Correio da Cidadania

O “novo” inventário hidrelétrico, que recuou sem dizer porque

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2. O “novo” inventário hidrelétrico, que recuou sem dizer porque... e a nova decisão, “para a platéia”, de fazer somente uma das quatro grandes usinas.

 

Aprovado pelo antigo DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, esse inventário hidrelétrico valeu até 2007, quando foi apresentada para a Eletrobrás – que nessa época tomou o comando do projeto das mão de sua subsidiária Eletronorte - uma atualização feita pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Essa EPE foi constituída durante o 1o. governo Lula-Alencar, sob forte influência do CNEC e das demais grandes consultoras e construtoras, e de fato atua como um braço da dita indústria barrageira no seio do Poder Executivo federal. Não à toa, é dirigida pelo barrageiro fundamentalista Mauricio Tolmasquin. Podemos assim resumir esse novo inventário hidrelétrico do Xingu:

 

A.Suprimir o projeto Cachoeira Seca, na esquina formada pelo rio Iriri, certamente por causa do alagamento que tomaria a recém – criada Reserva extrativista do Riozinho do Anfrisio, antiga zona seringueira, além de alagar as T.Is. Xipaia e Curuaia, rio acima; como é de costume, nunca reconhecem que mudaram de planos por essa razão!

 

B.Alterar os cinco “eixos” então previstos para barrar o rio Xingu no Estado do Pará: reduzindo para quatro “eixos”; e, exceto Belo Monte que continua prevendo a instalação dos mesmos 11.128 MW, alterar os nomes e as capacidades elétricas dos outros três eixos: Babaquara se torna Altamira, agora com 1.848 MW, Ipixuna se torna Pombal, com 600 MW, e Kokraimoro se torna São Felix, com 906 MW; isso por causa do alagamento de trechos das várias T.Is. e pela submersão total da cidade de São Felix, que também não assumem!

 

C. Reduz a altura das barragens desses três projetos, e muda bastante a localização dos dois últimos; no caso do projeto Belo Monte, consolidou-se a idéia já apresentada em 2001, de deslocar o “eixo” de barramento, na Volta Grande uns 50 km rio acima da cachoeira Jericoá, reduzindo a área alagada para, segundo diziam, pouco mais de 400 km2, o que se fosse verdade, seria quase uma terça parte do alagamento do projeto anterior. A razão mais forte para tal modificação foi certamente evitar o alagamento da T.I. Paquissamba, dos Juruna, e contornar a aplicação do artigo 231 da Constituição Federal, uma manobra geográfica e jurídica que os projetistas também não reconhecem.

 

Em 2005 foi publicado e o lançado quase ao mesmo tempo em Altamira e em São Paulo, o livro “Tenotã Mõ. Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu” , que foi bancado pela ONG International Rivers e apoiado por outras entidades brasileiras; organizado pelo autor desse artigo, o volumoso livro contem informes, artigos e notas técnicas escritas por dezessete autores, inclusive cinco estrangeiros que conhecem bem o Brasil e os problemas das hidrelétricas. (obs.: disponível em http://www.internationalrivers.org/ , na pasta textos em português, e no meu site www.fem.unicamp.br/~seva )

 

É claro que os projetistas das usinas no Xingu tomaram conhecimento desse grande esforço intelectual e de militância, mas eles nunca reconhecem os interlocutores, nem ao menos mencionam o fato dentro do EIA apresentado em 2009... Tudo fizeram para esconder que várias das modificações feitas nos projetos das usinas desde então, se devem às críticas detalhadas e fundamentadas feitas nesse livro, e omitem que muitas das conseqüências negativas dos projetos foram tornadas públicas por tais especialistas e lideranças conhecidas e experientes.

 

Uma das mais importantes mudanças de discurso dos projetistas e do governo federal, é a promessa de que - apesar do novo inventario prever quatro usinas no trecho paraense do rio, e calcular com alguma precisão suas localizações, capacidades elétricas, dimensões da construção civil, custos da energia futura - somente Belo Monte seria construída! Eis aí outra das mentiras recentes, que o governo federal procurou enfeitar com o formalismo: em meados de 2008, essa inusitada promessa foi objeto de uma “Resolução” do fantasmagórico CNPE – Conselho Nacional de Política Energética, criado ainda na época FHC e que se reuniu raras vezes desde então.

 

Um sintoma de que não há recuo possível por parte dos fundamentalistas barrageiros foi a reação imediata do diretor-presidente da ANEEL, Jerson Kelman, dizendo que a Resolução do CNPE “foi essencialmente política...Tecnicamente, não há razão para não fazer as outras usinas (…) faz parte do jogo democrático tentar agradar a todos os interessados. (…) É o típico caso de dar os anéis para ficar com os dedos”. (Agência Estado, 22 de julho de 2008)

 

Mais recentemente, o ministro Minc, do Meio Ambiente, outro que foi sendo iludido pelos mesmos mentirosos e parece ter gostado, saiu à frente, logo depois das Audiências Públicas sobre o licenciamento, e pré-justificou a Licença Previa ambiental que ele mesmo já decidiu conceder: primeiro, repetiu a chantagem inventada pelo presidente da EPE- Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquin, enfatizando a necessidade de se produzir energia a partir de hidrelétricas, consideradas – erroneamente aliás - como fontes limpas e renováveis “porque daqui a alguns anos haverá mais usinas térmicas a óleo e a carvão, que são muito mais poluidoras”. E acrescentou, como quem dá os anéis para não perder os dedos, que a proposta anterior era a construção de quatro hidrelétricas no rio Xingu, “ mas acabou ficando deliberado no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) pela construção de apenas uma usina”. (despacho da Agencia Brasil, de 19.09.2009 “ Licença provisória para Hidrelétrica de Belo Monte deverá sair em Novembro prevê Minc” ).

