. Mas isto precisa ser feito no contexto da economia, Estado e sociedade em que ora vivemos – o capitalismo do século XXI.

 

O que significa hoje servir a Deus ou servir ao dinheiro nesta sociedade humana em que vivemos e quais as conseqüências sociais e pessoais desse agir. Isto significa propor a todos e a cada um de nós que há dois projetos éticos distintos quando se trata de economia. Em um deles, a finalidade de qualquer ação econômica, em última instância, é ganhar dinheiro, atender a desejos (de consumo) e usufruir utilidades, para o que o dinheiro se transforma em finalidade em si próprio. Mas há um outro projeto do agir econômico, no qual o dinheiro é um meio para atender a necessidades humanas imprescindíveis, mediante as quais nos capacitamos para participar de uma vida socialmente digna.

 

A economia como sistema de mercados capitalistas auto-suficientes impõe e impele toda a sociedade para uma ética utilitária e hedonista do primeiro tipo e expulsa o atendimento das necessidades básicas dos que não têm dinheiro para fora da economia.

 

Voltando ao lema da Campanha, essa economia que expulsa o atendimento de algumas necessidades básicas do ser humano (alimento, teto, agasalho, saúde, educação etc.) para fora do seu sistema de valores escolheu um senhor da vida que não é Deus. Quem adotá-la como finalidade de vida terminará rejeitando as coisas do Senhor da vida, porque não é possível amar a esses dois senhores.

 

Mas como um cristão ou mesmo ateu que se defronte com o dilema ético de servir ao deus dinheiro ou servir ao Senhor da vida poderia optar no seu agir econômico? Afinal, não é ele um consumidor compulsório de mercadorias, ou um trabalhador da produção mercantil em um sistema econômico gestado pela doutrina utilitária e hedonista? Mesmo desempregado ou servidor público, esse seres humanos integram uma sociedade dominada pelo espírito do capital e do dinheiro como valores motores, não apenas da economia, como também da própria constituição e identidade da sociedade.

 

A resposta a tal questão não é simples nem única. Qualquer solução rápida e direta é frágil. Mas o importante dessa Campanha é nos instigar a pensar em projetos alternativos de vida pessoal, social e econômica que nos libertem da compulsão imposta pela sociedade do capital e do dinheiro.

 

Ora, como a economia é um sistema de valor fundamentado no dinheiro (emitido desde os tempos evangélicos pelo Estado) e na finalidade contínua da sua acumulação, salta aos olhos que o projeto alternativo de vida pessoal e social que nos liberte de sua tirania seja uma página em branco da história, de uma nova economia política a ser construída.

 

Tivemos no século XX vários experimentos do socialismo real, que infelizmente não lograram atingir os atendimentos a uma das necessidades humanas básicas - a liberdade política. Nas próprias sociedades do centro do capitalismo instauraram-se os chamados Estados do Bem Estar, que, pela órbita da esfera pública, introduziram na economia o vetor das necessidades humanas básicas. Mas tudo isto é também reversível porque não é valor central da economia.

 

Finalmente, a proposta em aberto da "Economia e Vida Humana" é uma utopia necessária, embora ainda insuficiente para nos responder a muitos dos questionamentos que temos à mente.

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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Comentários   

0 #4 Gostei do artigoLuiz 26-03-2010 19:40
Também não tenho respostas e continuo procurando.

Achei duas frases muito bem pensadas:

\"A economia como sistema de mercados capitalistas auto-suficientes impõe e impele toda a sociedade para uma ética utilitária e hedonista do primeiro tipo e expulsa o atendimento das necessidades básicas dos que não têm dinheiro para fora da economia.\"

De fato, quem estudar Microeconomia não vai se debruçar sobre o problema daqueles que não tem dinheiro e por isso não consomem nada. Eles foram excluídos por quem escolheu os objetos de estudo. Isso pressupõe a opção pela \"ética\" hedonista e utilitária, mas isso não é explicitado nas teorias.

\"esse seres humanos integram uma sociedade dominada pelo espírito do capital e do dinheiro como valores motores, não apenas da economia, como também da própria constituição e identidade da sociedade.\"

