Correio da Cidadania

Obama, esperanças e decepção

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"Tudo deve mudar para que tudo fique como está" (‘O Leopardo’, Lampedusa)

 

O ano começou com o mundo focado nos EUA, onde o recém-eleito presidente Obama começaria a mudança que tornaria os EUA "queridos e não temidos". Mas cedo se viu que as coisas não seriam bem assim.

 

A força da oposição de direita logo se manifestou. Pretendendo unir todos os americanos, Obama nomeou 20 falcões para importantes postos no seu governo. Como Hillary Clinton, ardente defensora dos interesses israelenses e da mão de ferro para com o Irã, que foi para a Secretaria de Estado. E figuras do governo Bush, inclusive Robert Gates, mantido na Secretaria da Defesa, e os generais Odierno e Petraeus na liderança do Pentágono, o que levou Karl Rove, assessor político e eminência parda de George Bush, a comentar: "A nova equipe de Barack Obama representa, num grau substancial, continuidade".

 

Justificando-se, Obama assegurou que todos os nomeados teriam se comprometido a seguir suas orientações. E que, yes, we can mudar a imagem dos EUA, através de uma política que privilegie a diplomacia em lugar do uso da força.

 

No entanto, ele deparou com uma poderosa barreira erguida pelos setores adversários da mudança. A começar pelo Senado e a Câmara dos Representantes.

 

Em matéria de política exterior, a maioria dos parlamentares democratas marcha com a oposição republicana de direita. Podem divergir em alguns casos pontuais, mas, em geral, defendem as mesmas políticas hegemônicas.

 

Depois, temos o complexo industrial-militar, denunciado pelo presidente Eisenhower como ameaça à democracia, que se tornou dominante na política externa no governo Bush, segundo Daniel Ellsberg, respeitado crítico do Pentágono.

 

É um setor poderosíssimo, cujas empresas movimentam negócios da ordem de 100 bilhões de dólares anuais, empregando 5 milhões de trabalhadores. Evidentemente, entre guerra e paz, sua preferência é óbvia. Continuam pesando na balança, pois, apesar da crise econômica do país, o orçamento militar para 2010 é de 696 bilhões de dólares, 45% do total mundial, comprometendo 40% das despesas públicas.

 

Oriente Médio

 

Os lobbies judaicos também têm um grande peso político, especialmente a AIPAC, com seus 100 mil membros e orçamento anual de 65 milhões de dólares. Ela financia as campanhas eleitorais da maioria dos legisladores americanos, daí o apoio irrestrito que eles dão à causa do Estado de Israel.

 

Finalmente, a grande imprensa e as redes nacionais de Rádio e TV, além de um sem número de veículos de comunicação do interior, são normalmente pouco sensíveis à idéia de um Tio Sam compreensivo e pacífico, de mãos estendidas mesmo para países desafiadores.

 

Obama até que tentou cumprir suas promessas. No histórico discurso do Cairo, jurou amizade ao mundo muçulmano e defendeu justiça para o povo palestino: "A situação deles é intolerável. E a América não dará as costas à legítima aspiração dos palestinos por dignidade, oportunidades e um país que seja deles".

 

Coerente com estas palavras, o presidente dos EUA exigiu que Israel congelasse a construção de novos assentamentos como condição prévia para início das negociações com a Autoridade Palestina, visando a fundação de um Estado palestino nos limites definidos pela ONU.

 

Mas o ultra-direitista primeiro-ministro Netanyahu negou-se a atendê-lo. E durante nove meses o mundo assistiu a um duelo verbal entre os governos israelense e americano.

 

Talvez para conseguir seu objetivo, Obama fez concessões a Israel. Não se opôs ao bloqueio militar de Gaza que impede a entrada de materiais para a reconstrução da região destruída pelo exército israelense. E, mais grave, procurou sabotar o relatório do inquérito sobre Gaza, que condenava o exército de Israel por crimes de guerra, inclusive pressionando Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, a retirar seu apoio. Embora sob pesadas críticas dos EUA, o relatório acabou sendo aprovado na Comissão de Direitos Humanos da ONU.

 

Enquanto isso, a causa israelense recebeu forte apoio político de dentro dos EUA. Setenta senadores dos dois partidos enviaram carta a Obama solicitando que ele exigisse concessões, não de Israel, mas dos países árabes. E mais de 90% dos membros da Casa dos Representantes proclamaram que o relatório do inquérito de Gaza era mentiroso e que, portanto, o governo dos EUA deveria vetar qualquer proposta dele oriunda.

 

Por fim, Netanyahu, depois de aprovar 900 novas edificações nos assentamentos, ofereceu 10 meses de congelamento, excluindo, porém, todos os projetos já aprovados (mesmo que não iniciados) e os assentamentos em Jerusalém Oriental. Esquecendo-se de suas promessas anteriores, Obama apressou-se em saudar a iniciativa como "um grande passo para o processo de paz". Já os palestinos, como era de supor, rejeitaram esse congelamento apenas parcial.

 

No Iraque, depois de prometer retirada em 16 meses, Obama cedeu à pressão militar e aumentou o prazo para 19 meses. E declarou que ainda assim deixaria 50 mil soldados "para treinamento do exército iraquiano, apoio logístico e proteção dos nossos civis", sem previsão da data do retorno aos EUA.

 

Quanto às relações com o Irã, Obama, no início, demonstrou vontade de substituir a política de força de George Bush pela diplomacia. E por esta via resolver o contencioso originado pelo enriquecimento do urânio naquele país. Em vídeo enviado ao povo iraniano, no qual afirmava seus desejos de paz, Obama garantiu: "Este processo não avançará com ameaças. Em vez disso, buscamos acordos honestos e baseados em respeito mútuo".

