Correio da Cidadania

Em torno do que brigamos?

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Chico Oliveira, embora creditando a Lula e ao PT a possibilidade de comandarem um colossal novo processo de desenvolvimento (algo como 100 anos em cinco), analisa que a chegada de Lula ao poder não significou uma mudança de modelo. Lula teria preferido dar continuidade ao modelo anterior, introduzindo apenas algumas variações.

 

Muitos tucanos concordam com isso. Vêem o Brasil, hoje, numa posição forte diante do mercado internacional, por ter se tornado mais blindado frente à crise e elevado seu poder de atrair investimentos externos. Creditam essa situação às reformas impingidas ao país no decorrer do governo FHC. Isto é, privatizações, compulsório bancário e taxas de juros elevados, regulamentação financeira, câmbio flutuante. O que teria ajudado Lula a aproveitar-se de uma situação internacional favorável. Nada mais.

 

Parcelas da esquerda acreditam nessa avaliação. E acrescentam que o governo Lula teria aplicado rigidamente a disciplina fiscal e monetária, e não teria feito mais nada em termos de política econômica, nem realizado qualquer reforma estrutural. A favor de Lula, reconhecem que seu governo adotou políticas de correção das desigualdades sociais, com os aumentos do salário mínimo, a oferta de crédito, inclusive às populações de baixa renda, e a execução de programas como o Bolsa Família e o Pró-Uni.

 

Tudo isto não passaria, porém, de um novo modelito neoliberal. Combinaria políticas compensatórias em maior dose com as políticas anteriores das corporações transnacionais. O mesmo ocorreria com Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Este seria tão somente um plano, não um projeto de nação. E, ainda por cima, um plano bem menos ousado do que o plano de metas de JK. Ou do que o plano de desenvolvimento nacional (PND) de Geisel. Com o PAC o Estado estaria unicamente fortalecendo o capital privado, respondendo às suas demandas de infra-estrutura, energia e logística.

 

Para eles, do mesmo modo que Collor e FHC, o governo Lula continuaria subordinado à lógica economicista do mercado, com suas obras da integração de bacias, a partir do rio São Francisco, hidrelétricas, retomada do programa nuclear e da indústria bélica e concessão de rodovias e ferrovias públicas.

 

Complementando essas afirmações, aceitam a análise de Chico Oliveira quanto ao não-rompimento do governo Lula com o modelo Collor-FHC e dão ao período varguista o status de projeto de nação. Os investimentos estatais promovidos por Vargas teriam formado um capital produtivo sob controle do Estado, alçando o país a uma das potências econômicas mundiais. De passagem, sem maiores explicações, admitem que isso teria possibilitado uma modernização conservadora. Para não deixar pedra sobre pedra do PAC, reiteram que ele se coloca de costas para a problemática ambiental, reafirmando a lógica produtivista da sociedade industrial.

 

Na prática, incensam o produtivismo de Vargas contra o produtivismo de Lula, descartam o plano de cinco Embraers por ano, de Chico Oliveira, e atacam uma sociedade industrial genérica. Não citam, em qualquer momento, que estamos numa sociedade capitalista, e acreditam construir um modelo descarbonizado nessa mesma sociedade.

 

Retornemos à política econômica de Lula. E à proposta de Chico Oliveira, que poderíamos chamar de um PAC quintuplicado. No momento, apenas chamamos a atenção para o uso do conceito modelo. Vargas, num determinado contexto histórico, alterou o modelo latifundiário-capitalista para um modelo capitalista-latifundiário, bancado pelo Estado.

 

JK, em outro contexto histórico, alterou o modelo capitalista-latifundiário herdado de Vargas, com baixa participação interna de capitais estrangeiros, para um modelo capitalista-latifundiário com alta participação interna de capitais estrangeiros, num acordo entre capitais estatais nacionais, capitais privados nacionais e capitais privados estrangeiros.

 

A ditadura militar também alterou o modelo capitalista-latifundiário, para um modelo que transformou grande parte do latifúndio em capitalismo agrário, e reforçou a participação dos capitais estatais e dos capitais estrangeiros. Collor e FHC iniciaram a alteração do modelo herdado da ditadura, tendo como foco a redução brutal dos capitais estatais e dos capitais privados nacionais, e o aumento ainda maior dos capitais estrangeiros. Em qualquer dos casos acima, não tivemos qualquer tentativa de alteração do modelo capitalista. Então, em torno do que estamos brigando com essa história de "mudanças de modelo" e "projeto de Nação"?

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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