Correio da Cidadania

Dia da criança: cidadã ou consumista?

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Na próxima segunda, 12 de outubro, comemora-se o Dia da Criança. Momento de refletir o que temos feito com as nossas. Estamos formando futuros cidadãos ou consumistas?

 

Pesquisas indicam que as crianças brasileiras costumam passar 4 horas por dia na escola e o dobro de olho na TV. Impressiona o número de peças publicitárias destinadas a crianças ou que as utilizam como isca de consumo.

 

A pesquisadora Susan Linn, da Universidade de Harvard, constatou que o excesso de publicidade causa nas crianças distúrbios comportamentais e nutricionais. De obesidade precoce, pela ingestão de alimentos ricos em açúcares ou gorduras saturadas, como refrigerantes e frituras, à anorexia provocada pela obsessão da magreza digna de passarela.

 

Sexualidade precoce e desajustes familiares são outros efeitos da excessiva exposição à publicidade. São menos felizes, constatou a pesquisadora, as crianças influenciadas pelas idéias de que sexo independe de amor, a estética do corpo predomina sobre os sentimentos, a felicidade reside na posse de bens materiais.

 

Impregnada desses falsos valores, tão divulgados como absolutos, a criança exacerba suas expectativas. Ora, sabemos todos que o tombo é proporcional ao tamanho da queda. Se uma criança associa a sua felicidade a propostas consumistas, tanto maior será sua frustração e infelicidade, seja pela impossibilidade de saciar o desejo, seja pela incapacidade de cultivar sua auto-estima a partir de valores enraizados em sua subjetividade. Torna-se, assim, uma criança rebelde, geniosa, impositiva, indisciplinada em casa e na escola.

 

A praga do consumismo é, hoje, também uma questão ambiental e política. Montanhas de plástico se acumulam nos oceanos e a incontinência do desejo dificulta cada vez mais uma sociedade sustentável, na qual os bens da Terra e os frutos do trabalho humano sejam partilhados entre todos.

 

Um dos fatores de deformação infantil é a desagregação do núcleo familiar. No Dia dos Pais um garoto suplicou ao pai, em bilhete, que desse a ele tanta atenção quanto dedica à TV... Um filho de pais separados pediu para morar com os avós após presenciar a discussão dos pais de que, um e outro, queriam se ver livre dele no fim de semana.

 

Causa-me horror o orgulho de pais que exibem seus filhos em concursos de beleza. Uma criança instigada a, precocemente, prestar demasiada atenção ao próprio corpo tende à esquizofrenia de ser biologicamente infantil e psicologicamente "adulta". Encurta-se, assim, seu tempo de infância. A fantasia, própria da idade, é transferida à TV e ao apelo de consumo. Não surpreende, pois, que na adolescência o vazio do coração busque compensação na ingestão de drogas.

 

Com freqüência pais me indagam o que fazer frente à indiferença religiosa dos filhos adolescentes. Respondo que a questão é colocada com dez anos de atraso. Se os filhos fossem crianças, eu saberia o que dizer: ore com eles antes das refeições; leiam em família textos bíblicos; evitem fazer das datas litúrgicas meros períodos de miniférias, como a Semana Santa e o Natal, e celebrem com eles o significado religioso dessas efemérides; incutam neles a certeza de que são profundamente amados por Deus e que Deus vive neles.

 

Crianças são seres miméticos por natureza. A melhor maneira de interessar um bebê em música é colocá-lo ao lado de outro que já tenha familiaridade com um instrumento musical. Ora, o que esperar de uma criança que presencia os pais humilharem a faxineira, tratarem garçons com prepotência, xingarem motoristas no trânsito, jogarem lixo na rua, passarem a noite se deliciando com futilidades televisivas?

 

Criança precisa de afeto, de sentir-se valorizada e acolhida, mas também de disciplina e, ao romper o código de conduta, de punição sem violência física ou oral. Só assim aprenderá a conhecer os próprios limites e respeitar os direitos do outro. Só assim evitará tornar-se um adulto invejoso, competitivo, rancoroso, pois saberá não confundir diferença com divergência e não fará da dessemelhança fator de preconceito e discriminação.

 

É preciso conversar com elas, através da linguagem adequada, sobre situações-limites da vida: dor, perda, ruptura afetiva, fracasso, morte. Incutir nelas o respeito aos mais pobres e a indignação frente à injustiça que causa pobreza; senso de responsabilidade social (há dias vi alunos de uma escola varrendo a rua), de preservação ambiental (como a economia de água), de protagonismo político (saber acatar decisão da maioria e inteirar-se do que significam os períodos eleitorais).

 

Se você adora passear com seu filho em shoppings, não estranhe se, no futuro, ele se tornar um adulto ressentido por não possuir tantos bens finitos. Se você, porém, incutir nele apreço aos bens infinitos – generosidade, solidariedade, espiritualidade – ele se tornará uma pessoa feliz e, quando adulto, será seu companheiro de amizade, e não o eterno filho-problema a lhe causar tanta aflição.

 

Saber educar é saber amar.

 

Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros.