 

Mas o clima de boa vontade durou pouco. As violências do governo iraniano contra os protestos pós-eleitorais provocaram irados ataques da imprensa americana. Obama, que a princípio tinha se mostrado cauteloso, entrou nessa onda com críticas duras. Ahmadinejad respondeu no mesmo tom.

 

Aí, Hillary Clinton entrou em ação. Primeiro, afirmou que não acreditava em negociações, só em sanções - o que contradizia o vídeo de Obama. Posteriormente, afirmou que os EUA não permitiriam que os iranianos continuassem a enriquecer urânio, mesmo sob "intensa fiscalização da ONU". Mais adiante: "A hora de agir é agora. A oportunidade não ficará disponível indefinidamente". Por fim, vieram as ameaças no estilo Bush. Se os aiatolás não pedissem água logo, os Estados Unidos "não hesitarão em usar sua força militar para defender nossos interesses".

 

A estas alturas, as esperanças de soluções pacíficas foram para o espaço. Obama transformou-se num falcão, agitando a bandeira das sanções.

 

Em outubro, foi apresentada uma proposta na qual todo o urânio do Irã, levemente enriquecido, seria enviado para enriquecimento em níveis mais altos na Rússia e na França, quando então voltaria aos iranianos para usos medicinais. Assim, os EUA e europeus ficariam tranqüilos, pois não sobraria combustível para bombas nucleares. O Irã aceitou desde que houvesse uma troca simultânea do seu urânio pelo urânio enriquecido naqueles países.

 

Havia motivos para essa exigência. Em 1979, quando da revolução que destronou o xá e proclamou a república islâmica, os franceses recusaram-se a entregar urânio já pago pelo Irã ou a devolver a quantia que tinham recebido.

 

Mas a proposta do governo de Teerã foi rejeitada pelos Estados Unidos e seus aliados europeus, sob alegação de que se tratava de "mero expediente dilatório".

 

América Latina

 

Sinais de mudança chegaram à América Latina quando o governo americano votou a favor do cancelamento da suspensão de Cuba pela OEA, aprovou a eleição do governo esquerdista de El Salvador e condenou o golpe militar hondurenho.

 

Porém, o cancelamento do câmbio favorecido para exportações bolivianas, que pode causar a perda de 25 mil empregos, foi ação típica dos tempos de George Bush. O processo de paz com Cuba passou a andar em passos lentos e sob a liderança de Hillary Clinton buscou-se um acordo com o governo interino hondurenho. Apesar da recusa dos golpistas em admitir a volta do presidente Zelaya, os EUA negaram-se a adotar sanções econômicas que certamente os forçariam a pedir água. E acabaram, sob pressão do Partido Republicano e diversos parlamentares democratas, aceitando o resultado de eleições convocadas por um governo ilegal.

 

A "mudança" para continuar o mesmo na América Latina prosseguiu com a instalação de sete bases militares na Colômbia. Teoricamente para apoiar o combate ao narcotráfico. Não é bem assim, segundo o documento apresentado no Congresso pela Força Aérea dos EUA para justificar a rede de bases que "cria uma oportunidade única para lançar operações militares de todo o tipo numa sub-região crítica do nosso hemisfério, onde a segurança e a estabilidade estão sob ameaça constante de movimentos insurgentes financiados pelo narcotráfico, de governos anti-EUA, de pobreza endêmica e de desastres naturais recorrentes".

 

Protestando contra as bases, vários países da América do Sul exigiram garantias escritas do governo americano de que não atuariam fora da Colômbia. Obama fez que não ouviu.

 

Afeganistão

 

Por fim, não se esperavam muitas mudanças no teatro do Afeganistão. Mas Obama mudou. Para pior.

 

Ele está dobrando o número de soldados americanos no país. Para convencer o público americano, majoritariamente contra a guerra, usou o mesmo tema de Bush: o medo. Exagerando o perigo representado pelos terroristas, declarou que eles poderiam roubar artefatos nucleares. A segurança do mundo inteiro dependeria, portanto, da vitória no Afeganistão.

 

Indo além de George Bush, Obama aumentou o número dos raids de aviões sem piloto para bombardear a região do Paquistão limítrofe com o Afeganistão. Com isso, foram mortos, desde janeiro de 2008, cerca de 15 líderes talebans, ao custo da vida de cerca de 700 civis.

 

Agora, Obama insiste, por pressão militar, em bombardear a cidade de Qaeta, onde existiriam concentrações de talebans. Coisa que o governo e os generais paquistaneses vêm rejeitando com indignação, pois resultaria na morte de muitos civis inocentes.

 

Constatações

 

As esperanças depositadas em Barack Obama foram se desvanecendo, mês a mês. Talvez fosse uma fantasia pretender que um país orgulhoso de sua hegemonia, acostumado a impor sua vontade, com ou sem razão, se tornasse "mais um irmão", como Obama disse que seu país seria na América Latina.

 

Tudo indica que ele tentou realizar a mudança prometida. Encontrou obstáculos. Teve de ceder. Mudou tanto que acabou se aproximando de George Bush.

 

Teria sido mesmo impossível vencer as forças de direita nos EUA? Ou faltou coragem, vontade política, audácia, ao presidente americano?

 

É irrelevante. Ser compreensivo com Obama e suas boas intenções não vem ao caso. Um governo vale pelo que ele faz. Não pelo que gostaria de fazer.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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Comentários   

0 #1 O que eles queremRaymundo Araujo Filho 28-12-2009 10:44
O Brasil (seus governantes) querem amar os EUA.

Os EUA (os govrnantes) querem ser temidos.

Enquanto isso, o Povo come paçoca.
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