Correio da Cidadania

O grande desafio (2)

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O grande desafio da política externa de Obama é, sem dúvida, o problema palestino.

 

Apoiando praticamente sem restrições os diversos governos israelenses, os Estados Unidos ganharam o ódio dos 400 milhões de muçulmanos do Oriente. E as conseqüências foram guerras, revoltas, massacres, o crescimento do terrorismo e sua expansão para a América e a Europa.

 

Desta vez, com Obama, pode ser diferente. Ele prometeu que se empenhará por uma solução justa, com base na idéia de dois Estados independentes na região.

 

Caso tenha êxito, os benefícios serão inúmeros, especialmente para os Estados Unidos. A segurança, que é talvez o maior objetivo da política internacional americana, seria garantida. A imagem do país no Oriente mudaria radicalmente: passaria de "Grande Satã" a amigo dos árabes, responsável pela realização do sonho da Palestina livre.

 

Superada a principal causa do ódio aos Estados Unidos, os movimentos terroristas deixariam de atrair os jovens muçulmanos. Al Qaeda e afins perderiam sua principal bandeira e se enfraqueceriam substancialmente. Movimentos mais moderados como o Hamas e o Hizbollah acabariam limitando suas ações à participação na vida política de seus países.

 

Fortalecido pela sua posição decisiva para a criação do Estado palestino, Obama teria maior credibilidade para negociar com os insurgentes nacionalistas do Iraque - sunitas e xiitas do clérigo Al Sadr – isolando a Al Qaeda e abrindo caminho para uma retirada mais rápida das tropas americanas.

 

Ficaria também facilitada uma reaproximação com o Irã e a busca de uma saída para o problema nuclear desse país. Não se pode descartar também que, Israel aceitando a tese dos dois Estados, o país dos aiatolás tenderia a moderar suas críticas agressivas ao mundo judaico.

Por fim, havendo acordo com os palestinos, não haveria por que não resolver o contencioso com a Síria, com os israelenses desocupando as colinas de Golã.

 

Esse quadro de Poliana é evidentemente apenas uma meta, talvez um sonho, pois os obstáculos que se antepõem são seríssimos.

 

Em primeiro lugar porque os governantes de Israel são e sempre foram contra. Há um mito de que em Camp David o então primeiro-ministro Ehud Barak teria concordado com as pretensões palestinas. Na verdade, ele aceitou entregar 70% do território da Cisjordânia aos árabes, retendo os assentamentos em volta do rio Jordão, o controle das fronteiras por terra e ar, entre outras exigências. Ora, o rio Jordão é praticamente o único suprimento de água na região. Sem dispor dele e sem fronteiras livres, o Estado palestino não seria viável, não passaria de um mero bantustão.

 

Somente a partir dos acordos de Oslo, em 1993, no governo de Isaac Rabin, os israelenses aceitaram a tese dos dois Estados. Nos anos seguintes, diversas tentativas de acordos se sucederam. Mas não eram para valer. Sempre que as coisas pareciam engrenar, as forças armadas de Israel matavam um líder árabe na Cisjordânia, acusando-o de "estar preparando um atentado". Aí as coisas desandavam. Os movimentos árabes respondiam com atentados terroristas contra a população de Israel e os entendimentos iam para o espaço.

 

A partir de 1967, os dirigentes de Tel Aviv trataram de estimular assentamentos judaicos na Palestina com o fim de tornar a ocupação um fato consumado. Isso apesar de, a partir de Oslo, terem se comprometido formalmente a proibir novos assentamentos e até a destruir os ilegais.

 

Hoje, são 471 mil moradores nos assentamentos da Cisjordânia. Reassentá-los em Israel custaria muitíssimo. Calcula-se que se cada um deles receber o mesmo que cada judeu trazido de Gaza recebeu seriam necessários 180 bilhões de dólares, que Israel não tem. Mesmo que o gasto por pessoa fosse menor (os gastos com o pessoal de Gaza foram até suntuários) ainda assim a importância necessária seria enorme.

 

A evacuação dos assentamentos teria de levar anos e assim mesmo com ajuda econômica dos Estados Unidos e da Europa, hoje sem grandes recursos disponíveis diante da crise mundial.

