Correio da Cidadania

‘Na Venezuela, empresas deveriam ser expropriadas sem indenização’

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"Que se nacionalize o setor siderúrgico... que se nacionalize a empresa Matesi; Comsigua, nacionalize-se; Orinoco Iron, nacionalize-se; Venprecar, nacionalize-se; e também que se nacionalize a empresa de tubos Tavsa", declarou o presidente venezuelano Hugo Chávez, em cadeia nacional, no dia 21 de maio, ordenando também a nacionalização da Cerâmicas Carabobo – produtora de ladrilhos refratários para as indústrias básicas - , de Ciudad Guayana. Como era de se esperar, o setor empresarial local, assim como as câmaras empresariais da Argentina, protestaram frente aos supostos "ataques de Chávez à propriedade privada", enquanto trabalhadores de algumas empresas afetadas, e que vinham em processo de lutas há meses, viam tudo como uma vitória. Com essa medida, Chávez amplia seu controle a toda a cadeia de produção ferro-siderúrgica do país, mas ao mesmo tempo tenta descomprimir a forte combatividade trabalhadora e a crise sindical que existe há meses na região.

 

Comprando "soberania nacional"

 

Apesar de as empresas serem medianas e não aglomerarem grande quantidade de trabalhadores, como a Sidor, os mais de 700 trabalhadores da Orinoco Iron, 205 da Comsigua (Complexo Siderúrgico Guayana), 130 da Matesi (Materiais Siderúrgicos), 364 da Tavsa (Tubos de Aço da Venezuela), 232 da Venprecar (Venezuelana de pré-reduzidos Caroni) e uns 200 da Cerâmicas Carabobo conformam um contingente de quase 2000 trabalhadores diretos que passarão a fazer parte da folha de pagamentos do Estado. Além do mais, várias delas estão controladas pelo capital estrangeiro: Matesi é controlada pela Ternium (Grupo Techint), 50,2% das ações, e pelo Sidor – 49,8%; a Tavsa tem maioria acionária da Techint (70%), além da CVG (30%); a Comsigua está nas mãos da japonesa Kobe Steel em aproximadamente 60% e o resto é repartido entre Techint, Fmo e Marubeni; a Orinoco Iron e Venprecar, divisões da Sivensa (com ações do grupo anglo-australiano BHP Billiton e capitais locais); e a Cerâmica Carabobo é dos "nativos" Boulton, Grupo Cisneros e Banco Mercantil.

 

Essas medidas se somam às de alguns meses, como a aquisição de uma das fábricas de alimentos da Cargill, a passagem à PDVSA do controle de 76 empresas medianas de serviços petroleiros conexos e o anúncio recente da compra do Banco da Venezuela. Rapidamente, Chávez esclareceu que todas seriam devidamente indenizadas, tal como fez com as transnacionais (sócias com 40%) na Faixa do Orinoco, na compra a preço de mercado da Canty (telecomunicações), Elencar (eletricidade), e com as cementeiras das transnacionais Holcim e Lafarge - e com o pagamento recente de 1,97 bilhão de dólares pela compra da Sidor.

 

Como vemos, e temos insistido, o que faz Chávez não é mais que uma compra direta do que chama de "soberania nacional", reposicionando-se em setores-chave da economia nacional, pagando bilhões de dólares aos bolsos internacionais, quando essas empresas deveriam ser expropriadas sem indenização alguma. Quando começam a chegar ao país os ventos da crise, o governo corta o orçamento, aumenta o IVA, os produtos básicos, porém, decide pagar religiosamente as transnacionais. Esse pagamento não faz mais que aumentar a sangria orçamentária, por isso as empresas deveriam ser expropriadas sem pagamento algum, passando ao controle direto dos trabalhadores, utilizando todo esse potencial para as necessidades urgentes do povo, que vê cair seu nível de vida e o aumento do desemprego, produto dos próprios ajustes do governo.

 

Pressionado a abrir a carteira

 

Todas as associações patronais e a oposição direitista protestaram, como era de se esperar. O grupo Techint da Argentina foi um dos principais, junto às Câmaras empresariais na Argentina, como a União dos Industriais (UIA), a Associação Empresária Argentina (AEA), as Câmaras de Exportações e de Comércio, além de entidades que centralizam os bancos privados argentinos e estrangeiros, exigindo à Cristina Fernandez de Kirchner intervenção para defender seus interesses. Isso contrastou com a atitude dos empresários espanhóis, que saíram contentes com o negócio do banco da Venezuela, segundo afirmou Chávez: "Hoje se firmou o acordo, nos melhores termos e sem nenhum conflito. Quero reconhecer a atitude do governo espanhol, que não caiu nas provocações lançadas por certa parte da imprensa espanhola e também da venezuelana" (AFP, 22/05). O que os grandes empresários argentinos buscam é na verdade uma boa compensação pelas empresas afetadas, pois as duas de maioria acionária argentina, Tavsa e Matesi, estavam praticamente paralisadas.