Interessante que a palavra que aparece é \"espírito\", talvez lembrando Weber. Nós cristãos temos também essa palavra em nosso vocabulário, e me inclino a achar que não existe muita diferença funcional nas duas: um e outro conduzem as pessoas e a sociedade para algum lugar. Daí a figura do vento para simbolizar o espírito. Só que o Espírito dos discípulos e discípulas de Jesus, aquele por quem optamos, nos impele em direção diversa - para não dizer oposta - àquele \"espírito do capital e do dinheiro\".
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0 #3 O caminho do meioEzio J Rocha 19-03-2010 10:08
Devemos dar à Cesar o que é de César e à Deus o que é de Deus. Quando vou ao mercado fazer compras, aproveito a obrigação optando ir à pé. Desta forma estou colaborando contra a poluição atmosférica. No mercado, divido as compras com pesos e por ítens de contaminação em sacolas plásticas e as carregos nas proporções de os pesos em cada mão. Não estarei prejudicando minha coluna.
De repente, ouço alguém dizer que as sacolas plásticas são as maiores contribuintes da poluição de nossa natureza. Que demoram séculos para serem absorvidas. Ouço que uma nova Lei proibirá os mercados de ensacarem as mercadorias nessas sacolas. Fico sabendo também que essas sacolas serão substituidas por sacolas de papel reforçadas.
Ora! Lamento saber que árvores perderão a vida oferecendo suas celuloses para confecção de sacolas que são mais absorvíveis pela natureza. Imagino que logo descorirão isto e terei que carregar minhas compras não sei como e nem de que modo. Alguuma coisa, também, prejudicial há de substituí-la.
Então, sempre respeitei o caminho do meio. Não podemos ser extremamente ligados à isto ou aquilo. Tudo que fazemos uso moderadamente para nosso bem sem prejudicar nossos semelhantes é válido de qualquer forma. A campanha da Fraternidade deste ano deve ter sido inspirada no plano de governo do nosso atual Presidente que é uma figura muito inteligente, humana e sábia, mesmo sem possuir diplomas ou certificados que o qualifique para a maioria que só acha capacitado aqueles que \"frequentaram\" bancos de universidades.
Devemos pagar nossas dívidas aos Césares em moeda corrente como devemos socorrer nossos semelhantes que são irmãos na criação divina. Isso envolve algo represente um produto e esse algo nada mais é do que dinheiro.
No século 7 a.C., criou-se uma unidade padrão e o Reino da Lídia (atual Turquia) cunhou a primeira moeda, muito similar às atuais. Era a moeda lídia feita de eletro (liga de ouro e prata). Configurou-se, então, o primeiro sistema monetário global. Daí em diante surgiram o Denário, Dracma e etc.
O dinheiro é um símbolo, um ícone que representa nossas posses, bens materiais, algo físico que não podemos expor ou explicitá-lo. É como uma imagem, uma fotografia que representa um ídolo, um assunto ou algo abstrado.
Devemos seguir o Caminho do meio fazendo uso do equilíbrio para não pendermos para um dos lados.
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0 #2 o sentido da \"economia e vida humana\"renato machado 19-03-2010 10:02
O importante artigo nos mostra a atualidade cruel do que representa a economia nas mãos do grande empresariado , das corporações , dos “investidores” e de governos serviçais a estes interesses , que entendem que a economia só pode “funcionar” desta maneira. Importa agora é provarmos exatamente o contrário. Eis a tarefa maior.
Imagine se no decorrer de alguns anos a economia por grandes pressões dos povos e das sociedades civis se tornasse um espaço privilegiado de investimentos públicos. Não esquecendo que recursos públicos são recursos do próprio povo. As obras de infraestrutura e os serviços públicos viriam desses recursos do Estado , e da outra parte haveriam os recursos públicos para financiamentos de atividades autogeridas por trabalhadores , e para micro pequenos e médios empreendedores. Aos poucos o que aconteceria com os “investidores” e os grandes capitais privados que asfixiam as economias dos países ? teriam morte por asfixia lenta e seus recursos apodreceriam.
Por que os economistas pensam que economia é assunto somente para eles e para grandes empresários? Por que um país tem que depender única e exclusivamente , em quase todos casos , dos recursos privados dos “investidores” ?
Por que os sindicatos tem que achar que somente empresários é que devem gerar empregos ? Por que os sindicatos pensam que as fábricas devem ser propriedade somente de empresários ? Se as crises econômicas defenestram sempre os mais fracos e aqueles que não podem opinar sobre isso , a economia é importante demais para todos os povos , para ficar nas mãos de empresários e de “investidores”. Por que são necessários tantos recursos assim .para mover a economia de um país , se são fatos consumados que o que é produzido por esse tipo de economia na sua maior parte é lixo , são produtos descartáveis , que não seriam necessários produzir? Além disso , esse tipo de economia que necessita de grandes capitais privados para ser eficaz , produz cada vez mais , produtos de vida útil cada vez mais curta e que precisam serem trocados rapidamente , sem contar milhares de desnecessidades , de superfluos , de bebidas e comidas que não alimentam e que trazem doenças. e que , para uma sociedade que preservasse a vida saudável , não seriam necessários produzir. Para uma sociedade viver decentemente e produzir o suficiente e o adequado , significando para isso , o estabelecimento por parte dessa sociedade , que os bens a serem produzidos devam ter durabilidade máxima ,boa qualidade ,serem acessíveis a todos , serem produtos saudáveis e que sua produção seja em consonância com o respeito ao ambiente , seriam ainda precisos estes imensos capitais privados dos investidores?
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0 #1 O Cristão não pode lucrar.Auristênisson da Mota Cirino 18-03-2010 14:39
Nos deparamos com a ética(?) de acumulação capitalista e somos impelidos a reproduzir o sistema que prega a desigualdade, a indiferença e o individualismo.
Ser Cristão nos tempos atuais é quase um pecado que carregamos, pois, na maioria das vezes pregamos na cruz os excluídos do sistema. Nossos atos revelam uma sociedade desumana e égoista, pouco preocupada com a geração futura.
Não vemos nutrir no meio social elementos humanos que possam resgatar a dignidade humana e garantir a vida. Na verdade, existe sim, a cultura da morte que condena a esperança ao desalento (não estou fazendo previsão escatológica), porém, basta observar mais criticamente a conduta de quem conduz a sociedade e a quem ela verdadeiramente serve - ao dinheiro!
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