 

Contrariamente à essa nova mentira repetida, tudo indica que permanece em pleno vigor a idéia única de “aproveitamento integral do potencial hidráulico” do rio Xingu. Aliás, de todo e qualquer rio. Todos os rios têm que ser barrados, esse é o dogma central, o Deus único, do presidente da ANEEL, do presidente da EPE, de todos que já passaram pelo cargo de Ministro de Minas e Energia. Esse monoteísmo da “dam industry” já dura 120 anos ( as primeiras hidrelétricas são da década de 1880), sofre desgastes e contrapressões pelo mundo afora, e existem vários países com muitas usinas onde simplesmente não se constroem usinas novas, como a França, a Itália, e até países onde usinas são desativadas, descomissionadas e em alguns casos, demolidas...mas continua sendo o dogma ensinado nas faculdades e convence, quando acompanhados por com agrados e promessas de todos os tipos. Até mesmo os juízes de todas as instâncias, até o Supremo Tribunal Federal, que jamais estudaram tal assunto nem tem idéia do que sejam projetos desse tipo e desse porte, repetem esse “mantra” do fundamentalismo barrageiro.

 

As mesmas mentiras são repetidas inclusive no gabinete presidencial. Em 22 de julho de 2009, realizou-se uma audiência inédita com o presidente Lula, solicitada há muitos meses pelo Bispo católico de Altamira dom Erwin Krautler, também presidente do Conselho Indigenista Missionário, sabidamente contrário, há mais de vinte anos, aos projetos de usinas no rio Xingu. Conforme o relato do professor da USP Célio Bermann, que participou da audiência, esta foi organizada pelo chefe de gabinete e secretário do Presidente Lula, Gilberto Carvalho, e para ela foram convocados e não compareceram os Ministros Edison Lobão (Minas e Energia), fiel escudeiro indicado pelo senador Sarney, e Carlos Minc (Meio Ambiente), que poucos meses antes havia substituído a ministra Marina Silva que se demitira.

 

Na audiência presidencial com o Bispo dom Erwin, estiveram presentes do lado governamental: representando o Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura (secretário de Planejamento Energético) e Maurício Tolmasquim (presidente da EPE); pela Eletrobrás, Valter Cardeal (diretor de Engenharia) e o engenheiro Paulo Fernando Vieira Souto Rezende, gerente do projeto Belo Monte (o que havia sido ferido pelos índios Caiapó durante o encontro Xingu Vivo para Sempre, em Altamira, maio de 2008; e mais Ademar Palocci (diretor de Planejamento e Engenharia da estatal Eletronorte); pelo IBAMA, Sebastião Pires, diretor de licenciamento, e o presidente da FUNAI, Marcio Meira.

 

Nas palavras do diretor de Engenharia da Eletrobrás, “...foi Deus colocou as quedas nos rios da Amazônia. Este formidável potencial hidrelétrico permite nos destacar no desafio das mudanças climáticas. Temos a energia limpa, renovável e barata que os outros países não têm. Quinze ou vinte mil pessoas não podem impedir o progresso de 185 milhões de brasileiros”. Aliás, deveria ser considerado como heresia invocar o nome de Deus na presença de um bispo que não quer a destruição das mesmas cachoeiras...mesmo que o herético tenha sobrenome Cardeal. Depois, disse com arrogância o irmão do ex-ministro Antonio Palocci: “O setor elétrico brasileiro é muito competente e é exemplo internacional. É uma irresponsabilidade dos acadêmicos desmentir o que os técnicos afirmam. Não há hipótese de Belo Monte ser inviável. Não se pode insinuar que o CNPE não diz a verdade, pois só será construída Belo Monte. São ministros e técnicos competentes que querem a melhoria de vida da região.”

 

Ora, podemos sim desmentir técnicos que costumam nos chamar de irresponsáveis! Bem como insinuar que um conselho quase fantasma possa criar um factóide, também podemos! No caso, além disso, devemos registrar que é alta a probabilidade da resolução do CNPE ser um dia próximo renegada por esse ou qualquer outro governo: basta ver que em nenhum outro rio brasileiro de grande porte onde foram feitos os tais inventários e foi projetado o tal aproveitamento integral, houve somente a primeira obra de usina! Truco!

 

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Próximos tópicos

 

  • 3. As mentiras da área alagada de “pouco mais de 400 km2”, e do número de cidadãos atingidos a serem expulsos, e a omissão das áreas diretamente afetadas pelo conjunto das atividades da construção das obras e da operação das duas usinas.

 

 

 

 

 

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