 

Às dificuldades econômicas somam-se as políticas. Tanto o primeiro-ministro Netanyahu quanto o chanceler Lieberman já se declararam enfaticamente contra um estado árabe-palestino. São ambos políticos da extrema-direita belicosa, particularmente Lieberman, que já propôs a expulsão dos cidadãos árabes de Israel, o bombardeio da represa egípcia de Assuã e é autor da seguinte preciosidade: "Quando houver o próximo confronto com o Hizbollah, é preciso destruir a Síria, bombardear suas refinarias, sua infra-estrutura, seus aeroportos, o palácio presidencial, os ministérios. É preciso esmigalhar sua vontade de combater."

 

Também no plano interno, Obama terá de vencer fortes resistências partidas do Congresso – majoritariamente pró-Israel, do complexo industrial militar - que perderia imensos lucros com a paz e do principal lobby israelense dos Estados Unidos, a AIPAC.

 

Só para dar uma idéia do poderio desta instituição, participaram da convenção da AIPAC, em 2005, 50 senadores, 190 deputados, dezenas de altos funcionários, secretários de Estado, o presidente Bush e seu vice e ainda os principais pré-candidatos dos dois grandes partidos americanos.

 

No entanto, Obama já deu provas de que está disposto a pressionar Israel a ceder.

 

Sentindo a barra, Netanyahu procurou levantar obstáculos para inviabilizar a discussão da questão palestina.

 

Primeiro declarou que só negociaria com os palestinos se eles reconhecessem previamente Israel como um Estado judeu. Mas George Mitchel, o representante de Obama na região, respondeu que as condições de Netanyahu eram inaceitáveis. Que os Estados Unidos continuavam empenhados em promover a solução dos dois Estados. E o Departamento do Estado insistiu em que as conversações entre judeus e palestinos, suspensas desde o ataque a Gaza, deveriam ser reiniciadas.

 

Na semana passada, Obama deu mais uma demonstração de que as coisas estão mudando. Relata o Los Angeles Times que ele pediu ao Congresso que a ajuda à Cisjordânia e Gaza continuasse ainda que líderes do Hamas viessem a fazer parte da administração da Autoridade Palestina. Pela lei atual, a ajuda só é concedida caso os membros do governo reconheçam Israel, renunciem ao terrorismo e concordem com os acordos anteriores feitos entre as duas partes. Coisas que o Hamas não faz. Houve indignação do Partido Republicano embora Tel Aviv, por sua vez, não respeite estas normas. Netanyahu recusa-se a reconhecer um Estado palestino, rejeita categoricamente os acordos anteriores, além de, há muito tempo, persistirem o assassínio de árabes que o serviço secreto tachou de terroristas.

 

É preciso lembrar que Obama não está sozinho na sua posição a favor dos dois Estados. Tem a opinião pública a seu lado. E não só dos Estados Unidos. Segundo pesquisa promovida pelo One Voice Movement, 74% dos palestinos e 78% dos israelenses são favoráveis à solução dos dois Estados.

 

Mesmo os judeus americanos, tradicionais defensores dos governos israelenses, já não exibem a mesma unanimidade monolítica. Surgiu em 2007 um lobby ligado ao movimento israelense pró-paz, disposto a enfrentar a AIPAC, a J. Street.

 

Explicando seus objetivos, diz um dos seus dirigentes, Jeremy Ben-Ami: "Nós queremos dar voz à maioria dos judeus americanos, que é liberal e aberta e não apóia os assentamentos."

 

O J. Street já mostrou sua força. Nas eleições de 2008 apoiou 41 parlamentares, a maioria democratas, mas alguns republicanos, que se comprometeram a defender uma paz justa na Palestina. Desses 41, 33 foram eleitos para a Câmara e o Senado.

 

Enquanto até agora os dirigentes de Israel acabam sempre impondo sua vontade aos presidentes americanos, desta vez poderá ser diferente. Além de boas intenções, Obama tem força para conseguir colocá-los na linha. Calcula-se que a ajuda americana a Israel neste ano deve chegar a 5 bilhões de dólares anuais, sendo cerca de metade para as forças armadas. É uma soma considerável para um país de apenas 6 milhões de habitantes.

 

É também graças aos Estados Unidos que Israel não sofre as sanções da ONU. Nada menos de 40 resoluções condenatórias de Tel Aviv foram vetadas pelos representantes americanos no Conselho de Segurança.

A questão é: terá Obama coragem (e força) para usar estas armas contra seus tradicionais aliados?

Façam suas apostas.

 

Para ler a primeira parte do artigo clique aqui.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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