Correio da Cidadania

O que importa discutir no pré-sal

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As reportagens sobre o pré-sal têm sido exaustivas não por acaso. Afinal, a história do país no setor será dividida em antes e após a descoberta da Petrobrás e poderá ajudar a viabilizar um projeto nacional de desenvolvimento e de redução das desigualdades.

 

Na maioria das vezes, entretanto, a discussão passa ao largo das questões principais. As companhias privadas nacionais e estrangeiras, reunidas no Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), defendem que não se altere a legislação existente, mantendo tudo como está. No máximo, aumente-se a participação dos impostos, taxas e "royalties". Alertam que serão necessários muitos bilhões de dólares de investimentos e que devemos produzir rapidamente para não perdermos a oportunidade. Para isso, segundo elas, os leilões devem continuar e a presença das grandes empresas internacionais ser estimulada.

 

A participação dos impostos, taxas e "royalties" no petróleo produzido chega a um máximo de 50% nas áreas onde há a participação especial. Esta parcela, que varia de 10 a 40%, atinge apenas 19% dos campos no mar e 3% em terra. A alíquota média é de apenas 18%. Nos países produtores, o Estado retém cerca de 84% da participação, muito acima da verificada no Brasil. Outra diferença reside na propriedade do petróleo. Enquanto aqui ele é das empresas que o produzem, lá fora é do Estado, que remunera as companhias produtoras após a extração. Esta é uma das questões centrais: a propriedade do petróleo. Normalmente ela não é abordada, discutindo-se apenas a parcela de impostos pagos ao Estado. O próprio IBP, após grande relutância inicial, admitiu que o percentual subisse para o nível dos países exportadores, sem alterar a legislação atual.

 

A propriedade do petróleo e os investimentos

 

Mas por que a propriedade é tão importante? O aumento da participação não resolveria o problema? Ela é fundamental, pois determinará o ritmo de extração, permitindo um planejamento adequado aos interesses do país e não das empresas petrolíferas.

 

Pela legislação atual, embora as reservas sejam monopólio da União Federal (artigo 177), uma vez extraído, o petróleo passa a pertencer a quem o produzir (artigo 26 da Lei 9478/97), ficando o Estado com a rocha vazia. Desta forma, cada empresa irá produzir seu campo de forma independente, podendo remetê-lo ao exterior, sem a interferência do país, impossibilitando fazer seu planejamento energético e controlar a produção total.

 

Quanto aos investimentos, o ritmo será ditado pela extração do petróleo. Pela proposta das grandes companhias serão necessários muitos recursos para extrair o mais rapidamente possível. Mas interessa ao país aumentar descontroladamente a produção? O bom senso diz que não e o exemplo do México está aí como alerta: tinha reservas de 48,5 bilhões de barris em 1996. Veio a crise, tomou empréstimos no exterior, após seguir o receituário do Consenso de Washington, então em voga, e deu a produção de seu petróleo como garantia de pagamento. Extraiu predatoriamente, vendo suas reservas caírem para 12,2 bilhões em 2007, suficientes para apenas 9,6 anos de produção (1), podendo vir a se tornar importador de petróleo e derivados.

 

A proposta Ildo Sauer (2)

 

O professor da USP e ex-diretor da Petrobrás Ildo Sauer apresentou uma proposta simples e consistente para a exploração do pré-sal. Até agora não se tem idéia do volume das reservas e se os campos são contínuos ou separados. A primeira tarefa, portanto, será fazer tantos poços quantos forem necessários para delimitar, mapear e obter as informações necessárias. Para isto a União Federal deveria contratar a Petrobrás, que foi a descobridora, tem a maior capacitação técnica e é controlada pela própria União, para fazer este levantamento, sendo pago pelo serviço. Com as informações disponíveis, poderá fazer o planejamento de exploração e produção do pré-sal, ditando o ritmo de extração adequado aos interesses do país.

 

As áreas do pré-sal foram retiradas das licitações após a Petrobrás ter exposto ao governo federal a dimensão da descoberta e que não havia mais risco na exploração. Em consequência, o marco regulatório deveria ser alterado com o novo cenário.

