Correio da Cidadania

O número de cidadãos atingidos a serem expulsos

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3.2. O malabarismo do cálculo do número de atingidos.

 

O método mais óbvio seria assinalar em mapas corretos todos os terrenos e construções localizados abaixo da cota 97 metros, que seriam alagados, e depois recensear minuciosamente todos. Não foi exatamente o que foi feito. As empresas contratadas pelas grandes empreiteiras que elaboraram o EIA estão inclusive anunciando que também serão atingidas as propriedades e benfeitorias situadas entre as cotas 97 metros e 100 metros, ou seja, três metros, na vertical, acima do nível máximo da água. Porque? Alegam que também esses locais tem que ser esvaziados pois ficarão na orla das represas em “APP”, Áreas de Preservação Permanente, segundo eles uma exigência do IBAMA. Qual foi então o veredicto sobre esse numero tão crucial?

 

Do EIA: Nesse sentido, observa-se que de acordo com a pesquisa censitária realizada o número de pessoas residentes na área rural pesquisada, na ADA, é de 2.822 pessoas ...Ocorre que os pesquisadores a serviço do EIA registraram que havia 1241 imóveis rurais e dentro deles, apenas 809 casas ocupadas (tabela da página 197), o que já despertaria desconfianças quanto ao rigor técnico desse trabalho de pesquisa (haveria imóveis rurais sem nenhuma casa? Ou haveria mais de 400 casas desocupadas no momento da pesquisa? E os imóveis rurais que sabidamente tem mais de uma casa? E os trabalhadores que passam o dia fora de casa?...)

 

De todo modo, dos resultados divulgados, pode-se inferir uma média de quase três e meia pessoas por casa ocupada, o que é pouco para a área rural da região da Transamazônica, onde as famílias dos colonos em geral são numerosas. Ou, será que os pesquisadores partiram desse numero médio, e na falta de recensearem devidamente os ocupantes das casas, simplesmente multiplicaram o numero de casas –onde havia alguém no momento da pesquisa- por essa média?

 

A única área urbana que seria diretamente afetada pelo alagamento fica nos bairros mais baixos de Altamira, ao longo das várzeas lá chamadas de “baixões”, e na beira dos igarapés e do próprio rio Xingu, uma boa parte das casas sendo construída no sistema de palafitas, pequenas, interligadas por passarelas de madeira, e sabidamente com muitas pessoas por casa. O que o EIA conclui? ... na área urbana de Altamira, o total de pessoas a serem relocadas é de 16.420, tendo sido pesquisados 4.760 imóveis, dentro dos quais 5.218 edificações (tabela da página 197).

 

Claro que existem nesses bairros vários móveis com mais de um prédio (lojas, galpões, garagens, edículas, banheiros), onde não residem pessoas, mas ...novamente, a media é quase três e meia pessoas por casa. A ocupação numa área urbana periférica, pobre, densa, é a mesma da área rural ?

 

Para complicar ainda mais o leitor do EIA, na página 176 nos informam que as pessoas residentes na altitude acima de 97 metros e até a altitude de 100 metros também deveriam ser deslocadas: Na área urbana de Altamira, a TABELA 10.4.2-11 inclui todas as pessoas residentes na área pesquisada (orla do Xingu e bacias dos igarapés Altamira, Ambé e Panelas até o limite da cota 100,0 m, que inclui a área que poderá ser afetada pelo futuro Reservatório do Xingu e as Áreas de Preservação Permanente (APPs), além da área a ser atingida pelo efeito de remanso do reservatório internamente à cidade).

 

Outro fator então passa a ser utilizado como argumento: o misterioso “efeito de remanso”, ou seja, apesar da cota máxima da barragem lá na Ilha Pimental ser 97 metros, a água em Altamira poderá subir mais do que isso! Claro: uma vez represado o rio principal, quando houver grandes chuvas na região dos igarapés que chagam na cidade, ou houver estouros de açudes( como aconteceu, aliás, em 2009), a enxurrada não terá para onde escoar, e aí só há duas alternativas: ou a água sobe acima da cota 97 – ou – a área alagada será bem maior do que a calculada...

 

O EIA assim conclui esse veredicto de enorme importância social e política : “Em função dos estudos de remanso realizados para este EIA terem detectado que até a cota 100,0 m poderão ser verificados efeitos adicionais sobre as áreas inundadas para o cenário atual e com a implantação do empreendimento, foi realizada pesquisa socioeconômica censitária, na cidade de Altamira, de forma a identificar, em detalhes, a ocupação, até essa cota, no entorno dos igarapés Ambé, Altamira e Panelas, chegando-se a cerca de 4.700 imóveis urbanos a serem afetados, compreendendo uma população da ordem de 16.400 pessoas. Há que se destacar que a população que habita as margens desses igarapés hoje já é submetida anualmente a impactos decorrentes das inundações na época das cheias, obrigando-as à transferência compulsória e, por conseguinte, já configurando uma alteração de elevada magnitude. (Estudo de Impacto Ambiental, versão depositada no IBAMA em maio de 2009, pagina 175 da seção Avaliação dos Impactos Ambientais)

 

O catecismo barrageiro oficial bate sempre na mesma tecla: esse pessoal já vive muito mal... Como gosta de afirmar o próprio pai do projeto Belo Monte, o engenheiro Muniz Lopes, presidente da Eletrobrás: "O projeto vai propiciar o remanejamento de populações que vivem em palafitas, em cima de igarapés" (agencia Reuters News. Projeto para salvar a Celg envolve Eletrobrás, BB e BNDES.18 de setembro de 2009). Mas, as surpresas não terminam aí: todos sabem que uma das vilas residenciais dos funcionários do projeto seria feita na cidade de Altamira, a vila considerada mais importante, a dos engenheiros e gerentes, que precisam ficar perto do aeroporto e dos serviços urbanos. Os demais trabalhadores morariam em vilas e alojamentos bem próximos dos canteiros de obras, claro! Novamente, um comentário maroto do EIA:

 

Observa-se aqui, com relação à cidade de Altamira, que não se encontram contabilizadas no montante apresentado aquelas que poderão vir a ser afetadas pela aquisição de imóveis para a implantação da vila residencial. Tal fato justifica-se pelos seguintes motivos: ....o presente EIA propõe que as 500 residências sejam localizadas em diferentes áreas da cidade, sem configurar um núcleo isolado e que poderia induzir ao impacto de segregação sócio-espacial dessa vila em relação ao resto da cidade.

 

De fato, é um exercício de enrolação do leitor: se serão necessárias 500 novas residências, ou bem elas serão construídas e aí será preciso adquirir os terrenos – que podem ou não estar ocupados, mas que pertencem a alguém – ou então, serão adquiridas casas já existentes, o que por sua vez, provoca outro surto de mudanças de famílias para outras casas ou para novos terrenos. Claro, é mais fácil não contabilizar nada disso, e , mais uma vez, diminuir o número total anunciado de pessoas para serem deslocadas pelas “necessidades da obra”.

 

De qualquer modo, os elaboradores do EIA , - e em seguida, os seus aprovadores no governo federal e as empresas que de fato assumirem a construção da obra, - admitem que terão que resolver o problema de 19.242 indivíduos.

 

Eis as perguntas naturais, que qualquer um faria, ao saber que quase vinte mil pessoas serão forçadas a sair de onde moram: Terão respeitados os seus direitos elementares? Pra onde vão? Serão ajudadas a reconstruir sua vida em outro local? Elas sabem o que vai acontecer com elas?

 

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