 

Dessa maneira, no marco do 7º Encontro Trimestral entre Brasil e Venezuela, Chávez deu todo seu apoio à presidente da Argentina, ante a polêmica que desataram os anúncios no país. Chávez indicou que "os empresários argentinos que estão na Venezuela deveriam agradecer por ter Cristina como presidente, já que graças à sua mediação conseguiram-se os acordos a que se chegaram" (Rádio YKVE Mundial, 26/05). Ao que Cristina agradeceu e respondeu que "foi precisamente a intervenção dessa presidente o que lhes permitiu obter 60% das ações expropriadas, a bela quantia de 1,97 bilhão de dólares" (El Universal, 2605). E mais ainda, a intervenção da presidente conseguiu que o governo Chávez se encarregasse dos passivos trabalhistas, que a transnacional devia aos trabalhadores.

 

Como sempre, Chávez completa dizendo que o seu "se trata de um socialismo que não nega o investimento privado, dentro do desenvolvimento harmônico da propriedade privada com a propriedade pública, estatal e comunitária... Dessa forma, conseguiremos a igualdade, eqüidade e a liberdade" (Rádio YKVE, 26/05).

 

Negócios de Pirro

 

Em um recente artigo publicado na revista Luta de Classes, dizíamos que depois do triunfo no referendo de 15 de fevereiro e depois da derrota do referendo de 2 de dezembro de 2007, Chávez conseguia uma certa recomposição temporal, mostrando uma capacidade de se recompor parcialmente. Aproveitou essa situação em dois sentidos; por um lado, para recuperar seu controle sobre as massas e o movimento operário; e por outro, em sua política de passar à órbita do Estado outro conjunto de empresas funcionais e indústrias estratégicas. Deve-se registrar que Chávez conseguiu se recuperar, como mostram não só as pesquisas, com quase 60% de apoio, senão também pela perda de poderio – ao menos momentânea – que a oposição de direita sofreu após o 2 de dezembro.

 

Vemos então que depois de fevereiro o governo deu um impulso às suas "nacionalizações" em empresas das áreas do petróleo, bancária e de indústria básica. Porém, o que chama a atenção é que retoma seu plano para controlar setores estratégicos em um cenário de contração da economia, maior inflação e menores receitas petrolíferas. Para muitos analistas, a recuperação de tais setores requer investimento público, mas atualmente o músculo financeiro do governo é frágil: possui menos recursos e mais compromissos, quando a queda do preço do petróleo derrete a entrada de divisas. O preço médio do óleo cru venezuelano registra até agora uma baixa de 55% no primeiro trimestre. Segundo dados do próprio Banco Central, a atividade petroleira registrou uma queda de 4,8% do PIB durante o primeiro trimestre, devido aos menores volumes de produção, e suas receitas em exportações foram de 9,8 bilhões de dólares (bem abaixo dos 20,4 bilhões do mesmo período de 2008). Tal queda se deu quando o PIB teve um sofrido crescimento de 0,3% no primeiro trimestre de 2009.

 

O governo tem verdadeiros problemas de caixa, tanto no setor petroleiro como em outros, e dívidas tanto com contratados como com seus fornecedores, que gera também conflito operário. Assim, alguns analistas explicam que, além do controle dos setores estratégicos, "o governo acelera as nacionalizações porque tem dívidas com fornecedores e, antes de realizar os pagamentos pendentes ou conceder subsídios para que possam se manter no prazo, opta por tomá-las e dessa forma ter o domínio" (Luis Vicente León, Datanálisis, 25/05).

 

Vejamos senão o exemplo da Tavsa, uma empresa que está dentro da Sidor. A PDVSA é seu "quase único" cliente, pois adquire 95% de sua produção. A petroleira estatal deve à Tavsa quase 50 milhões de dólares, e por sua vez a Tavsa deve à Sidor cerca de 12 milhões. Como forma de pressão, a Tavsa deu férias coletivas para não cumprir com suas obrigações trabalhistas, levando os trabalhadores à luta e à paralisação de suas atividades.

 

Ainda que se especule sobre as reais intenções do governo Chávez ao avançar sobre tais empresas, sobretudo pelo esfriamento no fluxo de dólares devido à queda do preço do petróleo, a realidade é que Chávez "toma a frente" de empresas em plena crise e necessitará de custosos investimentos para reativá-las – e em meio à crise internacional as transnacionais aproveitam para vender pelo valor mais alto possível. Como Pirro na guerra, Chávez canta vitória, porém, à custa de uma grande sangria e incerteza no horizonte econômico, podendo ter confiscado diretamente os sedentos por lucro.

