Correio da Cidadania

O que fazer no Afeganistão?

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Na campanha presidencial de 2008, se fosse eleito, Barack Obama havia prometido ao eleitorado dedicar maior atenção à Guerra do Afeganistão, local onde se encontravam de fato os piores inimigos dos Estados Unidos: os terroristas fundamentalistas, abrigados fisicamente em cavernas emaranhadas de túneis e mentalmente na população atemorizada de violentas retaliações.

 

Acrescente-se que os insurgentes desfrutam de um controle bastante poroso da fronteira pelo Paquistão, o que lhes permite o refúgio. Todavia, Islamabad preocupa-se, caso os americanos retirem-se definitivamente, com a ascensão de um governo fundamentalista, cujo raio de atuação atingisse o seu próprio território.

 

Decorridos mais de sete anos, há, na melhor das hipóteses, um impasse: embora não possam ser expulsos militarmente (contabilizaram-se até o momento menos de 700 mortes em combate), os Estados Unidos não podem, por outro lado, superar os seus adversários guerrilheiros.

 

Além do mais, diferentemente dos soviéticos no período da Guerra Fria, nas áreas urbanas os investimentos em infra-estrutura têm tido pouco atenção. Bastante almejadas, estradas e notadamente escolas poderiam amenizar a decepção do povo com os ocupantes estrangeiros.

 

Desacreditado da opção bélica no Iraque - onde já se havia buscado uma retirada política honrada no final do governo Bush por meio de um cronograma -, é possível que o presidente Obama almeje ganhar uma das guerras dos republicanos. Destaque-se que a última vitória de um dirigente democrata foi com a Segunda Guerra Mundial.

 

Historicamente, coube aos republicanos o encerramento de duas pelejas dos democratas: a da Coréia, por Dwight Eisenhower, e a do Vietnã, por Richard Nixon. Além disso, com a crise, o governo norte-americano tem de destinar cada vez mais recursos para o seu sistema financeiro, o que prejudica a manutenção de um estado de guerra indefinido.

 

Concentrar-se no Afeganistão significa menor desgaste político perante a sociedade internacional, porque, desde o seu começo, o conflito não foi considerado ilegítimo como o da segunda versão do Golfo em decorrência do ataque terrorista de setembro de 2001.

 

Tendo em vista que os perpetradores da inesperada ação localizavam-se lá, a opinião pública global não protestou de maneira veemente quanto ao desejo de retaliação dos Estados Unidos.

 

Se a ampliação dos efetivos até o momento amenizou a situação política em território iraquiano, ainda que tenha também havido a cooptação de grupos opositores por intermédio de auxílio financeiro, é possível que possa ser aplicada com êxito também em território afegão. Todavia, o efeito é temporário – é a política compensatória de Washington para minimizar o quadro sócio-político do devastado país.

 

De toda maneira, o novo governo em mãos democratas não pode tergiversar, porque o cenário é-lhe cada vez mais desfavorável. O contingente de trinta mil em solo afegão é realmente insuficiente. A perspectiva seria dobrá-lo a datar do segundo semestre. O aumento traz consigo uma questão: para qual finalidade ele se endereça?

 

O envio de mais combatentes pode politicamente acarretar desgaste precoce à política externa dos democratas, ainda em desfrute do voto de confiança concedido a todo presidente em seus primeiros cem dias. O desafio é apresentar à população afegã a ampliação como uma possível solução, não como um recrudescimento do problema.

 

Recorde-se de que o Afeganistão, dividido há incontáveis gerações em rivalidades constantes entre diferentes etnias, embora formalmente tenha sido uma colônia britânica no século XIX e início do XX, na prática funcionou mais como uma zona fronteiriça, isto é, um Estado-tampão entre as aspirações territoriais dos britânicos e dos russos. Nem mesmo os talibãs conseguiram estabelecer um conceito robusto de identidade nacional, ao optar por basear a sua atuação na religião.

 

A afinidade política com o Ocidente mal ultrapassa os arredores de Cabul, a capital – quase ¾ de seus habitantes residem no campo, sendo a sua renda principal o cultivo, muitas vezes forçado, de papoula. Estima-se que 90% da produção global de ópio gerem-se lá. Apesar do apoio maciço dos anglo-americanos, a sofrida população não consegue distinguir entre a ineficiência e a corrupção no cotidiano administrativo do seu governo.

 

Assim, a Casa Branca localiza-se diante de uma encruzilhada: o governo por ela apoiado não se sustenta diante da população local. A resposta, em vez da apuração das eventuais irregularidades ou da correção das hipotéticas deficiências administrativas, é auxiliá-lo mais militarmente, o que se choca com a retórica de valorização da democracia.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

 

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Comentários   

0 #1 EUA no AfeganistãoAlvaro Fernando 06-03-2009 13:01
Muito bom esse artigo! Parabéns, professor Virgílio Arraes, pela clareza e pela profundidade, em assunto tão enviesado nas mídias tradicionais.
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