Correio da Cidadania

Bispos franceses falam sobre excomunhão e aborto

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Documento 1

 

Havia outra coisa a dizer...

 

Como todo mundo, fiquei sabendo que a mãe de uma menina de 9 anos grávida de seu padrasto foi excomungada por seu bispo no Brasil, e com ela a equipe médica que realizou o aborto de sua filha. Como bispo, sou solidário de todos os bispos do mundo.

 

Essa solidariedade impõe-me dizer também os desacordos, pois de outra forma ela seria cumplicidade. Devo dizer a meu irmão bispo de Recife – assim como ao cardeal que o apoiou (nota do tradutor: o cardeal Giovanni Battista Re, Prefeito da Congregação para os Bispos) - que não compreendo a intervenção que fizeram. Diante de tal drama, diante do ferimento causado a uma criança violentada e incapaz, mesmo fisicamente, de levar a termo a sua gravidez, havia outra coisa a dizer e, sobretudo, havia outras questões a serem colocadas: como acompanhar, encorajar, permitir sair do horror de tal situação e reencontrar o sentido e o gosto da vida? Como ajudar mãe e filha a se reconstruírem? Nós, sobretudo os homens, balbuciamos e devemos contar com as mulheres para situarmo-nos diante de tal situação mais com presença do que com palavras. Porque palavras de condenação, mesmo que para evocar a lei por mais justa que seja, é o que não se deve fazer.

 

Jesus teria dito que a moral é feita para o homem e não o homem para a moral. Ele denunciou a hipocrisia daqueles que colocam os fardos mais pesados nos ombros dos outros.

 

Confesso que já acompanhei mulheres antes e depois de interrupções voluntárias de gravidez. E creio que a Igreja católica deve assumir sua responsabilidade social insistindo, a tempo e a contratempo, sobre o respeito da vida humana - desde a concepção até a morte natural. Mas faltaríamos à nossa responsabilidade se nos calássemos ante o apelo em defesa dos pequeninos e dos mais frágeis.

 

Trata-se aqui de acompanhar cada pessoa que se encontra em situações nas quais eu não gostaria de estar, situações nas quais cada pessoa envolvida procura fazer o melhor que pode. Deus nos chama a tomar decisões que podem ser exigentes, mas antes disso Ele nos envolve com sua ternura e nos acolhe nas obscuridades e dramas da vida. Eu espero que os homens de Igreja, meus irmãos, não se sirvam do nome dela para condenar pessoas nem para aprisioná-las na culpabilidade.

 

Francis Deniau, bispo de Nièvre

***

 

 

Documento 2

 

"Uma menina brasileira de nove anos violentada e grávida de gêmeos, uma mãe atormentada, uma condenação, e uma excomunhão! A opinião pública reagiu, e eu compreendo sua emoção.

 

Por que não guardar o silêncio diante de tal tragédia? Por que acrescentar severidade a tanto sofrimento? Muitas pessoas se questionam sobre isso.

 

Defendo e defenderei sempre a dignidade e o respeito à vida desde sua origem até o seu termo, e creio que em todas as circunstâncias a atitude da Igreja deve tirar sua legitimidade da atitude do Cristo. Assim sendo, o amor e a misericórdia devem sempre falar mais forte, conforme os evangelhos, do que a condenação e a exclusão. Basta abrir os evangelhos para se convencer disso!

 

Qual será o futuro dessa mulher, dessa menininha, após tal decisão? Quem vai acompanhá-las? Em consciência e por fidelidade à Boa Nova devemos nos interrogar a respeito.

 

Por ora, gostaria de dizer a essa mulher e à sua filha que elas são e sempre serão amadas pelo Deus de Jesus Cristo que nós chamamos de Pai Nosso.

 

Norbert Turini, bispo de Cahors.

***

 

 

Documento 3

 

É certo que o aborto é um ato mortífero; ele inscreve na carne daquelas que por ele passaram ferimentos que talvez nunca terminem. Mas como pode, diante de tal drama, a Igreja se manifestar para julgar e condenar, e não para manifestar sua compaixão e ajudar as pessoas envolvidas a se reconduzirem para a vida? Como e por que ignorar a prática pastoral da Igreja Católica que é a de ouvir as pessoas em dificuldade, de acompanhá-las e, em matéria de moral, de levar em conta o mal menor, particularmente em situações dramáticas e em casos extremos?

 

Quando se invoca a lei de Deus, como esquecer a ternura de Jesus - sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso?

 

Essa decisão abrupta de excomungar é inaceitável. Ela não leva em conta nem o drama vivido nem o risco físico e moral que a menina estava correndo.