 

A alteração da legislação

 

A comissão interministerial criada pelo governo para discutir a questão do pré-sal trabalha com diversas propostas, dentre as quais a criação de uma nova estatal para gerir as reservas da União, nos moldes da Noruega. Mas, a Petrobrás não poderia exercer este papel, já que tem o controle da União? Segundo algumas autoridades governamentais, não, pois ela tem acionistas privados, inclusive estrangeiros, que detêm 60% do capital total. Explicando: a União Federal possui 32% do capital total e o BNDESPAR mais 8%. O restante está em mão privadas, com os estrangeiros detendo 39% das ações da companhia. A União, entretanto, detém 56% das ações ordinárias que dão direito a voto, tendo, portanto, o controle acionário.

 

Não há necessidade de se criar uma estatal para gerir as reservas. O Tesouro Nacional, com o apoio de técnicos da Petrobrás, Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) e universidades, poderá se incumbir da tarefa. Não há qualquer tipo de conflito, pois as reservas são propriedades da União Federal. A Petrobrás passaria a ser a executora do monopólio, sendo o produto extraído de propriedade da nação.

 

Com os recursos recebidos poderão ser feitos os investimentos que a sociedade requer, além de se elevar a participação acionária da União na Petrobrás, de forma a deter ações que lhe assegurem, não só pelo menos 51% das ações com direito a voto, como sua participação no capital social. O montante necessário para a compra das ações deverá ser muito inferior ao praticado antes da atual crise, pois a Petrobrás deixará de deter a propriedade do petróleo extraído, minorando o interesse do capital especulativo. Afinal, para o país é muito mais interessante ter sua riqueza depositada em reservas de petróleo ou numa empresa que alavanca seu desenvolvimento e lhe dá bons e sustentáveis rendimentos, que vê-los aplicados em títulos que financiam o tesouro americano.

 

(1) http://www.bp.com/statisticalreview

 

(2) Revista Retrato do Brasil, número 15 – outubro/novembro 2008. Disponível também, só o texto, em Aepet Direto de 12/ novembro/2008 http://www.aepet.org.br/

 

Diomedes Cesário da Silva é engenheiro e vice-diretor de Comunicação da AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás.

 

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Comentários   

0 #1 O Que Importa DiscutirRaymundo Araujo Filho 03-04-2009 12:28
Estes dias travei um pequeno debate com o Presidente da AEPET, o afável e educado Fernando Siqueira, expondo as minhas divergências em estarmos discutindo ao sabor da Agenda do Governo, e não aquela que realmente interessa ao Povo.

Não foi por outro motivo que o próprio presidente da AEPT mudou de posição sobre a nova empresa para o Pré Sal, se entendi bem, três vezes. Primeiro era contra. Depois com a divulgação de uma proposta do governo, onde prometia mundos e fundos, acabou por concordar. E agora, parece que está descrente com o novo desenho governamental, parece que é contra, novamente.

Abaixo, a minha intervenção final no debate internético, onde exponho a minha divergência de fundo, que é sobre O QUE temos de discutir com o governo.

Mesmo considerando a AEPERT importante aliada, não posso deixar de expor estas pequenas (grandes) divergências, pois são basilares para as táticas a seguir.

Prezado Fernando Siqueira

Respondo a ti, pois também acho que este em particular (Pré Sal) é tema de muita importância, mas se articulado à Política e não meras participações ao sabor de agendas governamentais.

A nossa agenda tem que ser própria. Aliás, ela está sendo discutida há um tempão, e versa sobre a NÃO DESNACIONALIZAÇÂO da Petrobrás e do Petróleo (aqui no caso discutido). Portanto, falamos sobre a algo que expõe a NATUREZA deste Governo.

