Correio da Cidadania

Capital estrangeiro lucra com o pacote habitacional

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Desde que as vinte maiores empresas do setor imobiliário e de construção abriram seu capital na Bolsa de Valores, há três anos, 75% das ações foram compradas por investidores estrangeiros, segundo estudo do Núcleo de Real Estate da Poli-USP. O pacote habitacional foi decisivo para consolidar e impulsionar a entrada de capital estrangeiro e reforçar uma tendência monopolista por meio de aquisições e fusões. Com isso, o circuito imobiliário, até então uma frente de valorização exclusiva do capital nacional, fragmentado em empresas menores e de origem familiar, começa a desnacionalizar-se e concentrar-se.

 

Não é possível afirmar, contudo, se por trás da compras de estrangeiros não há brasileiros "repatriando" parte de suas fortunas no exterior ou fazendo lavagem de dinheiro, como Maluf no caso da Eucatex. Mas alguns dos investidores estrangeiros que se apresentam publicamente já comandam duas das três mais importantes empresas do setor, a Gafisa e a Agre, resultado de recentes fusões.

 

A entrada do capital estrangeiro ocorreu em dois momentos. O primeiro, em 2006 e 2007, quando a abertura de capital das principais empresas imobiliárias na bolsa, associada ao clima institucional e econômico favorável à ampliação da rentabilidade no setor, atraiu a atenção internacional. Contudo, a capitalização simultânea das empresas produziu um "boom imobiliário". Com o caixa ampliado as empresas multiplicaram empreendimentos além da sua capacidade operacional e de absorção pelo mercado, e compraram estoques bilionários de terras, imobilizando parte do capital em ativos com menor liquidez. O crescimento repentino foi insustentável. Produziu-se em 2008 um pico de inflação na construção (12,2%, o dobro do índice geral), houve falta de determinados insumos e de mão-de-obra especializada, casos de má gestão em algumas empresas, redução de exigências em relação ao crédito e à qualidade dos produtos, produção acima da demanda e, por fim, uma oferta acima da capacidade do crédito.

 

A crise mundial, portanto, embora venha a agravar a situação, não está na origem dos limites para o crescimento do setor e dos problemas mencionados. A combinação da crise externa com a insustentabilidade interna fez com que as ações despencassem vertiginosamente, pois terras estocadas e imóveis em construção tinham ficado sem compradores. Diante da iminência de falência de algumas das mais importantes empresas do setor foi então negociado um pacote de salvamento, cuja contrapartida era a ampliação do mercado popular. Os fundos e empresas estrangeiras que compraram empresas brasileiras passaram a sentar com o governo para negociar uma injeção de recursos no setor. Segundo Raquel Rolnik, relatora para o direito à moradia da ONU, "os fundos americanos que compraram ações de empresas brasileiras, ‘militaram’ pelo pacote", entre eles o mega-investidor americano Sam Zell e sua empresa Equity International, que já haviam atuado decisivamente no mercado habitacional mexicano.

 

Sócio de Sam Zell e atual presidente do conselho administrativo da Gafisa, Gary Garrabrant afirma que a Equity já tem cinco empresas no Brasil e pensa em adquirir mais duas. Trata-se do "mercado mais promissor entre os emergentes" e graças ao pacote habitacional "o setor imobiliário é uma das estrelas". Segundo ele, que participou de reuniões com o governo sobre formato do programa e é um dos vendedores do modelo habitacional privatista mexicano, "nossa experiência mostra que os projetos habitacionais, uma vez deslanchados, acabam seduzindo todos os políticos de todas as orientações, pois eles adoram ganhar crédito com programas habitacionais".

 

Conquistado o pacote, uma nova onda de capital estrangeiro fez aquisições no setor. O principal investidor pós-pacote é o espanhol Enrique Bañuelos. Polêmico em seu país por agir de forma predatória na promoção imobiliária e procurar brechas legais para ganhar dinheiro no boom imobiliário espanhol dos últimos anos, Bañuelos comprou parte das construtoras Abyara e Klabin Segall. Segundo matéria da Folha de S. Paulo, ele fez sua fortuna aproveitando uma lei de Valencia que permitia a "urbanização de terrenos rurais mesmo que as terras não fossem suas". Com isso, ele "vendia a construtoras por preços elevados terrenos que havia obtido a custos irrisórios" e "se apoiou numa rede de influências que incluía banqueiros e políticos do primeiro escalão de Valência". No mês passado, Bañuelos e seu fundo de investimentos, o Veremonte, comandaram a maior fusão do mercado imobiliário nacional, da qual participaram Agra, Abyara e Klabin Segal, formando a Agre, sigla para o nome inglês Amazon Group Real Estate. Trata-se da terceira maior empresa imobiliária do país e a primeira em faturamento, contando ainda com um banco de terras estimado em 19 bilhões de reais. O Veremonte passa a ser o maior acionista da nova empresa, com 24% das suas ações.

 

Se o mercado habitacional para baixa renda era praticamente inexistente no Brasil há poucos anos atrás e atualmente desperta a atenção internacional é porque ele se tornou rapidamente um negócio rentável. Não há outra justificativa para isso que não o efeito do pacote de salvamento lançado pelo governo Lula. O resgate foi tão eficiente que as bóias não serviram apenas aos náufragos, mas aos transatlânticos que percorrem os mares em busca de novos portos para atracar seus negócios. Conseguimos fazer a alquimia de transformar o problema da habitação em um país de miseráveis em um dos negócios mais lucrativos do mundo.

 

Veja mais:

 

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Pedro Fiori Arantes, arquiteto, é coordenador da Usina, assessoria técnica de movimentos populares em políticas urbanas e habitacionais.

 

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