Correio da Cidadania

Gol e jogo bruto (1)

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O começo da mudança:

 

Depois de Trinidad-Tobago não se pode mais duvidar das boas intenções de Obama em relação à América Latina. Ele ouviu sem replicar, em público e privado, pesadas críticas ao imperialismo americano, à arrogância dos seus representantes, às pressões e intervenções na política das nações da região, ao apoio a golpes de direita e, especialmente, ao injusto embargo de Cuba.

 

Respondeu que tudo isso estaria superado. De agora em diante só haveria respeito e amizade. Como já acontecera nas recentes eleições de El Salvador. Nas anteriores, Bush ameaçou com represálias econômicas caso ganhasse o candidato da esquerda (a economia de El Salvador depende totalmente dos Estados Unidos). Nestas eleições, Obama assegurou que trabalharia numa boa com qualquer dos candidatos. O homem da esquerda venceu e recebeu os parabéns de Washington.

 

No caso de Cuba, Obama deixou claro que pretende normalizar suas relações com a ilha. Liberou as remessas de dinheiro e viagens dos parentes de cidadãos cubanos, como primeiro passo. Claro, o embargo não será suspenso da noite para o dia. Será preciso vencer a resistência de fortes setores da direita americana e dos emigrantes cubanos. Mas o povo americano está a favor (72% x 27% - pesquisa da CNN, 15 de abril), além de grupos como a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, as indústrias farmacêutica e turística, os fazendeiros do Meio-Oeste, diversas entidades cubano-americanas integradas por jovens e empresários modernos, além de 185 dos 192 membros da ONU.

 

O clima nas Américas agora é outro. Tanto Obama quanto Raul Castro aceitam negociar sem pré-condições. Evo Morales é apresentado pelo ocupante da Casa Branca como exemplo. Chávez apressa-se em nomear seu embaixador para os Estados Unidos, que ele havia retirado em setembro último depois de brigas com Bush. E se ele confia em Obama, quem somos nós para duvidar? Afinal não se pode ser mais chavista do que o próprio Chávez.

 

Na verdade, não é difícil para Obama construir uma boa imagem para os Estados Unidos na América Latina. O que mais se espera de seu governo é simplesmente a omissão. Deixar de apoiar golpes, de querer mandar nos países da região, de impor medidas econômicas através do FMI e do Banco Mundial. Ajudas econômicas com a crise que os Estados Unidos vivem... nem pensar. O pouco que o tesouro americano pode dispor para doações destina-se a acalmar situações politicamente mais perigosas, como no Paquistão, Afeganistão e Palestina. Evidentemente, não se espere revogação de medidas protecionistas que reduzem as exportações de produtos latino-americanos. Não seriam bem recebidas pelos produtores americanos, muitos dos quais estão a pão e água.

 

De sua parte, os interesses dos Estados Unidos nos países latino-americano são restritos. No máximo, uma maior cooperação na guerra às drogas. Poderão insistir nos acordos bilaterais, mas não é muito certo, pois os sindicatos americanos, base de votos do partido democrata, os vêem com suspeita, temendo que tirem empregos dos trabalhadores americanos.

 

As coisas estão longe de ser tão simples no Oriente Médio. Lá, a política americana para assegurar seus grandes interesses – segurança, fluxo de petróleo e negócios – tem sido o uso da força militar e o apoio total a Israel. Com maus resultados. O país ganhou o ódio dos 400 milhões de habitantes da região, viu o terrorismo crescer e expandir-se para a Europa e os Estados Unidos, além de a sua imagem tornar-se altamente negativa em quase todos os países do mundo.

 

Obama proclamou o fim desses tempos violentos, substituindo os canhões pela diplomacia. Com ele, os Estados Unidos construiriam uma nova liderança calcada na justiça de suas ações e não no seu gigantismo bélico. Em suma, uma hegemonia baseada no respeito e não no medo.

 

Por enquanto, isso vem acontecendo de maneira apenas parcial. Sob pressão dos generais, fortalecidos pelos êxitos da "surge" no Iraque, Obama cumpriu muito mal sua promessa de sair do país em 16 meses. Aumentou o prazo para 19 meses e, pior do que isso, declarou que 50 mil soldados permaneceriam para combater o terrorismo. Sem dizer até quando.

 

Mesmo prometendo confinar esses soldados às suas bases e submeter suas operações e ordens de prisão à aprovação do governo iraquiano, eles continuarão sendo um exército de ocupação, uma espada pendendo sobre o pescoço de governantes dispostos a tomar decisões contrárias aos interesses americanos.

 

No Afeganistão, Obama continua prestigiando o corrupto governo Karzai, enquanto aumenta progressivamente o contingente militar americano. Ao invés de buscar soluções negociadas, ataca os talebans até mesmo no vizinho Paquistão, bombardeando regiões habitadas e matando civis. E ali o uso da força continua, ao invés da prometida justiça.

 

O ex-senador e candidato presidencial democrata George McGovern comentou a respeito: "acredito firmemente que é a nossa presença militar no Iraque, Afeganistão e outras partes do Oriente Médio que está impulsionando o terrorismo contra os Estados Unidos". Felizmente, no front do Irã a situação parece promissora. Ou parecia.

 

Primeiro Obama abriu os braços para o governo dos aiatolás, solicitando negociações para resolver suas controvérsias. Em resposta, Ahmadinejad, em 16 de abril, declarou desejar "construir um novo relacionamento com os Estados Unidos", e que estaria "preparando propostas para resolver o impasse sobre o programa nuclear". Alguns dias depois, Hillary Clinton jogou um balde de água fria em todas estas boas intenções. Em depoimento ao Congresso, ela declarou não acreditar que os esforços diplomáticos de Obama junto ao Irã dessem certo. Seu objetivo real seria outro. Graças a eles, "ganharíamos credibilidade e influência junto às outras nações para aprovar sanções tão rigorosas (contra o Irã) quanto queremos que sejam". Em outras palavras: as disposições pacíficas de Obama não seriam para valer...

 

Não é crível que Hillary teria feito essas incríveis afirmações sem o conhecimento do presidente. Foi, na verdade, uma jogada tática, subordinada a um interesse maior.

 

Quando Ahmadinejad atacou Israel na conferência do racismo, os representantes americanos retiraram-se e optaram pelo boicote. Na ocasião, Obama declarou que a atitude do mandatário iraniano poderia prejudicar os esforços diplomáticos para fazer as pazes com Teerã. E, indo além, mandou Hillary fazer as declarações que poderiam ser interpretadas como uma forma de desmascarar os propósitos pacíficos da política iraniana de Obama.

 

Na verdade, seu objetivo era, de um lado, ganhar pontos junto a Netanyahu, que erigiu a questão com o Irã ao principal problema do seu governo. Do outro lado, mostrar-se para as opiniões públicas americana e judaica como fraternal amigo de Israel. Pois isso é necessário agora que ele se prepare para enfrentar o grande desafio de sua política externa: a criação do Estado palestino.

 

O risco desta manobra é, ao reforçar suas pontes com Israel, acabar derrubando aquelas que ele começa a construir com o Irã.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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