 

Queremos dizer com todas as nossas forças, neste mundo tão sofrido, que é preciso que façamos surgir atitudes de esperança, em vez de se fechar em condenações que são traições dos caminhos compassivos do amor misericordioso.

 

A todos os que estão perturbados por tal medida, queremos dizer com firmeza que não nos reconhecemos nela, e requeremos que ela seja suprimida o mais rapidamente possível.

 

Dom Yves Patenôtre, bispo da Missão de França e seu Conselho.

***

 

 

Documento 4

 

Senhor bispo,

 

O senhor fez questão de declarar recentemente e de forma pública a excomunhão de uma mãe de família que autorizou o aborto de sua filhinha de nove anos, grávida de quatro meses, após ter sido violentada desde a idade de seis anos por seu padrasto. Também publicamente, o senhor decidiu-se pela excomunhão dos médicos que praticaram esse aborto. Assim sendo, vou reagir publicamente à sua intervenção mediante esta carta aberta.

 

Digo-lhe de imediato: para mim, o aborto é a supressão de uma vida. Por conseguinte, oponho-me a ele firmemente.

 

A mãe dessa menininha talvez tenha pensado que era melhor salvar uma vida do que perder três... Talvez os médicos lhe tenham dito que um pequeno útero de nove anos não pode dilatar-se indefinidamente... Não sei. O que sei é que nessa tragédia o senhor acrescentou mais dor à dor, provocando assim sofrimento e escândalo em muita gente pelo mundo afora. Diante de situação tão dramática, creio firmemente que nós, bispos, pastores na Igreja, devemos primeiramente manifestar a bondade do Cristo Jesus, o único verdadeiro Bom Pastor.

 

Estou certo de que Ele ama essa mãe e que Ele está em busca de homens e mulheres que a ajudem a continuar a sua caminhada apoiando-a amigavelmente, espiritualmente e, se necessário, materialmente. Estou certo de que Ele pede que se dê amor a essa menininha marcada pelo resto da vida e a sua irmã mais velha, portadora de deficiência e também violentada. Estou certo de que Ele pede à capelania da prisão onde se encontra o padrasto para aproximar-se dele, a fim de que ele se arrependa, se converta e se torne algum dia um ser humano de verdade. Estou certo que o Cristo estimaria também que o senhor, se puder, fale com os médicos que praticaram o aborto, porque como os quarenta ginecologistas e obstetras com quem me encontrei meses atrás e com os quais não estou de acordo em tudo, a maioria deles apreciam ser ouvidos assim como apreciam ouvir outros pontos de vista, posto que eles também vivem dramas de consciência.

 

Senhor bispo, ajudemo-nos uns aos outros para sermos antes de mais nada homens da esperança em Deus e em todo ser humano!

 

Tenho relação de amizade e de colaboração com muitos evangélicos que também se opõem, como o senhor e eu, ao aborto. Mas nem por isso eles ficam proclamando condenação pública. Talvez seja essa uma das razões pelas quais as comunidades evangélicas atraem hoje tantos católicos, particularmente no Brasil. Constato também que a opinião pública não entende que se excomungue. Ela vê nisso uma condenação das pessoas e não uma proposta de cura e de conversão. Penso, pois, que devemos encontrar outros meios para dizer a nossas comunidades que o comportamento ou as palavras desse ou daquele católico não estão de acordo com o que a Igreja compreende e crê ser a vontade de Deus.

 

Não posso deixar de dizer-lhe também que me pergunto como é que se pode afirmar que o estupro é menos grave que o aborto que suprime a vida no ventre de uma mãe. Mulheres violentadas confiaram-me o seu drama. Algumas delas conseguiram aprumar-se e avançar na vida carregando a lembrança de suas feridas, que nunca vão desaparecer completamente. Mas outras, embora fisicamente vivas, foram assassinadas no que nelas há de mais íntimo, e não conseguem reviver. A vida, como o senhor bem sabe, não é apenas física.

 

Ainda não pude ter em mãos o texto do cardeal Re, mas o apoio que, segundo a mídia, ele lhe deu, em nada modifica minha reação de pastor. E para a clareza das relações entre bispos, estou enviando cópia desta carta ao senhor cardeal Re.

 

Peço que acolha, senhor bispo, meus sentimentos entristecidos, ainda que respeitosamente fraternais, e de igual modo esteja certo de minhas orações pelo senhor e por aquelas e aqueles que, de perto ou de longe, estão envolvidos com o drama dessa menininha.

 

Gérard Daucourt, bispo de Nanterre

 

Traduzido por Magno Vilela.

 

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