Correio da Cidadania

Caneta ou ferramenta?

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Quantos advogados você conhece? Uns tantos, certamente. Mas na hora de socorrer o seu computador pifado, consertar o vazamento da pia da cozinha ou traduzir-lhe o manual de funcionamento do novo televisor que você lê, lê e não entende, a quem recorre?

 

O Brasil é uma nação de bacharéis. Como abrigamos a mais longa escravidão das três Américas (350 anos), ainda guardamos, do período colonial, resquícios elitistas, como julgar que profissões técnicas são para incompetentes que não chegam a doutor... Boa profissão é a que domina a caneta, e não a ferramenta.

 

Você sabia que de cada 100 brasileiros (as) no mercado de trabalho, 72,4% (ou exatos 71,5 milhões de pessoas), nunca fizeram um curso profissionalizante? Entre os desempregados, 66,4% (5,3 milhões de pessoas) nunca passaram por um curso de educação profissional. O dado é do IBGE, divulgado no último 22 de maio.

O mais grave é o poder público, como diria aquele deputado, estar "pouco se lixando" para a qualificação de nossos trabalhadores. Segundo o IBGE, em 2007 apenas 22,4% dos alunos de cursos profissionalizantes estavam matriculados em escolas públicas.

 

Dos que buscam tais cursos, 53% dependem de ofertas de ONGs, sindicatos e instituições particulares. O famoso Sistema S (como Senai, Senac, Sebrae), que recebe robustas verbas do governo, forma apenas 20% dos interessados em qualificação.

Mesmo os cursos existentes nem sempre primam pela qualidade. Entre os matriculados, 80,9% freqüentavam cursos que não exigiam escolaridade prévia. O que explica o alto número de analfabetos virtuais em profissões técnicas. Consertam a geladeira, mas são incapazes de redigir um bilhete explicando a causa do defeito.

 

Na mesma pesquisa, o IBGE constatou que são analfabetos 13,5 milhões de brasileiros (9,5% da população) com mais de 15 anos de idade. E de 1,8 milhão que freqüentavam salas de aula, 810 mil (45%) admitiram não saber ler nem escrever um simples recado.

 

A falta de motivação é a principal causa de desinteresse por cursos profissionalizantes. O Brasil é o reino do improviso. O auxiliar de eletricista aprende na prática, assim como o de cozinha acredita que, amanhã, a intimidade com o fogão fará dele um chef. Muitos (14,1%) admitiram não poder pagar um curso dessa natureza. E 8,9% se queixaram da falta de escola na região.

 

Dos alunos em cursos profissionalizantes, 17,6% freqüentavam cursos técnicos de nível médio. E apenas 1,5% cursos de graduação tecnológica equivalente ao nível superior. O mais procurado é o curso de informática (41,7%), seguido de comércio e gestão (14%) e indústria e manutenção (11,25). Ao todo, 215 mil estudantes, o que representa um índice muito baixo dadas as dimensões do país e de suas necessidades.

 

Esse quadro explica, em parte, a razão do nosso subdesenvolvimento – ou eterna situação de país emergente. O MEC promete que, até o fim de 2010, o Brasil passará de 185 mil para 500 mil vagas em cursos profissionalizantes. As escolas, hoje 140, serão 354.

 

Um das causas dessa realidade preocupante foi a lei de n° 1988, proposta pelo presidente FHC e aprovada pelo Congresso, que proibiu a União de criar novas escolas técnicas federais. Felizmente, Lula a revogou em 2005.

 

Falta ao atual governo corrigir outro erro crasso: o EJA (Educação de Jovens e Adultos, que substituiu o antigo supletivo), embora acolha trabalhadores em suas aulas, não propõe educação profissionalizante. Isso explica o alto índice de evasão – 42,7% dos matriculados não concluem o curso, sobretudo no Nordeste (56%).

 

Muitas vezes o horário de aulas coincide com o do trabalho (o que induz à evasão de quase 30% dos alunos), e a metodologia de ensino ignora Paulo Freire e os recentes avanços da educação popular.