Assim, este é o assunto claro e transparente que eu gostaria de ver o Presidente da valorosa AEPET discutir com a D. Dilma. Não há como dirigir-se a esta senhora, senão para dizer-lhe, de forma educada e firme, que até agora o governo que ela representa foi tão ou mais entreguista (pode dizer desnacionalizante) do que qualquer outro, e com o agravante de ter sido eleito sobre agenda contrária a esta. Não há como tergiversar em dizer a ela que, pelo que temos visto NÃO HÁ COMO CONFIAR nas proposições do governo. E, se houver uma brecha, perguntar firmemente, qual a garantia que ela nos dá que haverá mudanças. Em atos e não em papos, pois este governo DESCUMPRIU todos os acordos feitos com trabalhadores. E tem de começar já, e não esperar o próximo governo...

Portanto, caro Fernando, ao meu ver, é embarcar em canoa furada essa de discutir se vai ser com Nova ou Velha empresa, se este governo, com este presidente, esta equipe e suas alianças vai recomprar a Petrobrás, se vai estimular uma gestão EXATAMENTE OPOSTA a que temos até aqui, e se.. ....Papai Noel Existe! Puro blá blá blá, para gastar tempo dos incautos.

Acho que o cerne da questão não está explicitado por você, pois localiza-se no campo da Política, e não na análise pontual desta ou daquela proposta setorial.

Explico:

Sei que é justo e honesto, o desenho que tens da gestão do Petróleo Brasileiro, sem que pese contra ou a favor, qualquer divergência pontual que possamos ter.

Mas, não percebestes ainda que o que estou a discutir aqui, desde a primeira postagem, é a GESTÃO POLÍTICA dos rumos do país.

E a Política Energética é uma das vertentes importantes.

Então, para ficar bem claro, acho que já passou, e há muito, a hora de ficarmos tenteando e "podendo ou não" conferir apoio a esta ou aquela proposta deste governo.

Pessoas que têm responsabilidade política hoje, e não precisam ser do ramo da política, e que ainda titubeiam e se põe a negociar ALGUMA COISA com este governo Lulla, está se deixando enrolar pela Confusão Programada.

Este governo vem mostrando há 6 anos, desde o dia 2 de janeiro de 2003, em que Henrique Meireles e ainda o blindou como ministro e Zé Dirceu começou a articular a aprovação dos transgênicos (lembra-se da palestra e entrevista que dei na AEPET?), que tem Natureza desnacionalizante, de conluio com as Classes dominantes, sendo um fracassado Bonaparte, que sequer faz Reformas periféricas em favor do Povo. Só arremedos.
Então, caro Fernando, a minha crítica é Política a esta lenga-lenga de se discutir a Questão Energética (ou outra qualquer) a partir da agenda do Governo.

Se as pessoas que têm uma visão crítica deste governo, e sabem o tamanho do desastre que está sendo a era Lulla para o país, e sei que desconfias disso, não criam a sua própria agenda política DE OPOSIÇÂO, sustando qualquer tipo de negociação pontual (pura enroleba de um Governo que não cumpriu NENHUIM acordo pró trabalhador e Povo brasileiro), vamos apenas deixar que D. Dilma desfile em palco iluminado.

E acho que podemos poupar-nos de explicações detalhadas sobre como poderia ou deveria ser a gestão energética, com ou sem nova empresa. O que estou a discutir aqui (ou tentar) é a Gestão Política em relação a este governo ENTREGUISTA, em TODOS os seus atos. É isso que, lamentavelmente, a maioria das Direções dos Sindicatos (Petroleiros em destaque), Centrais Sindicais (Joaquinzão hoje seria de esquerda), Associações Profissionais, não fazem. Querem consertar o país com sugestões pontuais. Mas, o âmago das ações políticas, ninguém quer discutir, ao menos de público. É a tal blindagem. Uns a fazem conscientemente. Outros, apenas participam dela sem saber.

Muito papo com esta gente agora, em período pré eleitoral, é lhes dar muito cartaz, além de assinar cheque em branco. O "fazer política" não pode substituir a necessidade de mudanças urgentes e concretas. Senão vira enrolação.

A não ser que estejas pensando alguma possibilidade de votares em D. Dilma, em algum cenário de 2010. Aí já é outro papo....e realmente nada teria a lhe dizer.

ABS

Raymundo
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