 

As lutas operárias atravessam as medidas de Chávez

 

Escrevíamos em um artigo na "Verdade Operária no. 325" a respeito da emergência de um novo movimento operário, sua recomposição objetiva e as lutas que estava empreendendo. Dizíamos também como Chávez está buscando disciplinar as lutas operárias mais radicalizadas, inclusive com ameaças aos trabalhadores das mesmas empresas controladas pelo Estado frente à crescente onda de greves. E ao método de persuasão e ameaças agrega agora outro movimento para tentar desmontar o processo de lutas, principalmente na maior concentração mineiro-ferro-siderúrgica do país. Três lutas que tendiam a se converter em uma bomba relógio, todas elas passadas recentemente à órbita do Estado: Matesi, Cerâmicas Caraboo e Tavsa.

 

Quando Chávez anunciou suas últimas medidas, os trabalhadores da Matesi vinham de seis meses de lutas e durante todo esse tempo não receberam seus salários devido à duríssima postura do grupo Techint, que havia decidido eliminar dois de seus três turnos, tentando para isso demitir uma quantidade expressiva de trabalhadores. Frente a isso, os trabalhadores resistiram e foram à greve. A empresa justificava a situação com a crise mundial, mas os trabalhadores sabiam que havia outros interesses, no que não se equivocaram: A Techint forçava a intervenção do Estado para tornar factível a "nacionalização" e tirar proveito, considerando também como caminhava bem a negociação da Sidor. Os trabalhadores já vinham exigindo ao governo que estudasse a expropriação da transnacional que atentava contra seus direitos. "Não podemos ser os sacrificados pelo fracasso do capitalismo, que se abaixem os salários dos gerentes se for assim", protestavam. A situação na Tavsa não era diferente, mesmo que a empresa estivesse sem produzir há mais de três meses, numa espécie de lock-out, com o argumento de inoperância por conta da dívida do Estado de 50 milhões de dólares, abandonando principalmente os trabalhadores, que sofriam demissões (como os 120 operários demitidos no dia 1º de maio!). Os trabalhadores, mesmo assim, se mantiveram em pé de guerra e exigiram que a fábrica fosse nacionalizada como a Sidor.

 

Por sua vez, a Cerâmicas Carabobo estava ocupada há seis meses pelos seus funcionários. Em outubro de 2008, os empresários ordenaram executar o protocolo de desligamento dos fornos de cozimento dos ladrilhos refratários e informaram aos trabalhadores o fechamento técnico da fábrica, alegando razões financeiras. Os trabalhadores se negaram a aceitar a decisão e responderam colocando as máquinas em funcionamento mínimo, declarando pelos fatos o início do conflito. O patronato buscava reabrir novamente a empresa com outro nome, para descumprir suas obrigações com os operários e reduzir pessoal. Os trabalhadores perceberam a manobra e imediatamente ocuparam a empresa, exigindo a nacionalização da fábrica. Na Orinoco Irons e Venprecar, pouco antes da medida de Chávez, os trabalhadores anunciavam um plano de luta conjunto pelos direitos e reivindicações sociais, econômicas e trabalhistas de ambas as empresas, ameaçando entrar em greve se a empresa não reconhecesse suas demandas.

 

O governo busca desinflar as lutas em curso pagando vultosas indenizações aos grandes empresários nacionais e estrangeiros; porém, mesmo quando essas empresas passam às mãos do Estado, persistem os problemas, como a precariedade laboral e a terceirização, tal como vemos atualmente na Sidor e também em outras petroleiras.

Enquanto seguem sem solução problemas alarmantes, como a moradia, o aumento da carestia de vida e o salário real que cai devido à inflação, Chávez indeniza grandes transnacionais em sua fanfarronada política de "soberania nacional". Frente a isso, é necessário tomar como bandeiras de luta: nenhum centavo aos grupos econômicos transnacionais ou locais; nenhuma indenização pelas empresas nacionalizadas; expropriação sem pagamento de todas as empresas que demitem ou ameaçam fechar, passando ao controle direto de seus trabalhadores.

 

Quando custa a "soberania nacional" de Chávez?

 

- 4,143 bilhões de dólares pelas "nacionalizações" da Sido, das cementeiras Holcim e Lafage e o Banco da Venezuela (cujos donos também levaram 304 milhões como lucros de períodos anteriores). Essa soma equivale a 42% da receita de exportações do primeiro trimestre de 2009.

- A isso se deve agregar o pagamento que deverá fazer a curto prazo pela compra da Cerâmicas Carabobo, das 76 empresas de serviços petroleiros, da fábrica de alimentos da Cargill e das seis empresas em Guayana.

 

Além do mais, já tinha pago 1,3 bilhão de dólares por 86% das ações da CANTV (maior empresa de telecomunicações) e 740 milhões por 82% das ações da Eletricidade de Caracas.

 

Milton D’León é da Liga de los Trabajadores Socialista (LTS) de Venezuela. Publicado originalmente em http://www.pts.org.ar/spip.php?article12681.

 

Traduzido por Gabriel Brito, jornalista.

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