 

O Brasil precisa trocar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) pelo PAD, Programa de Aceleração do Desenvolvimento, sobretudo humano. Sem recursos humanos qualificados, uma nação está fadada a sempre depender do mercado externo e, portanto, do jogo cruel da especulação internacional, da flutuação de divisas conversíveis e das concessões aos importadores que jamais abrem mão de suas políticas protecionistas.

 

Sem educação o Brasil não tem solução. Nem salvação.

 

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de "Essa escola chamada vida" (Ática), entre outros livros, e um dos fundadores do movimento Todos pela Educação.

 

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Comentários   

0 #5 Detalhevenceslau alves de souza 17-06-2009 08:02
Triste realidade, professor! De qualquer forma, gostaria de salientar que os resultados das pesquisas que tenho desenvolvido indicam que não vêm da escravidão os resquícios elitistas, mas do processo periférico de racionalização do Ocidente, que admite a competição desenfreada sem igualar os cidadãos, sem criar um habitus primário, para usar uma feliz expressão de Pierre Bourdieu. Abraço.
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0 #4 eliane cruz 10-06-2009 15:12
As palavras de Frei Beto são sempre sábias e esclarecedoras. Como professora do curso da EJA, no município de São Gonçalo, encontro-me ás vezes em desespero, de ver jovens meninas e meninos sem esperança, sem reforço escolar; e que ao mesmo tempo uma cidade sem política pública de inclusão social. Desejaria que alguns cursos que estão sendo oferecidos, principalmente no COMPERJ fossem priorizados para os/as jovens das comunidades de baixa renda e que a idade fosse a partir dos 14 anos e sem limite de escolaridade ou com o limite do 6ºano. Além disso, deveríamos instituir ensino integral em todas as escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio.
Essas minhas palavras são um desabafo, mas antes de tudo com muita esperança numa mudança em longo prazo.
Eliane Cruz
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0 #3 Bom , muito bomEnival Mamede Leão 08-06-2009 12:17
Mais uma vez o brilhante brasileiro, Frei Beto nos presenteia com este artigo que coloca claramente o caminho que nosso país deveria seguir para resolvermos definitivamente o problema de nossa educação. Valeu velho e bom frei Beto...
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0 #2 ensino profissionaljose ernesto grisa 07-06-2009 09:27
O autor omitiu o maior problema do ensino técnico do governo Lulla, é manter o caráter neoliberal aos cursos profissionalizantes existentes, dando seguencia a pedagogia modular implantada pelo governo FHC, impondo aos filhos dos trabalhadores e trabalhaores em geral uma formação meramente tecnicista, apertar parafuso, em detrimneto do conhecimento geral propedeutico. As antigas escolas agrotécnicas formando técnicos para o agronegócio e baseada na revolução verde (veneno e mais veneno) são uns feudos gestados por verdadeiras gangues corruptas. sugiro que o autor se informe mais sobre a rede federal. A transformação das antigas escolas em institutos, nada mais é que criar milhares de cabides de empregos sem ação direta na educação, previlegiando somente a burocracias e oportunizando a ocupação do estado para os "companheiros" sociais liberais do lullo petismo - traidores da classe operária. Frei betto não venda gato por lebre
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0 #1 PAP - PROGRAMA DE ATIVAÇÃO DA PARTICIPAÇRinaldo Martins 06-06-2009 20:36
Concordo com Frei Betto. Além do desenvolvimento (PAD)acho que a população mais carece é de participação (PAP). Não esperava milagres do governo Lula, mas que ele ao menos viesse suscitar o envolvimento popular nos rumos políticos do país. Aconteceu justamente o contrário. Nunca um governo, mesmo no período da ditadura miliar, conseguiu desmobilizar tanto a sociedade como o atual. Essa será a principal lembrança que ficará desse governo: de ter contribuido fortemente para manter as massas vulneráveis às imposições das elites.
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