 

Copyright 2009 – FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

 

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Comentários   

0 #6 Criança: A Alma do NegócioMarcelo Santos 16-10-2009 07:57
Frei Betto e amigos do Correio: sugiro assistir a este documentário de Estela Renner muito instrutivo e informativo sobre a publicidade e as crianças.. tem tudo a ver com o tema proposto no artigo.
http://www.youtube.com/watch?v=dX-ND0G8PRU&feature=PlayList&p=E2ABADAEF30E4007&index=0&playnext=1
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0 #5 Suemos todos!!!Marilia Carrenho Camillo Coltr 13-10-2009 13:15
Uma vez, lendo um livro da pedagoga e filósofa carioca Tânia Zagury, marcou-me um trecho que socializo com vocês:\"Educar é uma das tarefas mais árduas que um ser humano pode empreitar\" Zagury.T. Limites sem Trauma.- 76ª ed.-Rio de Janeiro:Record, 2006.
É preciso suar a camisa. Suar como pais e suar como educadores. A que persistir, perseverar. Outro dia recebi um email que falava da importância de preservarmos o meio ambiente para as futuras gerações. Penso que, mais importante ainda que preservarmos o meio ambiente para as gerações futuras, temos a hercúlea tarefa de formarmos uma geração melhor, do ponto de vista moral e mais ética, para habitar o planeta futuramente. É de pequeno que se torce o pepino, diz o conhecimento empírico popular. Não sei se na horticultura isso é uma regra, mas em educação o é. Ética se ensina desde pequeno. Parafraseando o economista Stephen Kanitz devemos definir a ética de nossos filhos antes das suas ambições.
Futuramente, quando estes forem colocados diante de suas escolhas, principiando o exercício do livre arbítrio, alicerçados por nós, deverão escolher pela opção mais ética, mesmo que essa malogre seus objetivos. Quando perceberem que não poderão alcançar seus objetivos e metas, deverão tender a recuar em suas ambições e não reduzir o seu rigor ético. O que nos assusta é que muitas crianças e jovens, encorajados por seus pais, tendem a burlar a regra, o código de conduta, o contrato de convivência social; para alcançarem seus objetivos. Não devemos pressionar nossas crianças e jovens a serem ambiciosos, ou melhor, não devemos cobrá-los a demonstrarem suas ambições precocemente. Devemos sim, ter como nossa maior ambição, tornar mais éticas as novas gerações, começando por nossos filhos. E vale lembrar \"a ambição nunca pode anteceder a ética. É ela que tem que preceder a ambição\" Kanitz.S..2001. Não deixemos nossos filhos à deriva, como barquinhos de papel em pleno oceano tempestuoso.
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0 #4 CriançasAmauri José 13-10-2009 11:25
Adorei esse comentário, vou levar essa lição comigo enquanto eu viver. Obrigado!
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0 #3 Fernando Capovilla 13-10-2009 10:03
Excelente artigo, Frei Betto. Como psicólogo e pai, assino embaixo. Abraços fraternos,
Fernando Capovilla, IP-USP
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0 #2 Sandra A. Saraiva Guimarães Li 10-10-2009 22:49
Parabéns pelo belo texto, Frei Betto!
O que nos faz refletir sobre o resgate de valores neste mundo onde o “ter” ultrapassou a importância do “ser”. Onde poucos se preocupam em se tornarem pessoas livres dos “padrões de consumo impostos pela sociedade capitalista”, instalada em ritmo ainda mais frenético, nestas últimas três décadas, em nosso país, em consequência do desenvolvimento e da globalização.
Mas ainda acredito que as pessoas se conscientizem da necessidade do resgate dos valores do “SER HUMANO” – valores sócio-econômico-ambientais, religiosos, dentre outros - pelos motivos já citados pelo Frei Betto, nesta coluna, que, naturalmente, vão se tornando insustentáveis...
Esperamos que os exemplos, para as futuras gerações de crianças, sejam trazidos pela conduta dos nossos jovens adultos, dotados de inteligência e conhecimentos, que, aos poucos, estão saindo de seus casulos e transpondo-se a reflexões e questionamentos, em suas comunidades e organizações, sobre “novos (velhos) valores” a serem implantados para a reconstrução de uma sociedade MAIS HUMANIZADA e menos consumista.
Que façam da informação e de sua formação a mais importante ferramenta de trabalho do seu dia-a-dia, utilizando-se dos conhecimentos adquiridos para inspirar pessoas, principalmente se ainda forem crianças, a serem melhores - para que se desenvolvam como pessoas voltadas para a importância da qualidade de vida: preocupação com implicações sociais e ações dos indivíduos dentro do seu ambiente. Que seja resgatado a importância do auto-conhecimento, do poder compartilhado, da valorização da integridade pessoal e coletiva, da humanização do trabalho e, \"o saber-se no mundo\".
Que neste dia 12 de outubro todas as nossas crianças recebam muito amor! E que Nossa Senhora Aparecida ilumine a todos nós, para que façamos de nossas esperanças uma nova realidade.

*Frei Betto,obrigada pelo livro Típicos Tipos!... O Marcelo e eu adoramos! Um grande abraço! Sandra.
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0 #1 Fernando 10-10-2009 06:51
Frei Betto é fantástico, assim como seus artigos. Um artigo desse é um verdadeiro presente, só que pros pais. É um guia para felicidade familiar. Viva Frei Betto.
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