Correio da Cidadania

Sob Obama, Assessores de Estado assumem o autoritarismo

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Em matéria de ameaças ao Irã por seu programa nuclear, Bush e acólitos jamais passaram do refrão "todas as opções continuam sobre a mesa", que deixava implícita a via militar.

 

Falando no Conselho de Relações Exteriores, Hillary Clinton foi muito além. Ela dispensou as indiretas e partiu para "os Estados Unidos não hesitarão em usar sua força militar para defender nossos amigos (Israel?), nossos interesses (o petróleo do golfo Pérsico?) e, acima de tudo, o nosso povo".

 

Foi a conclusão de um processo que acabou colocando um porrete nas mãos que Obama havia inicialmente estendido ao Irã.

 

A política de conciliação com os iranianos foi afirmada por ele logo após sua posse. Seu ponto mais alto, o famoso vídeo de 21 de março, enviado pelo presidente americano ao povo do Irã, dizia que "este processo não avançará com ameaças. Em vez disso, buscamos acordos honestos e baseados em respeito mútuo". Exatamente o contrário da recente frase da Secretária de Estado, citada acima.

 

O discurso conciliador engasgou durante o episódio da repressão às manifestações contra a vitória eleitoral de Ahmadinejad. No começo, Obama adotou uma postura neutra. Mas - principalmente para agradar o público interno, chocado com as violências da polícia dos aiatolás - passou a condenar o governo de Teerã em termos bastante duros. O que provocou respostas iradas. O presidente americano não passou recibo: seus planos de discutir as ambições nucleares do Irã, num clima amigável, poderiam abortar de acordo com a solução da crise pós-eleições.

 

Como a coisa estava indo longe demais, a turma do "deixa disso" foi convocada. O representante de Obama junto a Teerã, David Axelrod, ponderou que ainda havia chances para a diplomacia. E Susan Rice, embaixadora dos Estados Unidos na ONU, foi categórica ao garantir que isso "era do interesse nacional dos Estados Unidos". Poucos dias depois, os americanos voltaram à carga.

 

Em entrevista à CNN, o vice-presidente, Joe Biden, disse que de modo algum os Estados Unidos pressionariam Israel para não bombardear as instalações nucleares do Irã. Aí, passou o sinal. E o próprio Obama apressou-se em comunicar urbi et orbi que, de modo algum, seu governo aceitaria tal brutalidade (usou palavras mais brandas...).

 

Mas logo voltou a jogar pesado. Foi à Rússia propor a troca do apoio de Moscou a sanções mais severas contra o Irã pela renúncia dos Estados Unidos ao escudo anti-mísseis na Europa Oriental. Afinal de contas, forçando Ahmadinejad a desistir de seu projeto nuclear, o "escudo" seria dispensável.

 

Para evitar que os aiatolás pudessem respirar, logo na terça-feira, 14 de julho, Hillary Clinton declarou em entrevista que não acreditava na solução diplomática. Portanto: "Pediríamos ao mundo que se unisse a nós para impor sanções ainda mais duras para tentar mudar o comportamento do regime". E, mandando a conciliação para o espaço, "acredito que não é uma posição inteligente aliar-se a um regime que está sendo rejeitado por tantos dos seus próprios cidadãos".

 

No dia seguinte, ela deu uma última chance ao Irã, em discurso cujo texto foi antecipado pelo Departamento de Estado. "A hora de agir é agora. A oportunidade não ficará disponível indefinidamente". E, se os aiatolás não pedirem água logo, os Estados Unidos "não hesitarão em usar sua força militar para defender nossos interesses". Bush, Cheney e Condolezza não chegaram nem perto disso.

 

A surpreendente mudança de atitude do governo Obama parece obedecer a uma estratégia de força, bem nos moldes das antes censuradas políticas de Bush.

 

Ele pretende amedrontar o governo dos aiatolás, na convicção de que, fragilizado como ficou com o crescimento da oposição interna na crise pós-eleitoral, ele acabe por ceder às exigências israelo-ocidentais.

 

Caso persista o "não", os americanos e seus aliados viriam com sanções tão destruidoras que o regime dos aiatolás seria obrigado a pedir água ou, sonho dos sonhos, cair, sendo substituído por alguém bem mais palatável como Moussavi.

 

Há, porém, um complicador. Como Rússia e China, amigas e parceiras comerciais do Irã, vetarão mais punições no Conselho de Segurança, Obama teria de agir à revelia dele. Unir-se ao sempre fiel Gordon Brown e aos ansiosos por agradar Sarkozy, Merkel e Berlusconi num programa de retaliações à margem da ONU. Isso desprestigiaria a entidade que perderia sua razão de ser, pois estaria sendo criada uma nova instância para assumir suas funções na solução dos problemas internacionais.

 

Outro aspecto negativo é que os Estados Unidos veriam se alargar o fosso que os separa dos países islâmicos. Talvez irreparavelmente. E o histórico discurso do Cairo viraria apenas "words, words, words."

 

Será que a "mudança de Obama" poderia mudar num sentido tão contrário aos ideais que alicerçaram sua campanha?

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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